“À luta!”, brasileiros provam que sabem protestar
Por que os protestos nas ruas estão se avolumando e se espraiando com tanta rapidez? Tenho alguns palpites que talvez ajudem a responder essa pergunta.
Hoje, não dependemos mais da imprensa para nos informar sobre os acontecimentos. Com dispositivos móveis podemos registrar e divulgar fatos que comumente não seriam veiculados pela mídia convencional. Assim, questões que antes eram entraves à organização política - como a relação tempo/espaço para o ato político e, também, a mediação da informação pela imprensa - são resolvidas facilmente. Isso somado ao impacto das redes sociais provoca um fluxo incontrolável de informação, situação que possibilita a formação de um coro. Esse fluxo comunicacional permite a reunião de interlocutores espalhados não apenas no âmbito regional, mas em todo o mundo.
Meu segundo palpite: a indignação é consenso. Apoiadores da direita ou da esquerda; pobres, ricos ou classe média; celebridades ou anonymous; imprensa convencional ou alternativa... Enfim, não há nenhum grupo que ainda não esteja saturado de tanta injustiça, seja ela social, econômica, fiscal etc. A indignação não é resposta à atuação isolada de um ou de outro partido político, é uma saturação histórica e acumulada, cuja latência não pôde mais ser contida.
No Brasil, carecemos de um sentido humanitário para o adjetivo “público”, aliás, na maior parte dos casos o termo nem é um adjetivo, é um especificador: saúde pública, escola pública, transporte público, segurança pública. É um especificador que deveria ser um qualificador, ou seja, o fato de ser “pública” ou “público” deveria ser condição necessária e suficiente para que a saúde, a educação, o transporte e a segurança fossem serviço de qualidade. Nesse contexto, o termo “público” deve representar condição indiscriminada de acesso ao serviço, pois os tributos são cobrados de todos, absolutamente todos, que nascem, vivem e morrem neste país.
Aqui, cabe uma explicação. Um sujeito na condição de desvalido, totalmente à margem de qualquer sistema institucionalizado, se receber um real de esmola na rua e for comprar um pão, pagará impostos. Os impostos indiretos (ICMS, IPI e outros) estão embutidos em qualquer produto ou serviço que consumimos. Assim, um morador de rua também é contribuinte de nosso sistema tributário, mas não é considerado cidadão. Perante o Estado, esse sujeito não é cidadão porque não exerce, entre outros, o dever cívico de votar; contudo, perante a Ciência Política, esse sujeito não é cidadão porque não tem nenhum tipo de direito assegurado. Isso significa dizer que o Estado necessita ser lembrado que um cidadão não tem apenas deveres, tem direitos também. Sobre o dever de pagar impostos, o sujeito não necessita ser lembrado porque é tributado até mesmo quando não se dá conta disso. Entretanto, para se alcançar direitos, é necessário muita luta. Já sabemos que não há democracia sem conflito, contudo, o comportamento histórico do Estado tem nos ensinado que também não é possível haver democracia sem luta. A injustiça já começa por aí, pois não são todos que têm força para lutar ou entendem esse tipo de organização, melhor dizendo, desorganização.
Desse modo, esses protestos reivindicam o quê? São pelos vinte centavos? São pela corrupção? São pela PEC 37, que retira o poder de investigação criminal de Ministérios Públicos? São pelos gastos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo? São pela má qualidade de serviços públicos? Eles são por cada um desses itens e por vários outros. Se todas as reivindicações puderem ser resumidas em um só clamor, creio que seria algo como um dos fundamentos, conforme a constituição federal, de nosso Estado Democrático de Direito: “a dignidade da pessoa humana”.