O ETERNAUTA

Héctor G. Oesterheld é um dos 30.000 desaparecidos , durante a ditadura militar na Argentina. Oesterheld costumava produzir textos cômicos com críticas sociais. Nesta linha escreveu um texto com o título “O Eternauta”. Eternauta é um conceito sugestivo, combinando as palavras “astronauta” e “eternidade”. O Eternauta é um turista que viaja pela infinidade dos tempos. Num tempo indeterminado desembarca na mítica Buenos Aires.

O estranho visitante faz, então, uma melancólica reflexão sobre a Argentina, seu povo, e a raça humana em geral. Ironicamente olha para uma xícara de café, explicando que a humanidade levou séculos para conseguir produzir o seu belo formato. Mas, numa guerra, uma bomba apenas seria suficiente para explodir milhares destes objetos.

Em 27 de abril de 1977, Oesterheld foi abduzido pelos militares argentinos. O psicanalista Eduardo Arias, preso sem acusação, alguns meses depois, relata que viu Oesterheld em péssimas condições físicas num dos centros clandestinos de prisioneiros políticos. Arias conta que, pelo Natal de 1977, os militares permitiram aos prisioneiros fumar um cigarro, e conversar por cinco minutos com seus companheiros de infortúnio. Oesterheld, alegando ser o mais idoso entre eles, pediu permissão para apertar a mão de cada um de seus colegas de prisão. Segundo Arias, esta foi a última vez que Oesterheld foi visto. Seu destino, até hoje, é desconhecido. Mas, seu Eternauta não morreu.

Até hoje, muitos argentinos se perguntam: que perigo os militares viram em Oesterheld? Em nenhum de seus textos ele protesta diretamente contra os abusos militares, contra a corrupção governamental, ou incentiva a subversão. Parece que os censores do regime tinham olhos mais acurados do que os leitores comuns. Talvez vissem nos romances de Oesterheld acusações ocultas, e incentivos mudos para a resistência armada!

Os livros de Oesterheld nunca foram banidos oficialmente pelos militares argentinos. Mas, naquela época, bastava possuir determinado livro para ser acusado de atividade política. Textos, sem autor, eram considerados subversivos. Nenhum autor russo era inofensivo. Ler Dostoevsky, Ionesco, Kafka, até no recôndito de seu quarto, era considerado um ato político.

O que aconteceu com Oesterheld é mais um exemplo do absurdo das censuras literárias na história da humanidade. Livros são banidos, queimados e censurados. Escritores são presos e executados. Em 1933 os nazistas reduziram a cinzas milhares de livros. Mas, já muito antes, o Imperador Augusto baniu o poeta Ovídio de Roma.

Em todos os tempos os censores se condenam com suas próprias censuras, pois a história conserva a verdade e a liberdade, expressa na inspiração dos escritores, e condena a tirania dos censores.

A literatura e a mídia se espelham no “Eternauta” de Oesterheld, pois ninguém lhes tira impunemente o direito de viajar livremente por todos os espaços, por todos os tempos, e por todos os ambientes e intuições da humanidade.

Inácio Strieder é professor de Filosofia - Recife-PE.