Política e Religião
O Sairo tem talvez 43 anos e foi criado em Jaconé, Região dos Lagos. Ele toma conta da pequena casa que a gente tem em Cordeirinho, Maricá. Em 1981, ele devia ter 10 ou 11 anos e vivia em Jaconé sem saber o que era sábado ou domingo. Jaconé, próximo à cidade do Rio de Janeiro, mais ou menos 33 anos atrás. É possível que ainda hoje, no interior de Sergipe, Alagoas, Tocantins, muitos não saibam o que é sábado ou domingo. E muito menos os nomes dos candidatos a deputados eleitos em seus estados.
Em relação a pessoas nessas circunstâncias, com um nível mínimo de escolaridade, fica muito perto do impossível afirmarmos que elas possam saber o que é votar. Na obrigatoriedade de escolherem seus candidatos e governantes, o fazem basicamente através da propaganda. Que nem precisa ser maciça. Basta um prato de comida, umas mudas de roupa ou 75 litros d’água.
E não se pode dizer que seja pouco expressiva a população de brasileiros vivendo nessas condições. É só verificarmos no IBGE a quantidade de brasileiros abaixo do nível de pobreza e os que estão pouco acima dele.
Esse povo não vota. É direcionado a votar. Nem sabem direito em quem estão votando quando vão lá no dia.
Como são direcionados para o Rio de Janeiro os milhares (ou milhões?) de jovens que vão participar da Jornada Mundial da Juventude entre 23 e 28 de julho deste ano. Para eventualmente ficarem expostos a um sistema de trânsito caótico, agravando os problemas da cidade nesse setor; a toda sorte de violências como assaltos, roubos, estupros e arrastões, tão comuns em locais públicos de grandes aglomerações; a uma rede hoteleira com um número insuficiente de quartos; etc. Tudo o que acontece de certo modo em megaeventos promovidos com conhecidos artistas internacionais ou nos grandiosos eventos organizados pela comunidade evangélica. Nada contra a realização dos eventos. Tratam-se apenas de ocorrências normais numa cidade do nosso porte e com as características que conhecemos.
E toda essa movimentação com que finalidade? Se basicamente a maioria dos que estiverem nesses locais não saberão direito o que estão fazendo ali? Já que, a grosso modo, nada mais terão feito do que atender a uma dose pesada de propaganda pretensamente cristã.
Enquanto isso, os maiores organizadores ou mentores intelectuais da promoção estarão na casa onde morou o Cardeal Eugênio Sales, acho que numas das subidas do Corcovado, ou num dos salões do Vaticano, contabilizando os dividendos da catequização/socialização cristã obtida ou os lucros financeiros auferidos.
Ontem à noite a Globo mostrou O Código Da Vinci, filme baseado no romance policial com o mesmo nome do escritor norte-americano Dan Brown. Comercial, alguns mais exigentes diriam, ou não passaria na Globo. Assim mesmo, a projeção deu-se depois das 2h da madrugada, quando todos estão dormindo. Parece que para ninguém ver. No entanto, dentre outras, o filme aborda a intrigante questão da divindade de Jesus Cristo. Até que ponto foi ele santo ou apenas um homem, com direito a mulher e filha? Mulher cuja imagem estaria encoberta ou sugerida no célebre quadro da Santa Ceia. E filha cujo sangue teria a ver com a origem do Santo Graal. Coisas que nem de longe a Igreja Católica ousa comentar com os seus súditos.
É preciso que se tenha um nível de sofisticação mínimo para a abordagem desses assuntos. Sofisticação aqui entendida como alimentação, saúde, escolaridade, leitura. Itens que não estão aceitavelmente disponíveis em todas as classes sociais. Quantos desses jovens que aqui estarão em julho poderão ter condições de discutir questões dessa natureza político-religiosa? Quantos poderão suportar uma discussão sobre a divindade de Jesus Cristo? Se ele foi apenas santo e não um homem comum como todos? Como Buda? E quantos poderão fazer algum tipo de correlação entre os dois líderes religiosos?
É nesse tipo de cenário que vota a grande maioria dos eleitores em nosso país – sem saber o que estão fazendo, sem saber quem estão elegendo. Do mesmo modo que não devem saber muito bem o que vêm fazer aqui em julho os rapazes e moças recrutados para a Jornada Mundial da Juventude. Pois carecem de informações e conhecimentos, na maioria das vezes proibitivos, que lhes permitam uma discussão mais aprofundada da doutrina cristã. Ou será que basta acreditar em tudo o que a Igreja aconselha?
Quanto à cena política, há que se considerar um fator degenerativo, sob o ponto de vista dos interesses da população, de que se utiliza o candidato depois de eleito: a blindagem política. Se damos o mandato àquele que se elege, deveríamos ter a capacidade de dele o retirar. No entanto, todos sabemos como é difícil a cassação do mandato de um político e o seu afastamento do poder. Tal o somatório de referendos constitucionais criados unicamente para a proteção do parlamentar. Dentre os quais se destaca o foro privilegiado. Como se fossem previsíveis os diversos tipos de ilicitudes a serem cometidas.
A blindagem existe para que o político fique gozando do privilégio de, com seus pares, definir o próprio salário; de ter ajuda de custo para despesas pessoais; de ter o uso privativo de uma viatura oficial, com combustível, mesmo em situações não oficiais; de ter um período de férias bem maior que o dos trabalhadores comuns; de ter ajuda de custo para a compra de selos; e muita outras vantagens.
Tudo aquilo de que eu e todos nós gostaríamos de ter. Mas que não poderia ser estendido à toda população. Configurando-se assim os privilégios, a que teria direito uma pequeníssima parcela da sociedade. O que vem a ser a demonstração da injustiça, que poderia ser reduzida com a supressão de todas essas vantagens.
Por isso – que me perdoem os que não comungam comigo – é precipitada e errônea a idéia de que “o povo tem o governo que merece”. Propalada quando se quer atribuir à população a má qualidade de seus políticos e governantes.
Faria sentido dizer que o povo tem o governo que ele escolhe se os brasileiros tivessem recursos que lhes permitissem melhores avaliações. Não só a respeito do que dizem e fazem os políticos como também do que dizem e fazem os que se dizem religiosos. Dentre esses recursos, é cada vez maior a necessidade de superiores níveis de alfabetização e escolaridade, para a aquisição do hábito da leitura. Para que com ela as pessoas tenham mais chances de entender o jogo político; de se tornarem mais exigentes quanto aos seus direitos e mais conscientes quanto aos seus deveres; e de serem capazes de ter acesso, quando possível, aos segredos mantidos a sete chaves pelas seitas religiosas que nos são impostas, já que as mentiras estão sempre sendo por elas liberadas.
Rio, 06/02/2013