O Plebiscito da Reforma Política e a Frente Única Antifascista

quinta-feira, 27 de junho de 2013

O Plebiscito da Reforma Política e a Frente Única Antifascista

A mobilização dos jovens contra o aumento das passagens de ônibus em todo o país funcionou como um catalisador que desencadeou uma revolta popular contra a democracia representativa liberal, o modelo econômico neoliberal, os partidos políticos tradicionais e todos os governos. O fato dessas manifestações terem ocorrido durante a Copa das Confederações, ao contrário do que se poderia imaginar no "País do Futebol", serviu para agravar a crise política e generalizar a mobilização. Os megaeventos esportivos já vinham sendo severamente criticados devido às remoções de famílias pobres para as obras relacionadas à Copa do Mundo e às Olimpíadas e por causa das denúncias de corrupção, os elevados gastos públicos com os eventos da FIFA e do COI, enquanto serviços públicos essenciais como saúde, educação e transporte público coletivo estão sucateados. Se as manifestações de jovens e estudantes pela redução das tarifas de ônibus foram o estopim da revolta e se a repressão policial serviu para generalizar os protestos e massificá-los, o contexto de realização da Copa das Confederações contribuiu para que a mobilização se estendesse por todo o período da competição. O sentimento de revolta da população expressou-se nas ruas. O fato dos atos serem majoritariamente de classe média e não contarem com a organização dos movimentos sociais de maneira mais séria, mesmo que partidos e movimentos tenham participado desde o início, como é o caso do PSTU, do PSOL, do PCO, do PCB e do MPL, fez com que a grande mídia pudesse canalizar esse descontentamento para pautas determinadas por ela e pela oposição de direita, além de contar com as provocações policiais e neonazistas no interior dos atos para desmoralizá-los e para atacar os partidos de esquerda e os movimentos sociais.

A divisão dos atos expressa a divisão existente na própria sociedade brasileira. O protesto juvenil desencadeou uma explosão da cidadania e o próprio sistema representativo foi posto em xeque. Das manifestações estudantis à revolução cidadã houve um processo de massificação e catarse que, num primeiro momento, purificou a alma do país, abalando o velho esquema da governabilidade e da política privatista e oligárquica, mas culminou num protestar por protestar. Para muitos, ir aos protestos tornou-se um evento, uma coisa imperdível, uma experiência que precisava ser vivida, sabe-se lá por que. Identificando essa dinâmica e a existência de lideranças menores e mais fracas na condução de um movimento que foi para muito além delas e de suas pautas iniciais, com pautas difusas, que expressavam a mobilização de vários indivíduos atomizados por meio das redes sociais, e que os grandes partidos de esquerda e suas principais lideranças mal se manifestavam publicamente, claramente esperando que a situação se acalmasse e que tudo voltasse à normalidade para que todos pudessem se dedicar novamente às preparações para as eleições de 2014, a Rede Globo e as demais emissoras de televisão resolveram dirigir o movimento e conseguiram dar-lhe um caráter de direita a partir do dia 20 de junho. Nesse momento, a explosão da cidadania virou luta de classes. A luta política estava aberta nas ruas e os movimentos sociais organizados se reuniram para construir a sua própria mobilização. Os atos da direita foram se esvaziando e as manifestações comandadas pela esquerda, agora com muitas bandeiras, diferente daquelas em que se exigia que se abaixassem as bandeiras dos partidos de esquerda. É nessa nova situação que está se gestando o plebiscito da reforma política.

É preciso disputar esse plebiscito, sem esquecer que a pauta principal do movimento não é esta, mas sim a redução da jornada de trabalho, reforma agrária, aumento de salários e serviços públicos gratuitos e de qualidade. O plebiscito é pensado pelo governo como uma forma de conduzir a revolta popular para a via institucional, para o voto. No entanto, é um processo real, que vai acontecer e é preciso examinar a conjuntura atual e tentar impor a pauta do plebiscito a partir das ruas, contra as burocracias de todos os partidos da ordem. A greve geral de 11 de julho será fundamental para influenciar nesse processo também. O financiamento público de campanhas, por exemplo, é um mecanismo importante para diminuir a influência direta das grandes empresas sobre os mandatos dos parlamentares e dos representantes do Poder Executivo nos âmbitos municipal, estadual e federal. Essa questão em especial deve fazer parte de nossas preocupações e de nossas reivindicações. Outra coisa deve ser evitar qualquer tipo de golpe, como possíveis tentativas de diminuir o número de partidos, medida dirigida principalmente à oposição de esquerda, para enfraquecer a verdadeira oposição ao atual governo. Além disso, a democracia só pode ser garantida com luta e se não conseguirmos fazer valer o nosso direito de nos manifestar de nada servem as mais belas leis. Assim, os governos devem ser cobrados pela repressão brutal ao longo dessa onda de protestos e a desmilitarização das polícias e sua unificação numa polícia civil democrática, com delegados eleitos, é uma bandeira que deve ser defendida com coragem, seriedade e urgência. Os grupos neonazistas e fascistas só podem ser combatidos pela organização direta dos trabalhadores e da juventude de sua autodefesa através da constituição de uma frente única antifascista.

A frente única antifascista e o plebiscito da reforma política são as políticas que temos para ampliar a democracia para a classe trabalhadora organizada e a juventude estudantil. A oposição de direita tenta enquadrar a reforma política nos moldes da burocracia e dos interesses empresariais e das elites. O PT, diante do clamor das ruas e do risco de perder as próximas eleições com a corrosão de suas bases populares, com a continuação da revolta e a contaminação também do povo pobre pelo descontentamento geral, agravado pela inflação sentida por todos os brasileiros no bolso, que é bem diferente da inflação dos índices do governo, joga para a plateia e resolve se apoiar na mobilização popular pela democracia - por mais democracia - apostando no mecanismo de democracia direta por excelência - o plebiscito - e permitindo que a população exerça o seu direito à autodeterminação para com isso aplacar sua fúria. A realização do desejo de se expressar e de decidir diretamente o seu destino é uma ótima maneira de acalmar os ânimos e recuperar a estabilidade política, fechando a atual crise institucional. Por isso, o plebiscito também deve ser entendido pela oposição de esquerda e pelo partido das ruas como um espaço de disputa. Deixar para o governo de coalizão e a oposição de direita esse debate e não envolver os movimentos sociais independentes, aqueles que não foram cooptados pelo Estado, é um grave equívoco. Várias propostas como tempo igual de rádio e televisão para todos os partidos políticos na campanha eleitoral e o fim da reeleição para os cargos do Executivo são pontos importantes para o avanço da democracia no Brasil, para a ampliação das liberdades democráticas, assim como a proposta de controle dos mandatos parlamentares pelos eleitores, com a revogação dos mandatos daqueles que não representarem os interesses dos seus representados.

A frente única antifascista é a única política de todas as organizações dos trabalhadores, de esquerda e estudantis capaz de forjar a firme resistência ao avanço nazifascista e às suas tentativas de intimidação dos movimentos sociais pelos bandos fascistas. A frente única antifascista não é uma unidade da esquerda genérica, ela é uma frente de combate. Uma frente antifascista pode se converter numa frente eleitoral, mas não necessariamente. Nenhuma organização tem o direito de exigir a disciplina política ou o apoio ao governo do PT como condição para a frente, sob pena de por essa unidade na ação a perder. Não existe uma unidade programática nem política no interior da esquerda hoje. Mas é necessária a organização da frente única antifascista como um instrumento a serviço da resistência popular. É uma frente com um objetivo específico: impedir o avanço do fascismo e garantir o direito de manifestação e de expressão das organizações do movimento. A verdadeira luta é travada nas ruas. É nas ruas que o destino da sociedade é decidido. E é nas ruas que as esquerdas devem enfrentar o seu verdadeiro inimigo de classe e a sua face mais cruel e brutal: o fascismo e o nazismo.

Rafael Ross