A PROPÓSITO DA MENORIDADE PENAL
Nos tempos atuais, há no Brasil uma orquestração quanto aos crimes cometidos por delinquentes considerados legalmente “menores” de idade. Considerá-los “menores”, significa não serem totalmente responsáveis por seus atos. Para caracterizar as ações destes menores, criou-se um conjunto de eufemismos. Eles não são “presos”, mas “apreendidos”; não são “encarcerados” em cadeias, mas “internados” em Fundações (FUNASES, Fundações CASA, FEBBENS...); seus rostos não podem ser mostrados na mídia; seus crimes são zerados, tornando-se “ficha limpa”, ao completarem a maioridade; por mais hediondos que sejam seus crimes, não passam mais do que 3 anos nas “fundações de reeducação”.
É curiosa esta ideologia da “menoridade “ e da “maioridade” humana. A grande pergunta é: a partir de quando o ser humano é totalmente responsável por seus atos? Num sentido realístico e psicológico isto é muito difícil de se determinar. O que se define por “menoridade” e “maioridade”, em grande parte, é uma questão cultural e ideológica. Por isto, é necessário situar esta questão no tempo e no espaço cultural e ambiental de cada indivíduo, dentro de seu grupo social.
Em tempos antigos e medievais, bem como em culturas mais dependentes das condições da natureza física, em que a vida humana média, geralmente, não passava dos 40 anos de vida, os jovens casavam muito cedo: as meninas a partir dos 12 anos, e os rapazes a partir dos 14 anos. Hoje, relações sexuais com “menores” nesta idade é considerado pedofilia e estupro, abuso de vulneráveis.
Quanto à questão de “menoridade” e “maioridade”, uma preocupação diária da mídia, de juristas, de religiosos e de alguns políticos brasileiros, há poucas referências a outros tempos históricos, a condicionamentos culturais, psicológicos, sociais e econômicas a partir dos quais se definiam tais conceitos. No Brasil de hoje, sem uma fundamentação consistente, simplesmente se declara: a “maioridade”, portanto a responsabilidade do indivíduo, começa parcialmente aos 16 anos, progride para uma amplitude maior aos 18 anos, e se torna civilmente plena aos 21 anos. Dom Pedro II foi considerado “maior” aos 15 anos. Aos 15 anos, nosso Imperador, foi declarado capaz de governar o Império do Brasil! Por que hoje a Lei só pode declarar capaz legalmente o cidadão brasileiro a partir dos 18 anos?
É verdade, já o filósofo Platão, no IV século a.C., ensina que a personalidade humana se estrutura cronologicamente. Segundo Platão, o Estado se torna responsável pela educação do cidadão a partir dos 3 anos. E esta educação formará um cidadão do bem, se cuidar em desenvolver as potencialidades do indivíduo de acordo com sua idade biológica. Somente aos 50 anos o cidadão, que teve uma educação continuada, estará plenamente apto, e suficientemente sábio, para ocupar os cargos máximos na política da República platônica.
Diante destes preâmbulos sobre a “menoridade” e a “maioridade” na história, hoje as compreensões de “menoridade “ e de “maioridade” dos indivíduos é muito diversificada entre os povos. Esta diversificação se pode fundamentar ideologicamente em princípios religiosos, políticos e/ou humanitários. Entre os que defendem, no Brasil, esta ou aquela posição, relativa à “menoridade”, há muitos que são tremendamente incoerentes e ignorantes. Pois vejam:
Na tradição religiosa católica, muitos catecismos ainda ensinam que a partir dos 7 anos as crianças já podem cometer pecados mortais, i.é, se morressem com tais pecados, seriam condenadas ao inferno eterno. No entanto, muitos religiosos não querem que se reduza a “menoridade”. Há países no mundo nos quais a responsabilidade penal começa aos 7 anos, aos 12 anos, aos 14 anos, aos 16 anos, aos 18 anos, aos 21 anos...
Supõe-se que os países civilizados, que se espera sejam todos aqueles filiados à ONU, tenham como autoestima a convicção de que não são bárbaros, por se regerem por códigos legais humanitários. Nestes países, quando algum cidadão comete um crime, isto é, se torna legalmente marginal, transgressor da lei, ele saberá que há um responsável por esta delinquência, ao qual a sociedade imporá um desconforto reparador. E se o crime tiver sido praticado por alguém sem consciência de responsabilidade (um qualificado como “menor”!), algum “maior” deverá ser responsabilizado e penalizado com um desconforto reparador da sociedade. Seja isto pena de reclusão, ou indenização.
Para não me alongar demais nesta discussão, a minha opinião não é nem a favor, nem contra a diminuição da “menoridade” legal. Esta discussão não é fundamental, mas consequência de outras políticas. Crime é crime, e alguém deve responder adequadamente por ele na sociedade. Se não quisermos que crianças, adolescentes e jovens respondam por seus atos, a partir de qualquer idade, é necessário que seus responsáveis respondam por estes crimes, e reparem os malefícios causados por estes atos infracionais à sociedade, ou melhor a quem sofreu o prejuízo. Por isto, no meu entender, nenhum “menor”, assim qualificado em lei do país, tenha ele 7, 12, 14, 18, 21 anos, pouco importa, deveria ser apenado e internado. Os presos e os condenados deveriam ser seus responsáveis: pais, tutores...
Portanto, o problema na legislação brasileira não é aumentar ou diminuir a “menoridade” legal. A questão é a inadequação e o fracasso da legislação que hierarquiza a responsabilidade criminal dos cidadãos. Se a justiça fosse orientada para punir quem é o responsável pela vida, pelas condições de vida, pela educação e pelo comportamento dos menores infratores (pais, tutores, o Estado...) as FUNASES, e Instituições congêneres, seriam esvaziadas. Consequentemente, os legisladores aperfeiçoariam a política familiar, a política referente à responsabilidade paterna, e a política da responsabilidade social do Estado. Mas quais são as preocupações de Ministérios, de Comissões do Congresso e do Congresso Nacional em seu todo: se as prostitutas são felizes, se gays e lésbicas podem adotar filhos, se homem pode casar com homem, se mulher pode casar com mulher, se o processo de divórcio pode ser flexibilizado, se o aborto deve ser legalizado. Nenhuma política para fortalecer a estabilidade e a responsabilidade familiar!
A partir de políticas adequadas, com certeza, se ajustaria devidamente a Lei da ”menoridade”. Desta forma também se evitaria que machões, pelo Brasil a fora, produzissem meninos à toa; assim aumentaria a responsabilidade paterna, pois os “garanhões” irresponsáveis seriam inibidos a procriar, e forçados a cuidar de sua prole. Não haveria mais meninos na rua, pois as autoridades educacionais zelariam para que estivessem nas escolas em tempo integral; os legisladores e juristas exigiram uma política social e econômica que providenciasse comida e moradia dignas para todos os cidadãos .
Com isto, penso que uma discussão isolada do problema da redução da “menoridade” é puro paliativo. Não resolverá o problema da criminalidade, envolvendo menores. Antes da discussão deste problema são necessárias outras decisões políticas mais fundamentais de nossa sociedade, como educação, justiça social, combate à corrupção, superação da impunidade, controle das armas e das drogas, extinção dos calabouços prisionais, etc. Para isto é fundamental iniciar um processo de educação de nossos políticos, sensibilizando-os para se preocuparem e incentivarem ações e valores que contribuam na construção de relações de convivência humanitária entre todos os cidadãos em nosso país.
Inácio Strieder é professor de Filosofia – Recife/PE