A SEGURANÇA PÚBLICA E O SISTEMA PRISIONAL: uma integração necessária para o Projeto de Gestão de Segurança Pública na Bahia (parte II)
... Continuação...
5 FORMAÇÕES DE GRUPOS CRIMINOSOS NAS UNIDADES PRISIONAIS. UM EXEMPLO DA INEFICÁCIA DO MODELO DE SEGURANÇA PÚBLICA
A concepção de que o Sistema Penitenciário integra a Segurança Pública é corroborada por dados fáticos, que informa como se estrutura a rede de comunicação entre os presos do sistema prisional e a gerência das atividades criminosas.
Na atualidade diversas formas ou estratégias são usadas para que as distâncias entre reclusos e o meio externo sejam diminuídas. Emergem relações estabelecidas e concebidas dentro do cárcere, ligadas por intrigadas teias entre os atores que compõem o sistema prisional. Tem-se em verdade um processo de socialização, em que as novas bases normativas são estabelecidas por aqueles que constituem o meio social penitenciário, como também novas formas de utilização dos recursos à disposição, com o fito de assegurar uma maior proximidade como se em liberdade estivessem.
Esta incessante busca de interação dos reclusos com o meio externo, gravita em torno dos mais diversos, pitorescos e degradantes meios, como por exemplo, o uso de animais, como pombo correio para transporte de drogas, ingresso de entorpecentes, celulares e armas por meio de genitálias, entre outras formas, pensadas para burlar o sistema de restrições dentro dos presídios.
Pode-se dizer que a necessidade, orienta e informa como se dará o processo de socialização carcerária e a consecução dos objetivos, orientados para diminuir o grau de proibições que uma pena restritiva de liberdade impõe ao sentenciado.
O Comando Vermelho, por exemplo, originou-se no Presídio da Ilha Grande, Estado do Rio de Janeiro, tendo por base a organização dos presos políticos que lá se encontravam. Assim, o modus operandi das guerrilhas revolucionárias foram repassados para outros presos comuns da Ilha Grande.
Segundo a Inteligência Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (2009), em seminário sobre o tema:
A organização interna dos presos contra os abusos das autoridades carcerárias mostrou ser um dos pilares sustentadores do CV, junto com a proibição de ataques, roubos ou violência física e sexual entre presos.
Em 1994 o traficante Ernaldo Pinto de Medeiros (Uê), provocou a maior cisão entre os traficantes cariocas desde a fundação do CV ao matar o Orlando Jogador, e outros 11 traficantes na Favela da Grota, no Complexo do Alemão.
Entre os dados coletados sobre o Comando Vermelho pela Inteligência Penitenciária do Rio de Janeiro, neste mesmo evento, tem-se o seguinte:
Doutrina, estatuto, caixa comum (.caixinha do CV.);
- Adaptação da organização interna dos presídios para as favelas;
- Fluxo de informações (passa obrigatoriamente pelo sist. Penitenciário);
- Internos organizados (perfil intimidador, fugas, motins e execuções de autoridades intra e extramuros);
- Roubos a bancos e carros-fortes, tráfico de drogas e armas sequestos, aluguel de armas, cobranças de taxas;
- Política de enfrentamento com as forças do Estado;
- Mudança de comportamento – Violência (CVJ)
- CV/ PCC - relação comercial
Pode-se citar, ainda, como exemplo, o Estado do Rio de Janeiro, onde diversas facções disputam o poder dentro das unidades prisionais, tem-se a .Amigos dos Amigos. – ADA -; Povo de Israel - PVI; Baleeira e Tira Gosto; Terceiro Comando Puro – TCP; Milícias e Grupos de Extermínio.
Tais grupos organizam e administram no cárcere as atividades criminosas e relações de disputa de poder. Esta espécie de mapeamento e radiografia dos grupos organizados dentro dos presídios, feito pela Inteligência Penitenciária daquele Estado, traças as características gerais dessas facções, constituindo uma excelente ferramenta para a atuação na prevenção e combate a criminalidade.
Nessa mesma linha, assiste-se no Estado de São Paulo o surgimento do Primeiro Comando da Capital, PCC, uma organização gestada dentro do sistema penitenciário paulista, cujos princípios se baseavam na cooperação mutua e solidariedade entre os integrantes desta facção criminosa, de modo que, aqueles que estão em liberdade estão ligados aos laços firmados dentro do cárcere com o PCC, possuindo, portanto, a obrigação de fortalecer tal facção, seja em obrigações comissivas ou contribuições pecuniárias.
Porto (2009, p. 74) nos ensina: Assim nasceu o PCC, cuja meta inicial era a prática de extorsões contra detentos e seus familiares, bem como determinar a realizar execuções de outros presos visando dominar o sistema carcerário, realizando o tráfico de entorpecentes no interior dos presídios e cadeias públicas. Com o passar dos anos a organização criminosa estendeu suas operações, passando também a realizar inúmeros crimes fora do sistema prisional...
Outrossim, faz-se necessário destacar que o PCC espalhou suas ações criminosas por todo país, se aliando a outros grupos criminosos como o Comando Vermelho originado no Estado do Rio de Janeiro, criando, inclusive, estatuto para consolidar a sua facção.
Nas outras unidades da Federação há o mesmo processo de socialização, isto é, o surgimento dentro do cárcere de grupos organizados, fundamentados em regras ou estatutos, que possuem a finalidade de atuação criminosa como principal e essencial característica.
Corrobora com esse entendimento o Promotor Porto:
Todavia, esta facção criminosa não se encontra delimitada em território paulista, a transferência de lideranças do Primeiro Comando da capital para outros Estados permitiu uma expansão e sobretudo uma consolidação de alianças que resultaram em uma estrutura hoje nacional. Mas não somente a parte material e operacional foi envolvida; também a parte ideológica sofreu grandes alterações. (PORTO, 2009, pg. 76).
As ações orquestradas pelo PCC, no Estado de São Paulo, em 2006, denominada .Salve Geral., como também a similar atuação do Comando da Paz, CP, no Estado Bahia em 2009, que também comandada por presos líderes das respectivas facções, indicam que há uma intensa relação de tais com o meio externo, de modo a influenciar as políticas de segurança pública e as atuações preventivas.
Porto (2009, p.101) traz a baila: O fenômeno da criminalidade organizada atuante no interior dos presídios brasileiros é, sem dúvida, tema extraordinariamente atual e preocupante. Facções criminosas, antes inexistentes, se organizaram com eficiência e profissionalismo criminoso, comandando a criminalidade de dentro para fora do sistema penitenciário.
Surgiram lideranças respeitadas, dentre condenados e presos provisórios com ascendência acentuada sobre os demais detentos e, não raro sobre funcionários públicos em presídios em presídios lotados. Em conseqüência, multiplicaram-se as ocorrências de rebelião. Houve registro de pelo menos uma mega rebelião, envolvendo diversos presídios, em prova inequívoca de coordenação e poder de comunicação entre lideranças de criminosos de locais distantes uns dos outros.
Nesse mesmo sentido, desafiando o Estado, o traficante baiano Genílson Lino, conhecido no mundo do crime como .Perna., preso na Penitenciária Lemos Brito, comandava várias ações delituosas em Salvador e em várias cidades do interior da Bahia, até ser transferido para o Presídio de Catanduvas no Paraná, através de um trabalho conjunto das policias que identificou o meliante com 280.000.00(duzentos e oitenta mil reais), armas, drogas, cervejas, etc, no interior daquele estabelecimento prisional. Este fato causou grande repercussão no mundo jurídico além de forte
comoção social por entender que o sistema prisional ao invés de cumprir o seu papel, vigiar e punir na medida socialmente necessária, se mostra como facilitador de práticas criminosas, levando o sentimento de impunidade e impotência dos órgãos que compõem a Segurança Pública. Assim, (Porto 2009), em suas considerações finais afirma que [...] .Cabe agora encontrar novas técnicas às quais ajustar essa nova realidade, diminuindo o custo econômico das penas e aumentando sua eficácia.
Diante dessa do autor, indaga-se: quais são essas novas técnicas a serem aplicadas no sistema prisional, as atuais estão obsoletas ou não atingem a finalidade desejada? Nesse contexto, é preciso dizer que o atual modelo de gestão prisional não atende a nova ordem social, impondo ao Estado novas maneiras para, ao menos, minimizar as situações expostas, que seja capaz de combater o surgimento de práticas criminosas na busca da almejada socialização do indivíduo
encarcerado.
A estrutura vigente, seu modus operandi, seus espaços físicos ortodoxos, propiciam a proliferação de grupos criminosos e nega a consecução das teorias .re., reinserir, reeducar; o que fomenta a proliferação da cadeia criminal.
Nessa situação emblemática, Porto (2009), nos faz refletir:
Neste cenário, assim, pensando o sistema penitenciário, é preciso assumir que não estamos ressocializando. As penas existentes dentro do sistema são inadequadas e mal distribuídas. A falta de dignidade no cumprimento da pena, existente na grande maioria dos presídios brasileiros, aponta para um crescimento da violência interna. PORTO 2009, pg, 103)
E ainda enfatiza: Basta levar em conta o crescimento das facções criminosas nos últimos anos, ainda que se considere o rumo diferente de algumas estatísticas governamentais. E é impressionante o poder de organização das facções, inclusive na comunicação interna e externa, no seio da comunidade criminosa a que atendem. (PORTO 2009, pg, 103) .
Poder-se-ia citar inúmeros exemplos de acontecimentos envolvendo o sistema prisional, mega-rebeliões, assassinato de autoridades, mortes de policiais, perturbação da paz pública com incidência de assaltos, extorsões, uso de aparelhos celulares que disseminam a violência etc. Portanto, o objeto dessa pesquisa é identificar esses fatores, analisar os fatos na busca de soluções e, conseqüentemente, melhorar o sistema em questão com a estruturação do sistema prisional como parte efetiva da Gestão da Segurança Pública.
6 AJUSTAMENTOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS NAS UNIDADES PRISIONAIS
No processo de socialização o interno de uma instituição total desenvolve meios ou cria caminhos para retirar dos recursos das unidades prisionais uma forma de satisfação das privações impostas pelo sistema prisional na execução da pena. Vale dizer, que em verdade as restrições alimentam o desejo do interno e ao mesmo tempo o conduz para produção de estratégias que o leve ao objeto de desejo vedado na unidade prisional. Assim, mister se faz conceituar ajustamento primário como .não mais e não menos do que aquilo para o qual foi preparado, e é obrigado a viver num mundo que, na realidade lhe é afim. (GOFFMAN, p.160 2008).
Quanto aos ajustamentos secundários pode-se dizer:
[...] qualquer disposição habitual pelo qual o participante de uma organização emprega meios ilícitos, ou consegue fins não autorizados, ou ambas as coisas, de forma a escapar daquilo que a organização supõe que deve fazer e obter e, portanto, daquilo que deve ser. (GOFFMAN, p.160 2008).
Tendo por premissas estas noções conceituais apresentadas por Goffman, a observação dos ajustamentos secundários nos presídios é de grande importância na gestão da segurança pública, tendo em vista que fornece informações sobre as características dos grupos sociais e como eles se organizam e manifestam seus comportamentos e expressões axiológicas.
Segundo Goffman (p. 173, 2008) os ajustamentos secundários ocorrem por três formas: as substituições, correspondente ao uso dos recursos da instituição total de um modo não oficial; exploração, modo que exige do explorador o domínio sobre o sistema em termos de conhecimento, a fim de explorar um sistema, é preciso conhecê-lo profundamente. (GOFFMAN, p.177 2008); e a tarefa explorável, que se pode caracterizar pela participação do interno de uma instituição total em algum trabalho da unidade prisional com a finalidade pautada na busca de vantagens proibidas ou não fornecidas (GOFFMAN, p.182 2008).
Os ajustamentos secundários dar-se por meio de relações mescladas com elementos territoriais, sociais no sentido da formação de grupos ou facções, ocultação e armazenamento de objetos proibidos, conseguidos sem anuência ou ciência da unidade prisional. O que se pode exemplificar na criação, por partes dos presos, de locais de circulação ou limitação geográfica para sentenciados homossexuais, religiosos, condenados a crimes sexuais, como estupro; criação de termos lingüísticos, gírias, códigos de comunicação, fundos falsos nas camas e paredes das celas para guarda de drogas, armas e aparelho de telefonia celular.
Outro aspecto de grande importância corresponde à forma como se tem a colaboração de terceiros, classificada por Goffman em três modalidades: coerção particular, intercâmbio social e intercâmbio econômico.
Goffman (2008. p.215) afirma que a coerção particular o participe não obedecer pode ser suficientemente caro para fazer com perceba a obediência como involuntária.
Vale dizer que, .expropriação aberta, extorsão, técnicas de força, submissão imposta, é modo pelo qual a participação de um terceiro é obtida (GOFFMAN, p.215 2008). Esta técnica é observada nos presídios a partir da assunção de alguns crimes por presos que não fazem parte do grupo dominante, ou que deve favores, dinheiro, que possuem dívidas de drogas, ou ainda, quando familiares são coagidos a adentrarem nas unidades prisionais trazendo consigo entorpecentes ou algum produto de origem ilícita.
O intercâmbio social é participação pautada .em uma troca de coisas afetuosamente desejadas, e quando a relação é igualitária (GOFFMAN, p.225 2008), exclui-se com isso submissão, a extorsão, mas, por outro lado, emergindo laços de identificação solidária, a exemplo do que ocorre nas facções criminosas, que tem por idéias basilares a cooperação entre os integrantes.
No intercâmbio econômico a relação se estabelece em torno das vantagens auferidas pelos participes, isto é, .uma pessoa contribui para os planos de outra pessoa em virtude de uma cooperação anterior quanto ao que ganhará como troco. (GOFFMAN, p.216 2008).
Estes aspectos pertinentes aos ajustamentos secundários dão um norte teórico para a compreensão das unidades prisionais, sob aspecto das sociedades que ali se estruturam, não só do ponto de vista da segurança pública, mas também pelo viés criminológico, uma ferramenta para compreensão da criminalidade originada a partir das unidades prisionais.
7 PAPEL INSTITUCIONAL DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS
Diante do raciocínio até aqui exposto, em que foram relacionados os aspectos inerente ao surgimento da pena e da prisão, seus acontecimentos que envolve o Sistema Prisional Brasileiro atual, numa visão positiva de melhoria deste setor público com ênfase à prestação de serviços de excelência à sociedade.
Nessa lógica, não se pode esquecer de abordar o papel dos servidores, em especial do Agente Penitenciário, responsáveis em executar os ditames legais impostos pelo Estado - Juiz. Portanto, trazer a baila sobre as nuances do cárcere com o entendimento das atividades exercidas pelo agente penitenciário, nos dará uma visão mais abrangente acerca das peculiaridades inerente à execução da pena privativa de liberdade.
Na linha desses argumentos, é preciso afirmar que a sociedade clama por profícuas respostas no âmbito do cerceamento do direito de ir e vir. Os dados embutidos nessa pesquisa, extraídos do Ministério da Justiça/DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, acerca da efetividade do Sistema Prisional, nos remete ao estado de impotência social, de inércia coletiva, ao ponto dessa sociedade ponderar para a persecução das penas mais severas, sobretudo a possibilidade desse país constitucionalizar a pena de morte com saída para os problemas ora mencionados.
De dentro das unidades prisionais, assistimos os encarcerados amedrontar nossa sociedade, extorquindo-a, apavorando-a, principalmente com a facilidade do uso de aparelhos celulares, numa sensação de que aqueles que foram tolhidos da liberdade, estão melhor acomodados nos estabelecimentos prisionais, pois têm segurança, alimentação, assistência à saúde, material, religiosa, etc (art. 11 da LEP) numa inversão de valores preocupante.
Sobre o uso de aparelhos celulares, que tem perpassado os limites da tolerância social, uma vez que tem sido crescente o numero de apreensões nos estabelecimentos prisionais, o legislador constituinte aprovou a Lei nº 12.012/09, que trata de proibição de entrada desse artefato eletrônico, na tentativa de inibir as ações criminosas por parte dos encarcerados ou por quem tente burlar a segurança para adentrar com esse equipamento. Carlos Lélio e Mauricio Kuehne em suas
considerações iniciais de sua obra abordam este assunto com propriedade sobre as conseqüências maléficas e os graves problemas que geram o uso de celular em presídios:
A entrada de celular e outros aparelhos similares nos estabelecimentos penais brasileiros é hoje, sem dúvida, um dos mais graves problemas que desafiam a Administração Penitenciária de todas as unidades da federação, especialmente pelas conseqüências maléficas que resultam desse ingresso.
Leis mais severas são aprovadas na tentativa de coibir esses fatos, o certo é que o uso de aparelhos celulares dentro das unidades prisionais pelo país afora tem significado a fragilidade das políticas públicas nesse setor, seja ela em relação aos servidores, que não tem uma padronização nos procedimentos relacionado às suas atividades ou pela falta de exclusivamente estrutural que permite e evidencia que essas situações indesejáveis à Segurança Pública, aconteçam.
Sabe-se que os criminosos fazem de tudo para obter esse artefato na prisão, usam seus visitantes e familiares, tentam subornar funcionários etc, que constantemente tentam burlar a segurança, conforme pode se observar na figura abaixo:
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Figura 5: Apreensão de celulares apreendidos durante revista em presídio
Salvador-Ba, 2009
Fonte: Arquivo da Segurança do Presídio de Salvador-Ba,2009
Enfatiza ainda os autores:
Usados, invariavelmente, como instrumentos eficazes de orientação e coordenação de práticas ilícitas pelas organizações criminosas que atuam dentro e fora dos presídios, esses aparelhos adquirem, ao longo dos anos, status de armas poderosas nas mãos de criminosos. Tornaram-se, portanto, motivo de cobiça de grupos de prisioneiros perigosos e utilizados em movimentos que levam à desestabilização do sistema prisional. Impressiona a variação de valores no comércio clandestino, capazes instigar e surpreender o mais conservador dos economistas, sendo possível encontrar modelos de média tecnologia e de boa qualidade a preços inferiores de a R$ 200 reais. E o mercado é lucrativo. Se a aquisição desses aparelhos é uma pechincha, os resultados financeiros obtidos com a sua utilização na prática de seqüestros, extorsões, tráfico ilícito de entorpecentes e outros crimes afins constituem atraentes investimentos que sustentam as organizações criminosas dentro e fora dos estabelecimentos penais do país. (LÉLIO e KUEHNE, 2009).
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Figura 6 – Drogas apreendidas no interior do Presídio de Salvador, 2009
Fonte: Arquivo da Segurança do Presídio de Salvador-Ba,2009
Assim, entende-se que o atual modelo de gestão prisional carece de medidas efetivas, profiláticas, pedagógicas, estruturais e objetivas, que visem, adequadamente, atender ao real motivo da privação do homem à sua liberdade ao cometer crime. O que a sociedade não mais admite é assistir o quadro de desespero, conforme descrito na citação acima.
Outrossim, é inexorável frisar que a citação em voga, são de autoridades com envolvimento direto na política de execuções penais, sendo que Carlos Lélio Lauria Ferreira foi Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Amazonas e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Justiça e Administração Penitenciária - CONSEJ e Maurício KUEHNE, Promotor de Justiça, Advogado e Professor de Execução Penal, que por muito tempo trabalhou no Ministério da
Justiça, ocupando cargos estratégicos naquele Órgão, principalmente o de Diretor Geral do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN – que traça as diretrizes do Sistema Penitenciário Nacional.
Ao se analisar a citação dos autores, percebe-se que esse modelo de Gestão Prisional está ultrapassado, precisando ser estruturado em sua essência. Em suma, com a implantação de novas concepções ideológicas e práticas.
Dentro desse aspecto de implementação de políticas prisionais, assevera o pernambucano, Rocha:
Os efeitos nefastos da falta dessa padronização com relação à execução penal, no que diz respeito à segurança penitenciaria e seu desdobramento para o cumprimento do papel social do sistema penitenciário brasileiro.
Nesse contexto, é preciso que fique devidamente esclarecido e apreendido que a segurança penitenciaria não se restringe às atividades internas aos muros das unidades prisionais. Nem tem como interesse apenas as atividades ligadas diretamente à rotina do encarcerado. Ao contrário, sua área de abrangência ultrapassa em muito o perímetro restrito aos muros e às grades das unidades prisionais, e, seu objeto de interesse, tem a ver, direta e indiretamente, com o cotidiano dos cidadãos como todo; não apenas os que se encontram sob a custódia e/ou tutela do Estado. (ROCHA 2002, p.62,63) .Nota-se na citação do autor, que a falta de padronização, gestão pública concatenada com a geopolítica do cárcere, aliado aos problemas sociais, tem ultrapassado os muros da prisão, numa visão clara de inércia dos governantes ou tímidas ações.
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Figura 7: Agentes penitenciários quantificando as apreensões de Drogas e outros artefatos vindos do fora do presídio. Salvador, 2008.
Fonte: Arquivo da Coordenação de Segurança do Presídio Salvador, 2008.
Assim, nessas complexidades, labora o servidor penitenciário responsável em manter a ordem pública e, com a falta de padronização, como bem frisou Rocha, diversas turbulências tem ocorrido concernentes à melhor aplicabilidade dos serviços de excelência nas unidades prisionais.
O autor ainda argumenta: Desta maneira, a falta de políticas Governamentais conseqüentes e efetivos investimentos públicos para a área, na pratica, incentivaram a incidência cada vez maior das crises nas unidades prisionais e, em decorrência destas, os profissionais daquela categoria foram muito mais expostos à população como responsáveis por elas, o que só contribuiu para que, em conseqüências a esta exposição negativa, não só os profissionais de forma individual, mas o próprio coletivo deste, ou seja, o aparelho de segurança penitenciaria, absorver-se indevidamente a responsabilidade por estas crises, perpassando, desta forma, a equivocada impressão de inviabilidade deste em contribuir perante a tarefa de ressocialização a qual era atribuída a ele.
Nessas condições axiológicas e estruturais, labora o agente penitenciário, no convívio diário com diferentes indivíduos, forjados em diferentes classes sociais, devendo tratar a todos os encarcerados de forma isonômica, qualquer que seja o preso, independente, sobretudo, do crime praticado.
Valente (1998, p.79), em sua dissertação de mestrado, contribui com essa discussão: Os agentes de presídio têm suas tarefas atravessadas pela ambigüidade que marca a própria instituição prisão. Esta, se por um lado deve garantir a punição do apenado através da sua manutenção em regime fechado ate o final do cumprimento de sua pena, por outro, deve levar isto a cabo, garantindo os direitos que a legislação reserva aos presos. Em suma, deve punir através da reclusão e deve reeducar através dos instrumentos de que dispõe, tais como trabalho, a rotinização do cotidiano dos internos e da vigilância e avaliação do comportamento dos presos. Essas são diretrizes que norteiam a atuação da prisão, mas que para serem concretizadas estão apoiadas em boa medida dos agentes penitenciários. Assim a atividade de vigilância que exercem é, ao mesmo tempo, aquela que garante o cumprimento da pena e a que garante a reeducação do condenado porque está completamente ligado ao disciplinamento de seu comportamento cotidiano.
Percebe-se, na visão do autor, que há grande dificuldade dos agentes penitenciários em garantir a manutenção da ordem pública nas prisões, e sem a falta de padronização dos serviços penitenciários, o que reflete diretamente na sociedade, como bem frisou Rocha, tem contribuído, ainda mais, para o não cumprimento, idealizado, à finalidade da pena.
Sabe-se que o homem é composto por valores, mas para os agentes penitenciários, pelas características da função, nos parece que esse valor é mitigado afastado, sua compreensão deve ser extremamente profissional e não axiológica, ou seja, dar um tratamento igualitário ao preso que cometeu um crime contra o patrimônio, art. 155 do Código Penal, por exemplo, delito com menor poder ofensivo, com a mesma neutralidade àquele que foi condenado por estupro, crime hediondo,
abominável pela sociedade, artigo 213 do mesmo Ordenamento Jurídico; sem contar, no entanto, àqueles pacientes que por força da legislação penal são custodiados em Hospitais/presídios, estando-os em cumprimento de medida de segurança – inimputáveis ou semi-imputáveis, conforme preconiza o artigo 171 da LEP.
Nesse diapasão, analisando os aspectos laborais desses servidores, vê-se que é imprescindível que o agente penitenciário seja um profissional altamente preparado, emocionalmente equilibrado, principalmente pelas condições insalubres e perigosas, peculiar a um ambiente de prisão, o que torna imperioso uma política de profissionalização desse sistema, com bem nos ensina o Professor Valente (1998, p. 37):
As prisões são muitas coisas ao mesmo tempo: instituições que representam o poder e a autoridade do Estado; arenas de conflito, negociação e resistência; espaços para a criação e formas subalternas de socialização e culturas; poderosos símbolos de modernidade (ou a ausência dela); artefatos culturais que representam as contradições e tensões que afetam as sociedades; empresas econômicas que buscam manufaturar tanto bens de consumo como eficientes trabalhadores; centros para a produção de distintos tipos de conhecimento sobre as classes populares, e, finalmente, espaços onde amplos segmentos da população vivem parte de suas vidas, formam suas visões do mundo, entrando em negociação e interação com outros indivíduos e com autoridades do Estado. (2007, p.37).
E, ainda argumenta Valente (1998. p.36): Recuperação ou castigo, boa ou má solução para a criminalidade, a prisão é um debate permanente, que durante muito tempo serviu aos governos como exibição de sua modernidade, de sua adesão aos princípios liberais.
Como observa-se nas citações, existe um legado Institucional ao longo da história da fazer penitenciário, a falta de políticas consistentes para este setor, sua gestão desintegrada dos demais órgãos que compõem a Segurança Pública, nos faz refletir acerca da eficácia da pena privativa de liberdade, numa visão sistêmica de que é preciso mudar o atual modelo ora aplicado e inovar constitucionalmente essa punição social.
8 A POSSIBILIDADE DA REINSERÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DO SISTEMA
PRISIONAL
O indivíduo infrator quando adentra pela primeira vez numa unidade prisional, é recepcionado em uma nova sociedade, que traz consigo seus valores e um conjunto normativo próprio, numa interação social com outros internos, que já se conceituou de processo de socialização secundária, segundo Berger e Luckman (2005). A socialização secundária se apresenta como um rito de passagem, que adere a personalidade do sentenciado, de forma que este passa a assimilar modelos e padrões próprios dos grupos políticos das unidades prisionais, representando um processo de .desculturamento..
A marca da recepção de um interno na instituição total, como um presídio ou penitenciária, consiste na existência de cerimônias e rituais, tendentes a atingir a individualidade, o senso de identificação e singularidade do ingresso.
Ocorre uma usurpação da autodeterminação e da livre expressão em pequenos aspectos, como a limitação a formas e momentos de se pronunciar, proibição do olhar para funcionários da unidade prisionais sem que esteja autorizado, como também a proibição de qualquer relação com as visitas de outros internos; obrigação de andar de cabeça baixa, momentos determinados para a satisfação de necessidades biológicas e a perda de alguns objetos pessoais, com o objetivo de torná-lo, de alguma forma, um ser uniforme em relação aos demais.
Pode-se dizer que tais aspectos compõem um grande conjunto de rituais de profanações do eu. Aparentemente as instituições totais não substituem algo já formado pela sua cultura específica; estamos diante de algo mais limitado do que a aculturação ou assimilação. Se ocorre mudança cultural, talvez se refira ao afastamento de alguma oportunidades de comportamento e ao fracasso para acompanhar mudanças sociais recentes no mundo externo. Por isso, se a estada do internado é muito longa, pode ocorrer, caso ele volte para o mundo exterior, o que já foi denominado desculturamento – isto é, destreinamento – que o torna temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida. (GOFFMAN, 2008, p.23).
Nesse sentido, Shecaira (2005, p. 305) afirma que o homem prisonizado [...] é alguém inadaptado para o convívio em liberdade, exatamente por se identificar com a instituição total a que está recolhido, até por necessidade de sobrevivência.
Fica ele condicionado pelas regras da casa, um conjunto relativamente explícito e formal de prescrições e proibições que expõe as principais exigências quanto à conduta do internado. Passa, a partir daí, a assumir um comportamento desviante. Tais pessoas tendem a engajar-se numa espécie de negação coletiva da rodem social. Agem de forma diferenciada. São identificadas como incapazes de usar as oportunidades disponíveis para o progresso nos vários caminhos aprovados pela sociedade. O preso institucionalizado carrega, pois, uma nova identidade, fruto do estigma da prisão. (SHECAIRA 2005, P. 305) [grifos no original].
Nesse ponto, o sistema prisional assume funções que divergem entre si, com os seus princípios e metas, identificadas como função declarada e outra latente.
O ingresso de um interno na instituição total tem por finalidade a recuperação e adequação do indivíduo para a vida em sociedade, de forma que a unidade prisional, enquanto unidade gerida pelo Estado, tem por missão cumprir esta função de ressocializar, o que se pode perfeitamente enquadrar como função manifesta ou declarada. No entanto, o que se vivencia nos estabelecimentos prisionais
proporciona outra realidade, que se expressa pela reincidência e aumento da população carcerária.
[...] a função declarada de uma instituição consiste nos efeitos que causa o seu funcionamento para o sistema social, sempre que tais efeitos sejam desejados e admitidos por aqueles que participam do sistema [...] Muitas vezes as instituições sociais cumprem funções diferentes daquelas declaradas. Trata-se das funções latentes, que influem sobre o sistema social, sem corresponder à vontade das pessoas que, muitas vezes, nem sequer as percebem (SABADELL, 2004, p.173)
Sabadell (2004, p. 179) afirma que todos sabem que ninguém pode ser recuperado nas prisões, onde se convive com a violência mais exasperada, em uma situação de miséria, corrupção e desrespeito à dignidade humana.
Goffman (2008, p. 286) aponta para esta dupla função das instituições totais, utilizando os hospitais psiquiátricos, como exemplo, pois além do aspecto do tratamento médico, há ainda, o escopo de .proteger a comunidade do perigo e dos aborrecimentos de certos tipos de má conduta. Nos termos das leis e das pressões públicas a que o hospital psiquiátrico está sujeito, essa função de custódia tem uma importância básica.
Entre as escolas criminológicas, a teoria do etiquetamento social traz consigo as noções de criminalização primária - poligenética e se deve a uma variedade de fatores culturais, sociais, psicológicos e sociológicos. (SHECARIA, 2004, p.306) – e criminalização secundária, em que esta resulta do processo causal desencadeado pela estigmatização. (SHECARIA, 2004, p.291), representando a expressão da função latente do sistema prisional.
Ainda segundo Shecaria (2004, p. 295) .Não mais se indaga o porquê de o criminoso cometer crimes. A pergunta passa a ser: por que é que algumas pessoas são tratadas como criminosas, quais as conseqüências desse tratamento e qual a fonte de sua legitimidade?
A desviação secundária, alimentada pela atuação da função latente do sistema penitenciário, incide sobre a subjetividade do interno, pois, .a personalidade do agente se referenciará no papel de desviado ainda que ele não se defina como não desviado. (SHECARIA, 2004, p.298) [grifos no original].
Para Manoel Pedro apud SHECARIA (2004, p.305), este afirma que o homem institucionalizado é inapto ao convívio em sociedade por identifica-se com o local do recolhimento.
É notório que o sistema prisional brasileiro, homens e mulheres são confinados sem a devida aplicação da finalidade pena, pedagogicamente, esta é a realidade, infelizmente.
8.1 DO PROGRAMA DE GOVERNO DA BAHIA - PACTO PELA VIDA UM
EXEMPLO DA NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO PARA A GESTÃO DA
SEGURANÇA
Com o lema UM COMPROMISSO DE TODOS COM A SEGURANÇA o Governo do Estado da Bahia lança o Programa PACTO PELA VIDA com o objetivo de atenuar os índices de Violência que ora atormenta a nossa sociedade. Mas o que significa realmente essa proposta?
Em Cartilha divulgada pelo governo, O Pacto pela Vida é um programa de Estado assim entendido:
Uma nova política de Segurança, construída de forma pactuada com toda SOCIEDADE e integrada com o Poder Judiciário, a Assembléia Legislativa, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os municípios e a União. (Cartilha, 2011)
Nessa mesma fonte, dar-se conta que .A liderança do PACTO é feita pelo GOVERNADOR da Bahia, que dirigirá esforços de 13 Secretarias de Estado, com o objetivo principal de reduzir os índices de violência, com ênfase na diminuição dos crimes contra a vida e contra o patrimônio..
Sabe-se que, indubitavelmente, a sociedade clama pela melhoria na segurança pública que possa garantir a manutenção da ordem pública, englobando muito mais do que o poder de polícia, uma vez que os problemas sociais são encarados, sobretudo, pela ótica da desigualdade social.
UM NOVO PARADIGMA DE SEGURANÇA PÚBLICA., Capítulo do livro de Ricardo Balestreri e Ivone Costa (2010) dão conta de que no .Brasil há um forte drama no campo da Segurança Pública, herdado, particularmente, das três ou quatro últimas décadas:
Obviamente, sabemos que esse drama é uma conseqüência primária – no âmbito da análise sociológica – da injustiça social e não da pobreza, ao contrário do que afirma o senso comum. Pobreza não gera crime e nem violência. A pobreza é heroicamente honesta, de forma geral, e criminosos há entre os pobres e entre os riscos. Por evidência empírica, do ponto de vista proporcional, é fácil perceber que a situação é até mais grave entre os segmentos abastados( IVONE COSTA E RICARDO BALESTRERI, 2010, P. 57)
Os autores ainda enfatizam que .a injustiça social é, sem dúvida, um elemento predisponente da insegurança pública, da violência e da criminalidade..
Nos parece que o grande viés desse programa é, antes de tudo, a busca pela integração entre os Órgãos que compõem a Defesa Social, o que coaduna com o tema dessa pesquisa, num esforço de todos, principalmente das Secretarias de Estado da Bahia, responsáveis em fomentar as políticas afirmativas de inclusão social e combate a quaisquer focos de violência.
O governo ainda enfatiza .que o programa tem um olhar na prevenção, por meio de ações sócias planejadas para áreas consideradas críticas, com o objetivo de reafirmar direitos e dar acesso a serviços públicos à população..
Nota-se que quando o governo fala em prevenção, é porque aponta a possibilidade de ofuscar os índices de violência por meio de vários fatores que se posicionam na vanguarda dos anseios da coletividade. Assim, o Estado da Bahia firma um compromisso com as seguintes frentes de atuações:
ARTICULAÇÃO permanente entre poderes, com a criação do Sistema de Defesa Social; INVESTIMENTOS de recursos para o fortalecimento da gestão e da infraestrutura das polícias; PRIORIZAÇÃO das políticas de prevenção social nas áreas críticas; Fortalecimento do Sistema Prisional; Foco na PRESERVAÇÃO DA VIDA nas ações de prevenção e repressão das polícias; Estruturação de equipamentos de apoio e recuperação de usuários de substâncias psicoativas; Criação de um canal de comunicação permanente com a sociedade; Campanhas educativas em relação ao consumo de drogas e de valorização dos direitos humanos.(Cartilha do Lançamento do Pacto)
Percebe-se nessa citação, que vários fatores serão atacados, concomitantemente, a fim de atender os objetivos propostos. Um apelo social foi lançado na busca da preservação da vida com a prioridade nos problemas coletivos, além de um diálogo permanente com a sociedade que precisará mudar ou refletir sobre seus atos, pois a violência, também, tem sido proliferada pela ação desenfreada do homem que a cada dia visa aferir mais lucros.
Nessa linha de argumento, asssevera Balestreri(2005. p 57): Tal fato é agravado pela dimensão simbólica, com seus valores internalizados no inconsciente coletivo. Desse ponto de vista simbólico, a religião predominante em nosso mundo é o consumismo. Os templos não são as igrejas nem as catedrais, mas os shoppings, onde simplesmente adoramos ou, se tivermos poder de compra interagimos com os deuses contemporâneos, com os ídolos que lá estão. Não mais bezerros de ouro, mas tênis, celulares, computadores, ipods. A idolatria do mundo contemporâneo profundamente relacionada ao consumismo tecnológico.
Vê-se na citação acima que para que um Pacto Social seja bem sucedido, faz-se necessário convocar a sociedade para discutir suas ações de modo que haja um comportamento menos individual e mais coletivo, em que o foco principal seja a busca pela Segurança cidadã com a vigilância adequada para coibir os desvios de comportamento inerente à natureza humana.
Nesse contexto, o governo da Bahia cria as Áreas Integradas de Segurança Pública com a finalidade de congregar uma delegacia da Polícia Civil e uma Companhia independente ou batalhão da Polícia Militar, que vão planejar e realizar ações integradas. O monitoramento dos indicadores de criminalidade e dos resultados do Pacto será feito a partir das AIPs, conforme pregoa a Cartilha do pacto.
Focado no objeto dessa pesquisa, nota-se que o governo também não cita o Sistema Prisional nas áreas integradas de Segurança Pública, mas foca-o em seu compromisso inerente ao Pacto quando menciona acerca do Fortalecimento do Sistema Prisional, mas não enfatiza de que forma, pelo menos não está explícito na Cartilha de apresentação do Lançamento do Pacto Pela Vida.
Assim, como forma de contribuir com o tema o escritor e Gestor do Sistema Prisional, Everaldo Carvalho, traz as seguintes considerações:
Em última análise, a concepção de Segurança Pública no Brasil deve ser compreendida por uma tríade, englobando as estruturas das Policias Civil, Polícia Militar e o Sistema Penitenciário. A estes três setores cabe atuar de forma cooperativa, autônoma e articulada. É imprescindível que tais organismos que compõem o Aparelho Ideológico do Estado estejam em condições de garantir, cada um dentro de suas prerrogativas, as funções de manter a paz, a ordem pública, sem abdicar da preservação dos direitos das minorias. (Jornal A Tarde – Judiciárias – 08/09/2006)
Como se observa na citação do autor, a concepção de Segurança Pública deve ser mais abrangente em que possa ser estabelecido as sintonias necessárias para garantir a eficácia das ações estatais, não estando o sistema prisional dissociado dessa realidade, pois os fatos abordados nessa pesquisa, principalmente no tópico que versa sobre o Sistema Prisional como parte da Segurança Pública.
Como foi dito, o Governo do Estado da Bahia criou a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização com a finalidade de atacar os problemas desse setor e promover uma reestruturação do atual modelo de gestão.
Mas, será que existirá integração entre os órgãos de Defesa Social como bem frisou Carvalho, .que estes três setores cabem atuar de forma cooperativa, autônoma e articulada., ou seja, a Polícia Civil, Militar e o Sistema Penitenciário atuarão em conjunto? Então quando o autor aduz sobre esta integração é porque ele defende a modificação desse atual modelo de gestão com a inserção efetiva daqueles que laboram diretamente nos cárceres, que possam fazer parte da Gestão de Segurança Pública juntamente com os policiais Civis e Militares. Visualiza ainda que cada um dos órgãos integrados contribuirão dentro das suas funções e expertises, por exemplo: os Agentes Penitenciários devem cooperar com a sociedade tanto nas atuações intramuros como fora dele, participando de eventos públicos de grande porte como: Carnaval, Estádios de Futebol, Show Públicos, Copa do Mundo etc, pois esses servidores trabalham numa rotina cotidiana no convívio com os encarcerados, que mesmo com a grande rotatividade de entrada e saída nas unidades prisionais, pode identificá-los e ajudar na proteção social.
Ainda sobre a citação do autor, não pelos fatos expostos nessa pesquisa em relação às organizações criminosas que se .instalam. nos presídios e penitenciárias e conseguem apavorar a sociedade; da falta de padronização do mister dos Agentes Penitenciários, não por isso, mas por uma sistematização capaz de atender as demandas não só do setor prisional, mas de uma gestão de segurança pública que se faz necessária diante da nova conjuntura política.
9 A PEC 308/04 E A INCLUSÃO DO SISTEMA PRISIONAL NO ART. 144 DA CF\88
Neste capítulo busca-se abordar acerca da implantação da Polícia Penal no Brasil através do Projeto de Emenda Constitucional 308/04 no capítulo 144 da Constituição Federal, seus aspectos contributivos à sociedade. Prosseguindo com o tema, faz-se necessário apresentar o conceito da atividade de Polícia e breves transformações no decorrer do tempo.
Assim, (Ivone, 2005), Doutora em Sociologia Econômica e Coordenadora de vários Programas de Estudos, Pesquisas e Formação em Segurança Pública – PROGESP, aduz que .[....] numa transição do controle exercido tradicionalmente através das oligarquias, para o exercício moderno do poder, através das instituições públicas, entre o fim da primeira e o início da última década do século XIX..
Com isto, pretendeu-se ampliar o quadro referencial da problemática das instituições policias no exercício da segurança pública.
Segundo a autora, tanto no presente como no passado, a história das instituições policias no país reflete a estrutura das relações de poder na sociedade brasileira.
Sabe-se que a polícia institucional, propriamente dita, teve início no Brasil com a chegada dos Portugueses, época em que havia a necessidade de aplicação das leis regidas em Portugal. Nesse sentido, a família real criou a .Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, em 10 de maio de 1808.(apud IVONE, HOLLOWAY,1997, p.44).
Corrobora ainda com tema a pesquisadora Ivone(2005, p. 98): O modelo original baseou-se no francês, introduzido em Portugal em 1760. Nesse modelo, a Polícia era a responsável pelas obras públicas e garantia do abastecimento da cidade, além da segurança pessoal e coletiva, o que incluía a ordem pública, a vigilância da população, a investigação dos crimes e a captura dos criminosos.
As instituições policiais do tipo moderno no Brasil, assim como na Europa ocidental e em áreas historicamente relacionadas, sugiram durante a transição de século XVIII para o século XIX, que coincidiu aproximadamente com a difusão da ideologia liberal e a aplicação de mecanismos impessoais de coerção.
Dito isto, numa breve digressão histórica acerca da atividade policial, traz-se a baila o conceito de polícia descrito por Bobbio (Ivone apud Bobbio. 2000,p. 944), que traduz a realidade dos dias atuais:
Função do Estado que se concretiza numa instituição de administração positiva e visa pôr em ação as limitações que a lei impõe à liberdade dos indivíduos e dos grupos para salvaguardar a manutenção da ordem pública, em suas várias manifestações: da segurança das pessoas à segurança da propriedade, da tranqüilidade dos agregados humanos à proteção de qualquer outro bem tutelado com disposições penais.
Numa análise do conceito de polícia, vê-se que a sua principal função é salvaguardar os interesses da coletividade, seja eles: moral, intelectual, material etc. Enfim, visa garantir a aplicação das leis, uma vez que vivemos sobre a égide do Estado Democrático de Direito, com a efetiva proteção social à manutenção da ordem pública.
Trazendo uma síntese conceitual .as Policias foram criadas para confrontar as classes perigosas, para controlar protestos das classes populares e preservar a estrutura social, e não apenas para combater o crime, ou promover as guerras contemporâneas contra o crime. (IVONE, 2005, p.98 apud PINHEIRO, 1998, p. 181).
Nesse raciocínio, analisando os conceitos da atividade de polícia, conclui-se que o papel da Polícia está ligado diretamente aos reclames sociais, seus hábitos e, sobretudo, a proteção dos interesses da coletividade, ora fazendo cumprir as normas impostas pelo Estado, garantindo o bem estar social numa perspectiva de bem estar para todos, indistintamente.
Como foi dito na citação da Pesquisadora Ivone e no com conceito de Bobbio (Ivone, 2000 apud Bobbio) a cerca da função de polícia, ou seja, manutenção e preservação da ordem pública, os trabalhadores da área prisional do país, representado pelo Fórum Nacional Permanente para Assuntos Penitenciários, iniciam pelo Brasil diversos debates pelo Brasil objetivando implantar a Polícia Penitenciária, hoje denominada de Polícia Penal após aprovação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados no final do ano de 2007.
Dessa forma, para melhor entender o parágrafo acima, eis um trecho do documento do Fórum Nacional para Assuntos Penitenciários, enviado ao ex - Dep. Federal Newton em 2003:
Ao longo desses anos, a categoria dos Servidores Penitenciários vem buscando apoio de um parlamentar compromissado com a nossa luta. Somos uma categoria espoliada desde os primórdios do fazer penitenciário, o Poder constituído e a sociedade nos encaram como os ditos subversivos, àqueles que no passado se deliciavam com o tomento humano fruto da imposição do regime. Carregamos o fardo, trabalhamos com a .escória., só colhemos o fel.
Hoje, esses profissionais estão organizados em nível Nacional, vivemos novos tempos. Temos projetos que contemplam tanto os servidores, assim como a população carcerária. (Extraído do Documento do Fórum Nacional Permanente – agosto/2003)
Percebe-se, na citação acima, que os servidores representados pelo Fórum Nacional buscam apoio do legislador constituinte para os seus projetos, fato que mais tarde, em 2004, foi materializado com a apresentação da PEC 308/04, pelo deputado mencionado.
Nos últimos anos, o debate em nível nacional tem se evidenciado, o Projeto foi debatido no CONSEG – Congresso Nacional de Segurança Pública e foi aprovado pela sociedade civil organizada com o maior número de votos de todas as proposições discutidas naquele evento. Em suma, vários autoridades do País conhecedoras do assunto têm se mostrado favorável à proposta, como bem enfatiza o Coronel da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, que tem larga experiência em Segurança Pública, vejamos:
Ultimamente a sociedade brasileira tem sido vítima de uma inusitada ameaça: a que vem de dentro de estabelecimentos penais. Criminosos cumprindo penas e, em tese, sendo preparados pelo Estado para o retorno ao convívio social pleno, planejam e coordenam ações delituosas, de seus comparsas em liberdade, destruindo patrimônios, valores e pessoas. E debilitando o organismo social (MEIRELES AMAURI, 2007, P. 110).
Como se pode observar, o autor traz a lume sobre a problemática do Sistema Prisional, sobretudo a atuação de criminosos que de dentro das unidades prisionais tem apavorado a nossa sociedade.
Ainda corrobora com o tema o autor: Considerando-se que a Polícia é a instituição ou atividade estatal de proteção social, desenvolvida através de estruturas de poder e de força, garantidora da ordem social, emergiria aqui o reconhecimento da existência da secular Polícia Prisional que, se bem estruturada, reduziria ameaças teleguiadas de dentro do cárcere. (MEIRELES AMAURI, 2007, P. 112).
Vê-se que o autor fala em reconhecimento da .existência da secular Polícia Prisional., nos dando o entendimento de que já existe o papel Institucional dessa função, necessitando, assim, de reconhecimento dessa atividade estatal.
Em seu livro o Tempo e a Violência, o autor dispõe um capítulo para enfatizar acerca da Polícia Prisional, apontando sugestões de procedimentos, mudanças de comportamentos institucionais, numa concepção objetiva de quebrar o paradigma concernente à importância do tema para a sociedade e sua efetiva contribuição ao sistema de defesa social.
Nesse diapasão, assevera o autor acerca de como seria a relação com vista à Lei de Execuções Penais com a implantação da Polícia Prisional:
A reintegração social de presos, sentenciados ou não, realizada por essa polícia, seria vista em três vertentes: custódia, que congrega procedimentos que garantem o cumprimento da sentença judicial; ressocialização, procedimentos que auxiliam na readaptação, no reajustamento; fiscalização, o que corrigiria o não cumprimento de decisões judiciais(livramento condicional, suspensão condicional do processo e modalidades de probation transação penal, o sursis). (MEIRELES AMAURI, 2007, P. 112).
Diante dessas considerações, percebe-se que o autor tem claras definições dos benefícios da implantação da Polícia Prisional no Brasil, sua contribuição à melhoria dos serviços prisionais inerentes à execução da pena com foco no profissionalismo, disciplina, etc, além de outros ajustes que o sistema prisional necessita para melhor servir à sociedade, como vimos em alguns capítulos ora estudado.
Aliado a essas informações, o autor ainda comenta: Profissionalização via concurso público, requalificação, academia, quadro e dotação próprios, disciplina, hierarquia, embasamento legal doutrinário, corregedoria e ouvidoria.
Profissionalismo, que se inicia pela separação de quem combate o criminoso de quem acautela o preso, passando pela formação, especialização e treinamento, fixando uniformização de procedimentos, estimulando a participação da iniciativa privada, inclusive para acolher o egresso. (MEIRELES AMAURI, 2007, P. 112).
Corroborando com a visão do autor, vislumbra-se, com a implantação da Polícia Prisional no Brasil, uma melhor dinâmica na prestação dos serviços penitenciários, garantindo a execução da pena privativa de liberdade em que todos os pilares norteadores da política prisional seja efetivada, uma vez que as condições estruturais, profissionais, políticas e econômicas darão azo à melhor execução desta.
Diante de todo o exposto, é importante conhecer a Proposta de Emenda Constitucional – PEC 308 que inclui o Sistema Prisional no Capítulo 144 da Carta Magna, que versa sobre a Segurança Pública, aprovado na Comissão Especial do Congresso Nacional, tendo como Presidente da Comissão o Deputado Nelson Pelegrino, PT/BA e como Relator o Deputado Arnaldo Farias do PTB/SP, eis o relatório apresentado como texto Substitutivo pelo relator:
... Continua ....
(*)LUIS ANTONIO NASCIMENTO FONSECA - Assessor Especial da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização, agente penitenciário, doutorando em Ciencias Sociais e Especialista em Segurança Pública.