Perguntaram-me sobre a redução da maioridade penal

Perguntaram-me se eu era "a favor" da redução da maioridade penal...

Antes de tudo, vou comentar minha experiência. Sou filho de policial civil. Tive uma educação rígida. Meu pai costumava cheirar minhas roupas, minha boca e meu cabelo quando voltava de meus passeios com os amigos. A regra era se eu estivesse exalando álcool, cigarro ou outro tipo de coisa ilícita estaria de castigo pelo resto do mês, além de tomar umas "cintadas". Eu me sentia constrangido com aquilo, mas sempre respeitei e por isso não passei pelo castigo. Era o poder da coerção do meu pai que agia com autoridade sobre mim, eu o respeitava. Depois de algum tempo me acostumei. Hoje, eu agradeço a Deus, pois, mesmo perdendo meu pai aos 16 anos, nunca me envolvi com nada de errado nessa vida. Tenho orgulho de ter iniciado minha carreira no Banco Central do Brasil, aos 16 anos. Estudei sempre em escola pública e fiz faculdade pública. Prestei concurso e me tornei estatutário da Prefeitura de Curitiba, onde estou há mais de 20 anos, servindo à população sem qualquer desvio disciplinar, sem nunca ser réu de qualquer irregularidade, embora algumas vezes tenha precisado ser delator.

Veja-se que eu vivi entre gangues, jogava futebol com piás que usavam drogas e cometiam "crimes"(infrações). Afinal, éramos conhecidos de pracinha, ali no Vila Hauer, onde hoje está a Unidade de Saúde 24h do Hauer. Contudo, esses meninos infratores, sabendo da minha postura e questão familiar, nunca insistiram para que fizesse uso de entorpecentes ou entrasse nas "coisas erradas" que praticavam. Alguns daqueles "respeitados" adolescentes que cometiam infrações já morreram (alguns antes de se tornarem maiores de idade), outros progrediram na vida do crime e estão presos. No entanto, muitos outros seguiram pelo caminho correto e hoje estão cuidando de seus filhos e famílias como todo cidadão. E eu? Hoje, estou trabalhando como Secretário Executivo do Gabinete de Gestão Integrada de Segurança Pública Municipal, da Prefeitura, na Assessoria do Senhor Prefeito para assuntos de segurança pública.

Ademais, sobre o tema da maioridade penal, precisamos fazer uma retro e prospecção jurídico-social. Começo dizendo que uma reforma legal e cultural ou, mais ainda, um "renascimento" seria necessário para que tal situação seja possível. Primeiramente, um renascimento legal porque a proposta da maioridade aos 16 anos necessita de força política para seguir em frente no Congresso Nacional, o que creio ser muito difícil, uma vez que temos hoje uma bancada de políticos que prezam aos direitos humanos e também aos direitos da criança e do adolescente, estes são uma conquista mais recente em nosso país. Por outro lado se insufla forte corrente populista demagoga e tendenciosa aos preceitos midiáticos que costumam "monstrificar" o menor infrator em casos emblemáticos.

Temos uma cultura do medo, a qual precisa ser mudada. A reforma cultural passa pela mudança de comportamento e da consciência coletiva. É importante tratar uma polêmica como essa sob o prisma de Emile Dürkheim, quando aborda o "fato social". O crime é um fato social, sem dúvidas. Quem "puxa o gatilho" é a sociedade, ou seja, quando deixa de tratar ou de prevenir as primeiras manifestações de violência, contribui, por omissão, para que o crime aconteça. A Lei Penal Brasileira sempre chega atrasada, depois da comissão do crime. Uma lei e todo seu reflexo social são eficazes quanto menos são demandados a intervir na ordem natural da sociedade.

Assim, nesta perspectiva, em algum momento até paradoxal, embora tenhamos muitas leis e uma enorme máquina pública, a criminalidade acontece. Isto, porque tanto a sociedade, por responsabilidade, ou seus representantes (Estado), por dever, se ausenta quando poderia ou deveria agir antes do crime ocorrer, ainda nos primeiros sintomas de manifestação da violência no tecido social. Neste contexto, os jovens são reputados como os agentes que mais matam e mais morrem em crimes letais intencionais por causas externas, na maioria sendo do sexo masculino e tendo entre 15 e 24 anos. Mas, vejam as pesquisas que tratam de vitimização que afirmam que também são eles, os jovens, os maiores cometedores de crimes letais, porém sem mostrar a fundamentação de tais dados. Ora, as políticas públicas devem ser direcionadas com o foco claro e com definição de resultados antes de suas implementações, para não se tornarem meras políticas de segurança pública e não políticas públicas de segurança. Não vejo a redução da maioridade como uma solução para o fato "violência", talvez, para alguns mais experientes (que acham que a "borracha" é a solução) ou os radicais (que acham que tem de sacrificar o criminoso), até seja entendida como a solução para minimização da criminalidade estática. No contrassenso, entendo que isso seria uma medida paliativa, simplista e imediatista, pois, "varre" o problema de nossa frente e o queima numa fogueira. A criminalidade é um fenômeno multicausal, assim possuindo muitos fatores que a favorecem.

A solução me parece que passa por políticas públicas intensas voltadas para a juventude, com esporte, cultura, educação, geração de renda, buscando dar a autonomia e protagonismo para os jovens. Outro fato, não menos importante, é a temática sobre a drogadicção. Temos de parar de tratar isso como problema de polícia e de bandido. A droga é um problema social. É a sociedade quem deve enfrentá-la.Todos podem contribuir, seja sugerindo programas, projetos ou leis, bem como, cobrando posturas públicas neste sentido. Temos de focar no usuário, no tratamento do dependente químico, para reduzirmos o mercado do traficante. A droga hoje é uma expressão do capitalismo moderno, virou uma prática comercial. Temos de impedir e restringir seu comércio com medidas sociais, tal como fizemos com o cigarro. Acabar com todo o tráfico e com o uso das drogas, sejam lícitas ou ilícitas, seria uma utopia, mas, podemos amenizar seus impactos, o que será realmente sentido e percebido com muito esforço de todos, em especial, de nossos governantes.

De outro lado, a estratificação social é sim uma questão histórica e de profundas raízes sociais, que datam desde nossa colonização. O inglês, que foi considerado o pai da polícia moderna, disse que o povo é a polícia e a polícia é o povo. Ora, somos nós os policiais de nós mesmos. Um fim em si mesmo. Estranho e nos deixa com um amargo sabor de incompetência nos lábios. Portanto, lembremos que colocamos no poder os que fazem as leis, as leis devem tutelar os bens socialmente relevantes, sendo o maior deles a vida. Numa atitude de coerção a Lei condena aquele que desrespeita ou viola os direitos instituídos com a privação do segundo maior bem o qual possuímos, ou seja, a liberdade. É por este motivo que falo de "renascimento" e não somente reforma. Emprestando do cristianismo, por analogia, a significação da expressão "nascer de novo", que quer dizer "aceitar a Jesus como único e suficiente salvador", poderia dizer que nossa Nação precisa nascer de novo, não numa perspectiva religiosa, mas de conversão ao bem, ao fazer bem e fazer bem feito.

Chega de aceitarmos com naturalidade esses fatos violentos e fazermos revoltas silenciosas diante dos crimes noticiados diariamente. Precisamos de uma postura cooperativa, colaborativa e de controle social sobre as políticas públicas, despertando o sentido da responsabilização social cooperativa, isto porque, todos, indistintamente, desde os políticos, os religiosos, até os criminosos são antes de tudo seres humanos, que em sociedade, se tornam cidadãos que devem reaprender a conviver.

Os mais radicais em relação à redução da idade penal poderiam dizer: "Ah! Quando o crime praticado por um menor de idade atingir a você ou alguém de sua família, seu pensamento será diferente." Respondo que não se trata uma questão de "conflito" como se fosse uma questão de "desvio". O primeiro deve ser tratado diretamente pelas partes envolvidas e afetadas pela dissensão, numa abordagem privada. Enquanto o segundo, por se tratar de um desrespeito a uma ordem instituída e sabida, deve ser tratado por um terceiro competente que os represente, no caso o Poder Público (polícia, ministério público, etc.). Não há e dificilmente haverá senso comum na questão da redução da maioridade penal, por ser uma questão de conflito social e não de desvio legal.

Todavia, para que tudo aconteça é preciso boa vontade política ou boa política, que já é uma tênue lembrança de outrora. Neste interim, a recente reviravolta na política de nossa cidade comprova que o povo tem estado mais atento do que parecia para os mais interessados em vencer. A técnica e a capacidade prevaleceram sobre o discurso e o populismo. Quem se alimenta da política sempre vai querer a política como promotora de seu sustento e o quanto melhor possível. Agora, existem não muitas pessoas públicas em cargos eletivos que desenvolvem bons programas e acumulam bons resultados frente o interesse público.

O jurista alemão, Friedrich Müller, pergunta em seu livro, em 1998, "Quem é o povo?". No meu entendimento, depois desta instigante leitura, em minhas palavras, posso afirmar que “o povo” é aquele que elege por maioria e depois é tratado por minoria. É aquele que permite lideranças se estabelecerem, que permite aos seus líderes se tornem políticos e, depois, se revolta por ser tratado como se fosse parte da minoria, sendo suplantados diante dos interesses dos grupos de força econômica. Esse povo somos nós, somos “todos um” e todos “somos um”. Os mesmos que elegem nos pleitos eleitorais são os depois desconsiderados em seus pleitos de interesse público. Quem alimenta a política são os maus eleitores, são os cidadãos frutos de um sistema legal irregular e com deficiente capacidade de boa decisão eleitoral.

Voltando à questão da violência na menor idade, relevo que não é ela uma questão somente de polícia, é sim questão de policiamento. Isto porque são termos distintos, tal qual o entendimento de Robert Reiner, na sua obra “A política da polícia.”. Em seu turno a polícia é a instituição encarregada de assegurar que os desvios sejam interrompidos com uso legitimado da força. Enquanto que os desvios são evitados pelo policiamento, que seria uma função do poder exercido pela sociedade. Ainda, o policiamento seria uma "maneira organizada com que a sociedade reage a pessoas e comportamentos considerados desviantes, problemáticos, ameaçadores, perturbadores ou indesejados." (Stan Cohen, 1985, pp.1-2).

Por fim, a violência não é uma chaga oncológica que pode ser simplesmente extirpada. Não existe um tipo de “magic-bullet” (tiro certeiro) para isso, são vários alvos a serem acertados. A vida é o maior patrimônio da humanidade, a minha, a sua e a de todos. O espectro criminal é oriundo da violência e por isso se origina de todos nós, seja maior ou menor de idade. É uma doença crônica, que possui uma complexa posologia de princípios sociais que o Poder Público, nos representando, deve administrar ao nosso país enfermo.

Ainda, cabe aqui uma recomendação aos menos lúcidos de que "jogar uma bomba em tudo" para renascer não é parte da solução. Isso seria mais uma forma preguiçosa de encarar o problema. No entanto, esta bomba já foi armada... Reduzir ou não reduzir? Eis, a questão!

Marlon Cardoso
Enviado por Marlon Cardoso em 15/04/2013
Reeditado em 22/05/2015
Código do texto: T4241798
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.