O Polvo Terrível
E lá se foi o Chávez. E “já se foi tarde”, como alardeiam alguns nas redes sociais. E não são esparsas demonstrações de “consciência política”. São inúmeras. Dos que foram aprovados com apreciável suficiência no treinamento a que estiveram submetidos com o intuito de abominar a figura do líder venezuelano. Através da repetição exaustiva, todo santo dia, de elaboradas manifestações contrárias à postura de Chávez. Sistemáticos “elogios” como ditador, caudilho, autocrata no poder, populista, etc. chegam aos nossos ouvidos desde quando Chávez despontou como um dos principais artífices na luta contra o avassalador poderio norte-americano. Aqui em nosso país isso é devido, sobretudo, aos Waaks e Jabors da vida (ou da telinha), martelando em nossas cabeças diariamente a idéia de que seria muito melhor para a América Latina que Chávez nem existisse. E tanto fizeram ou tanto desejaram que acabaram conseguindo. O que obviamente acaba sendo do interesse da nação com a maior dimensão bélica do planeta.
Esquecem-se esses brasileiros de que tais pessoas estão a serviço de um poderoso e competente sistema de rádio e televisão. Que está a serviço de uma não menos poderosa e competente nação do mundo contemporâneo.
Não interessam as lágrimas autênticas do povo venezuelano. Não interessa que Chávez tenha sido eleito com o apoio do seu povo num processo eletivo livre e democrático em que o voto não é obrigatório, como acontece na maioria dos países à exceção do Brasil. Não interessa que ele tenha conduzido seu povo a melhores patamares de vida, embora tenha havido um “aumento da violência”, nas palavras de Miriam Leitão. Nada disso interessa. Nossos líderes (e heróis) serão sempre Obama, Bush, Clinton, Carter, Kennedy, Lincoln, George Washington e outros do mesmo naipe. Que muitos de nós admitimos como benfeitores da América Latina. E, como estamos nela inseridos, como os benfeitores do Brasil.
Acredito que as enfáticas vociferações que pipocam nas redes sociais contra Chávez provêem em muitos casos de pessoas que não têm um conhecimento claro sobre o que estão falando. Tamanha a inoculação de que são vítimas a partir de uma propaganda maciça na mídia ocidental contra o carismático líder bolivariano. Muito semelhante às pessoas que chutam os santos católicos depois de fanatizadas diária, semanal ou mensalmente em seitas evangélicas de duvidoso caráter religioso. Ou depredam terreiros de umbanda ou candomblé sob o mesmo efeito, obviamente sem terem a menor noção daquilo que fazem.
A menor ocorrência que puder ser atribuída ao “caudilho” pode ser logo motivo da maior exploração midiática. Como foi, por exemplo, durante um encontro com líderes europeus em que o rei da Espanha pediu ao Chávez que se calasse porque estaria falando demais. Que é o que os grandes (Estados Unidos, França, Reino Unido e por tabela até a Espanha) esperam do Terceiro Mundo, isto é, que fiquem caladinhos e não nos causem nenhum problema porque nós sabemos o que é melhor para todos e decidimos tudo. A “gafe” foi citada ontem à noite num dos jornais da Rede Globo como sendo uma das piores cometidas pelo “ditador” venezuelano.
E não adiantam posições de renomados intelectuais, com reputação internacional no campo, por exemplo, da linguística, eventual e ironicamente cidadãos americanos. Posições segundo as quais:
a) “o maior imperativo político é bloquear forças nacionalistas que com o uso de seus próprios recursos possam entrar em conflito com os interesses americanos”;
b) “um estudo da CIA sustentou que se as forças rebeldes fossem vitoriosas, os Estados Unidos enfrentariam uma possível perda dos recursos petrolíferos do Oriente Médio”;
c) “para vencer a ameaça do nacionalismo vietnamita, era necessário destruir o vírus e inocular a região contra a doença. O que se conseguiu. E a Indochina foi destruída com sucesso, enquanto os Estados Unidos mantiveram assassinos, torturadores e tiranos na Indonésia, Tailândia, Filipinas e Coréia do Sul, fornecendo o material necessário para crimes de morte e eliminação física em larga escala, enquanto a mídia e pessoas influentes e respeitáveis davam sinais de aprovação ou olhavam para o lado, fingindo que não estavam vendo”; e
d) “a Administração Kennedy e seus sucessores conseguiram vencer o problema do nacionalismo através do estabelecimento e suporte dos chamados Estados de Segurança Nacional – como Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, etc. (o itálico é meu) – segundo um modelo neonazista, com as consequências que todos conhecemos. O propósito – segundo um acadêmico americano especialista em direitos humanos na América Latina – era a destruição da detectada ameaça à estrutura sócio econômica de privilégios existente através da eliminação da majoritária participação política das classes populares”.
Posições que, como vemos, dão uma idéia global – porque no mundo todo – do terrível polvo que tudo fará para manter sob o alcance e domínio de seus tentáculos o maior número possível de regiões do planeta.
Como não adianta também depararmo-nos, nos fins de tarde, com garotos – às vezes mais que adolescentes – nos sinais de trânsito prontos para arrancar o i-Pad das mãos da madame, jogar bolinhas pro alto como no circo, colocar balas em nossos espelhos laterais ou simplesmente pedir alguns trocados. Isso eventualmente acontece no Brasil. Mas certamente acontecerá na Venezuela. Ou em Cuba.
E são coisas que não podem ver os que se opõem ao nacionalismo ou ao populismo de um Chávez. Talvez eles prefiram assistir ao Oscar sendo entregue pela Primeira Dama. Desejosos quem sabe que ela fosse também a Primeira Dama daqui.
Não se pode dizer que Chávez não tenha cometido erros, que seja infalível, ou Fidel, ou Evo Morales, etc. Ou imaginar que o nacionalismo não esconda mazelas difíceis de suportar. Afinal, como disse o compositor, “a perfeição é uma meta”. E a terra não é bem o lugar onde a poderemos encontrar.
Mas qual será o pior para a América Latina? Um Chávez, um Fidel, um Evo ou as decisões tomadas na Casa Branca a respeito do mundo todo com base no poderosíssimo órgão de espionagem que conhecemos por CIA?
Que brasileiro que esteja vivo hoje gostará de ver seu filho ou neto tirando visto no Consulado Americano para entrar no Estado de Rondônia?
É preciso entendermos que a questão na América Latina nunca foi o Chávez, não são os irmãos Castro, não é o Evo ou a Cristina Kirchner. Mais importante que a importância dessas pessoas é a perda da nossa identidade cultural, que se corrói a cada dia sem que o percebamos; é a perda de nossas riquezas naturais, já tão grandemente dilapidas pelos colonizadores portugueses e espanhóis, e agora pelos neo-colonizadores britânicos, franceses e obviamente americanos; é a perda da nossa integridade territorial, em alguns casos em processamento, como parece acontecer no Brasil, e em outros já consolidada, em se tratando, por exemplo, de Porto Rico.
Perdas que hoje encontram-se em via de mão única com os interesses declaradamente hegemônicos sobre o planeta da potência invasora de países, anexadora de territórios e com o maior poderio bélico disponível.
Lideranças como Chávez, ou com perfis semelhantes, têm possivelmente como preocupação maior honrar e defender a integridade do solo em que nasceram, como aprenderam com seus antepassados. Mas parece que nacionalismo agora tem caráter apenas pejorativo.
Salve Hugo Chávez. Que pena!
Rio, 06/03/2013