CACHAÇA E MANDIOCA EM VEZ DE VINHO E TRIGO: REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA (1817)

Já mostramos, em rápidas pinceladas, como ocorreu a decadência do Nordeste em relação ao Sudeste. Foi visto que, nesse processo, se criou uma verdadeira relação colonial entre essas duas regiões, iniciada desde a chegada da Família Real ao Brasil e intensificada na República Velha, com a irresponsável política de valorização artificial de café. Com a industrialização do país, essa desigual relação se aprofundou.

Mostraremos doravante que o Nordeste por diversas vezes reagiu à situação de miséria a que ficou reduzido. Um dos movimentos de revolta foi a Revolução Pernambucana de 1817, da qual discorreremos agora.

Em 1549, Salvador foi fundada para ser capital da colônia, mas Pernambuco era a província mais próspera do Brasil e tinha um território bem maior do que o atual. Abrangia, por exemplo, as comarcas de Alagoas e Rio Grande (do Norte). Os holandeses, ao serem expulsos(1654), foram produzir açúcar nas Antilhas, prejudicando o produtor nordestino. Com o açúcar em baixa e as “Minas” em alta, a capital é transferida para o Rio de Janeiro. Os lusitanos visavam a fiscalizar mais de perto a mineração. Salvador é abandonada, embora continuasse a influenciar a política nacional, emplacando alguns ministros no Segundo Reinado, a exemplo de José Saraiva e José Paranhos, era o Rio que ganhava os investimentos para abrigar os funcionários portugueses. À época da Guerra de Secessão ( 1861-65), que desorganizou a produção americana, nosso algodão teve um bom momento no mercado internacional, mas, com o fim dessa guerra, o preço da lavoura caiu novamente. A mudança do centro econômico para o Sudeste mudou a sede da capital e isso ajudou a aprofundar a crise nordestina, processo que se acelera quando a Corte Portuguesa se fixa no Rio(1808). Os efeitos da ruptura do “pacto colonial” para os nordestinos, a mais populosa região da época, foram negativos: Eles foram obrigados a custear os gastos da Corte (com suas mais de 1500 sinecuras para nobres lusitanos) e de seus conflitos externos. Só uma elite agroexportadora e os comerciantes, notadamente portugueses, ganharam com a abertura dos portos naquela ocasião. Na época da Revolução Pernambucana, a população do Rio (60 mil pessoas) excedera os 40 mil de Recife e de Olinda juntos.

O governador de Pernambuco, enviando somas vultuosas de recursos para Corte, estagnava e empobrecia cada vez mais a província porque fazia diminuir o já escasso meio circulante, deixando a milícia e outros funcionários sem receber. O imposto para financiar a iluminação pública do Rio de Janeiro era o mais revoltante, pois quase inexistia esse serviço em Recife.

A antiga rivalidade entre “mascates” (negociantes lusitanos de Recife) e “pés-rapados” (as elites agrárias de Olinda) recrudescia, pois aqueles, substituindo os holandeses (expulsos em 1654), emprestam dinheiro aos olindenses a juros escorchantes. A ojeriza dessa “elite” aos mascates explodiria numa bomba atômica de ódio contra os portugueses em geral. O arrocho fiscal potencializou as discórdias. As secas frequentes destruíam as lavouras e o gado da região, espalhando fome, sede e miséria. A de 1816, assaz medonha, deixou os sertanejos sem os produtos de subsistência (milho, feijão, mandioca ). Nosso açúcar perdia mercado cada vez mais devido à produção desse produto também na Jamaica pelos ingleses e na Europa pelos franceses (açúcar de beterraba). E o escravo, essencial no açúcar nordestino, subia de preço com a crescente pressão abolicionista na Europa.

Em Recife, havia muitas lojas maçônicas, a saber: o Areópago de Itambé, a Patriotismo, a Restauração, a Pernambuco do Oriente e a Pernambuco do Ocidente, um solo fértil para germinação das ideias de independência. Nelas, os intelectuais, os religiosos e os militares debatiam as "infames ideias francesas” e concebiam planos revolucionários.

Em 1817, a insatisfação ganhou inspiração separatista. A independência dos EUA e das colônias espanholas eram exemplos a ser seguidos. Finalmente, a reação bélica dos brasileiros veio com a Revolução Pernambucana. A ação militar começou quando o governador de Pernambuco, descobrindo os planos dos inssurretos, mandou prender várias pessoas. No regimento de artilharia, o capitão “Leão Coroado” reagiu à voz de prisão e matou (6/2/1817) com sua espada o comandante Barbosa de Castro. Depois, com outros militares rebelados, tomou o quartel e ergueu trincheiras em várias ruas vizinhas para sustar o avanço militares portuguesas. Os tiros amedrontaram o governador, que fugiu do palácio e abrigou-se no Forte do Brum. Sem quase resistir, aceitou o ultimato exigindo que a tropa do forte se aliasse à revolucionária e ele fosse para o Rio. Caetano Pinto aceitou tudo, mas ao desembarcar na capital foi preso na Ilha das Cobras, acusado de incapaz e fraco, por não ter controlado a crise em Pernambuco.

Valendo-se dos ideais iluministas, o argumento intelectual da Revolução Francesa, Domingos Martins, Antônio Cruz e os padres João Ribeiro e Miguelinho lideram o movimento. Organizaram um Governo Provisório (75 dias), uma junta de cinco pessoas, semelhante ao diretório francês de 1795, que representava a “elite” : Manuel Correia (elite agrária), Domingos Martins (comerciantes), José Mendonça (magistrados), Domingos Teotônio (militares), padre João Ribeiro, o presidente do governo (clero). Outros nomes representativos formaram um conselho, entre eles Antônio Andrada (irmão de José Bonifácio). O levante implantou a República e adotou os princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Uma Lei Orgânica, organizada por Frei Caneca, inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, vigoraria até que se organizasse um Parlamento eleito, que votaria uma Constituição. Chegou-se a imprimir a “Declaração dos Direitos Naturais, Civis e Políticos do Homem” na Oficina Tipográfica da República de Pernambuco.

Em 29 de março, covocaram uma assembléia constituinte (com eleitos nas comarcas), “separaram” os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário); concederam liberdade de culto e de imprensa (grande novidade no Brasil!), diminuíram os impostos e aboliram os títulos de nobreza. No calor das discussões contra a opressão, cresceu o sentimento patriota dos pernambucanos, a ponto de trocarem, nas missas, o vinho pela aguardente; nas hósteas, o trigo pela mandioca, para marcar a identidade nacional. Bater na monarquia e no governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro (1804-1817) aprazia a todos. Do governador se cantava à época: “Caetano no nome, pinto na falta de coragem, monte na altura e negro nas ações”.

O movimento buscou apoios de províncias vizinhas e de outros países, mas as tentativas fracassaram. O emissário da Bahia, o padre Roma, foi fuzilado ao desembarcar, por ordem do governador. No Rio Grande do Norte, a adesão de André Maranhão, rico senhor engenho, que prendeu o governador Inácio Borges e criou uma junta governativa em Natal, não entusiamou a população e foi logo tirado do poder. O jornalista Hipólito José recusou o convite para ser ministro plenipotenciário em Londres. Externamente, Cruz Cabugá desembarcou em maio na Filadélfia com 12 milhões de dólares (cambio atual) com três missões: Comprar armas para combater D. João VI; conseguir o apoio ianque e recrutar antigos napolionistas exilados nos EUA para libertar Bonaparte (exilado em Elba), que seria transportado ao Recife, onde comandaria a revolução pernambucana. Depois, retornaria a Paris como imperador da França. Nesse instante, porém, os revolucionários já estavam sitiados por 8 mil homens da frota leais à monarquia. Ao chegarem ao Brasil, os quatro veteranos de Napoleão foram presos antes de desembarcar. Do governo americano, Cabugá (que chegou a se encontrar com o secretário de Estado) só conseguiu a autorização para navegar em águas americanas durante a rebelião ou a de asilar os refugiados caso o movimento fracassasse.

Visando a acuar os revoltosos também por terra, da Bahia parte um grande número de combatentes lusitanos. Depois da derrota em Ipojuca, os revolucionários recuaram para Recife. Em 19 de maio, as tropas portuguesas entraram no Recife e encontraram a cidade abandonada. O governo lusitano preserva sua hegemonia política pela força bélica. O governo provisório se rendeu no dia seguinte. Mas, o movimento não foi em vão: Cinco anos depois, o Brasil “ganhava” a independência, e, em 1924, Pernambuco mais uma vez se levanta contra as opressões (Confederação do Equador).

A Revolução Pernambucana é um marco na luta contra exploração portuguesa. O único que conseguiu sobreviver à fase conspiratória e instalar-se como governo, depois de derrubar a autoridade constituída. Como vimos, os princípios iluministas municiaram os revoltosos com os argumentos intelectuais necessários. O ideais de igualdade e de liberdade, que fizeram eclodir a Revolução Americana(1776) e a Revolução Francesa (1789-1799) chegaram com os viajantes estrangeiros ou em livros e jornais. Os pernambucanos já tinham um passado de lutas libertárias (Insurreição Pernambucana, Guerra dos Mascates) e com a Revolução Pernambucana realizam a último movimento de emancipação política antes da independência brasileira. Deve-se destacar que nessa luta contra os portugueses, se levantaram todas as classes, pois todos sofriam com a crise, e todos sonhavam com a independência política.

Os revoltosos foram sentenciados severamente (quatro líderes condenados à morte), mas um ano depois os que ainda estavam presos foram anistiados.

Depois do fracasso da revolução, Pernambuco perdeu as comarcas de Rio Grande (que fora anexada a Pernambuco, juntamente com Ceará e Paraíba, no sec. XVIII) e de Alagoas, que se tornaram autônomas. Esta, como recompensa por ter seus proprietários rurais se mantido fiéis à Coroa. Os revolucionários fracassaram, mas mostraram a D. João VI que a construção do império americano não era tão fácil como acreditava, pois seu povo podia contaminar-se com os mesmos ideais que fizeram eclodir várias revoluçãoes na Europa.

Os primórdios do “Imperialismo Interno Brasileiro” (Sudeste: centro; o Nordeste: periferia) podem se situados nessa relação desvantajosa entre Nordeste e Sudeste, depois da transferência da família real para o Rio de Janeiro. Essa relação colonial” se acentuou na época da expansão do cultivo do café (Vale do Paraíba do Oeste Paulista) e se consolidou com o processo de industrialização brasileira.

Algo intrigante é que, no Congresso Nacional, há franca maioria de parlamentares de estados que não são do Sudeste. Se esses parlamentares se unissem, somariam força política suficiente para diminuir as desigualdades regionais. Recentemente, na questão dos royalties do pré-sal, a derrubada do veto presidencial dá uma pequena amostra dessa capacidade.

A mão-de-obra essencial nas grandes propriedades era a escrava. Não seriam libertados. Assim, apesar da adoção pela junta governativa de medidas avançadas na época (adoção da forma republicana de governo, a extinção de impostos abusivos, decisão de se elaborar uma Constituição, a igualdade de todos perante a lei, a liberdade religiosa e a de imprensa), a República de Pernambuco não poderia ser democrata e socialmente revolucionária, pois manteria a escravidão.

Um adendo: Esta data, 6 DE MARÇO, é a Data Magna de Pernambuco (dia da Revolução Pernambucana). Foi estabelecida em 2007 pela Assembléia Legislativa (Lei nº 13.386) objetivando homenagear os heróis dessa revolução. Em 6 de março de 2008, na primeira comemoração da Data Magna, a A. Legislativa entregou a Medalha do Mérito Democrático e Popular Frei Caneca, em sessão solene, aos governadores Pernambuco, da Paraíba e do Rio G. do Norte. Em 2009, a Medalha Frei Caneca foi entregue a representantes da Maçonaria e da Igreja Católica, grandes baluartes da Revolução de 1817. Por ter sido criado um feriado, a comemoração da data vinha sendo criticada por conta dos prejuízos trazidos aos empresários. Então, o governo do estado estabeleceu que a partir de 1910, as comemorações ocorreriam no primeiro domingo de março.

Pedro Cordeiro
Enviado por Pedro Cordeiro em 15/03/2013
Reeditado em 21/04/2013
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