O SILÊNCIO DOS CULPADOS

No início eram 2000 pessoas, talvez menos. A reivindicação era a redução da tarifa de ônibus na capital paulista, mas o que chamou mais a atenção foram os tumultos e quebradeiras na avenida Paulista, devidamente reprimidas pela polícia e reprovadas pela população. Parecia apenas mais um bando de manifestantes radicais, ligados a partidos nanicos, pedindo uma coisa impossível (afinal, o normal é aumentar tarifas) que resultaria apenas em confusão.O poder público, evidentemente, não deu a mínima. Mas eles não desistiram. Passeatas se repetiram e o número de manifestantes aumentou. Até que começaram a surgir movimentos em outras cidades. Os manifestantes expulsaram representantes dos partidos políticos e suas bandeiras, pediram que não houvesse violência e tentaram, na medida do possível, conter os vândalos e arruaceiros. E o povo acordou! De repente, milhares de brasileiros, inclusive fora do país, se reuniram para protestar, não apenas contra a tarifa de ônibus, mas contra tudo que há tempos atrapalha a vida de todos que trabalham, pagam impostos e recebem em troca péssimos serviços públicos, corrupção, inflação, violência, descaso. E a Copa do Mundo mais cara da história, que o povo não pediu e que deixará como principal herança doze caríssimos estádios de futebol. É como se as pessoas dissessem: “a hora é agora.Vamos aproveitar e gritar contra tudo o que está errado. Talvez alguém escute.” Pelo menos no caso das tarifas, alguns escutaram. Mostrando que políticos só ouvem o povo quando o grito é muito alto, as passagens foram reduzidas em mais de 30 cidades. Mas talvez o melhor desse movimento é que, como nunca antes na historia desse país (!!!), temos uma manifestação eminentemente popular. Não há lideranças políticas (como nas Diretas-Já), nem partidos de esquerda e centrais sindicais (como nas passeatas pró-impeachment). Nem sequer a participação dos artistas contestadores de outrora, atualmente mais preocupados em aproveitar as benesses que a amizade com governantes lhes dá (um deles foi até ministro de Lula...). Não há como atribuir o movimento à oposição, às elites conservadoras ou à imprensa golpista. O episódio mostra também outra característica comum à maioria dos políticos: a covardia. Sarney, Lula, Renan, Maluf, Temer, ministros, senadores e deputados assistem a tudo e não se pronunciam. Simplesmente fingem que não é com eles. É o silêncio dos culpados. Mas a “presidenta” falou, dirá alguém. É verdade. Em um longo e enfadonho discurso, ela falou muito e disse pouco. Entre pérolas, como “é preciso oxigenar a política”, disse que não vai tolerar a violência, mesmo sabendo que saqueadores e arruaceiros são exceção entre os manifestantes. Ótimo. Infelizmente ela não demonstra a mesma firmeza quando o MST invade, rouba e depreda propriedades alheias. Ou quando cidadãos são queimados vivos por bandidos. Por fim, afirmou que vai receber as lideranças do movimento para discutir as reivindicações. Não há necessidade. O que está sendo cobrado é o básico, que todo país democrático deve oferecer ao seu povo. E que qualquer governante sério sabe de cor.