LINGUAGEM CORRUPTA

As caracterizações mais profundas e duradouras do ser humano foram feitas por Aristóteles, na era clássica da filosofia grega. Aristóteles ensina que “sobre o homem podemos falar de múltiplas maneiras”, e o caracteriza como um “animal racional, que possui a palavra”.

O aspecto racional indica que é próprio do ser humano pensar e agir de forma lógica, coerente, com sentido, sem contradições voluntárias; como possuidor da palavra, o homem, para Aristóteles, é capaz de se comunicar de forma coerente e verdadeira. Desta forma, o ser humano objetiva a sua verdadeira natureza quando a sua palavra expressa, de forma harmônica, os seus conhecimentos, convicções e sentimentos. Isto é, sem deturpações, sem falsidades, sem perversões. A palavra humana mentirosa, adulterada, com ocultações e meias verdades significa palavra, ou linguagem corrupta, que, ao mesmo tempo, demonstra uma natureza humana corrompida.

Passando dos preâmbulos para a nossa realidade. O ser humano, não envolvido na corrupção de sua racionalidade e de sua palavra, quando é confrontado com uma linguagem corrupta e irracional, se sente humilhado, traído e enganado. E, como adverte a sabedoria: existem muitos homens que gostam de enganar aos outros, mas não existe ninguém que gosta de ser enganado.

Pois bem. Em nosso país, em nosso dia a dia, parece que se multiplicaram os enganadores do povo. E estes, ao que parece, não se tocam com o fato de que nem todo o povo brasileiro é ignorante, e abomina ser enganado com uma linguagem corrupta.

Pois vejamos, como se pode, todos os dias, jogar na mídia, com a maior cara de pau, que nos últimos anos 50 milhões de brasileiros saíram da pobreza, que brevemente sairão mais 22 milhões deste estado de injustiça social; e que o Brasil está prestes a acabar com a miséria? Basta abrir os olhos, em qualquer grande centro brasileiro, para nos confrontarmos com a miséria: com a falta de moradia; com transporte caótico; com filas de pessoas sem atendimento médico; com péssimo sistema escolar, e analfabetos por toda parte; com exploração da mão de obra, sem remunerações dignas; com crackolândias, moradores de rua; e a violência, os homicídios, os assaltos; os mensalões, as propinas, os caixas dois; a falta de justiça para todos os cidadãos, e a justiça lenta; o IDH (índice de desenvolvimento humano) lá embaixo...

É a linguagem corrupta de partidos e políticos engravatados! E assim poderíamos ainda verificar a linguagem corrupta em muitos outros ambientes. O professor que faz de conta que ensina, e o estudante que faz de conta que estuda. As propagandas enganosas, com típica linguagem corrupta! “Que tempos, que costumes!”, exclamaria o tribuno Cícero.

Inácio Strieder é professor de filosofia – Recife/PE