A SEGURANÇA PÚBLICA E O SISTEMA PRISIONAL: uma integração necessária para o Projeto de Gestão de Segurança Pública na Bahia
INTRODUÇÃO
O tema Segurança Pública no Brasil é inegavelmente um dos tópicos atuais mais discutidos na sociedade brasileira, uma vez que o país vem se consolidando sob a égide do Estado Democrático de Direito, sucedendo o Regime Militar compreendido entre os anos de 1964 a 1985, e, consubstanciado, sobretudo, com o advento da Constituição Federal de 1988.
É inexorável frisar que a pressão social da época e os vários debates travados pelos constituintes, não se podia resolver todas as situações de reagrupar setores ou ainda atender a determinadas forças políticas existentes que estabeleciam posições antagônicas, o caminho para a saída de um Estado de regime de exceção para a transição democrática, foi pactuar com todos os segmentos sociais, políticos e econômicos, como exemplo mais significativo, em nome da Democracia, o pleito das .Diretas Já!. que só foi consolidado mais tarde com a eleição para Presidente e demais cargos Legislativos.
E assim, em contraste com essa responsabilidade social pela reconstrução de um país democrático, observa-se que o artigo 144 da Carta Magna ao estabelecer, que a Segurança Pública é dever do Estado, direito e responsabilidades de todos, e é exercida para a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, nota-se, no entanto, que o texto constitucional apesar de chamar à responsabilidade de todos os segmentos sociais para a problemática da segurança pública, exclui o Sistema prisional do projeto macro de reconstrução de uma ordem social participativa e cidadã exigida pela sociedade brasileira para a segurança pública.
O que poderia vislumbrar, a priori, que esse panorama de construção da Constituição Brasileira de 1988 ao elencar os Órgãos da Política Nacional de Segurança Pública, que exclui o Sistema Prisional desse rol, talvez tenha sido pela falta de um debate mais profundo, a época, sobre o sistema prisional, tendo em vista que o momento não propiciava tal discussão, pois o país saía do regime militar, sendo necessário uma conciliação com todas as forças para a Democracia, fato que, com certeza, prejudicou algumas proposições de grupos organizados e até mesmo o recuo.
Dessa forma, depreende-se, numa análise, mas unicamente do artigo 144 da CF/88 que a Segurança Pública e o Sistema Prisional foram discutidos como assuntos distintos e desconexos, ou o segundo sequer fora discutido.
No entanto, analisando a dinâmica do Sistema Penal, entende-se que não se pode assim discuti-lo separadamente do projeto de Gestão de Segurança Pública, pois, apesar de o Sistema Prisional não configurar no texto constitucional concernente à Segurança Pública propriamente dita, compreende-se que este está diretamente ligado ao contexto de Defesa Social. As ações de Estado, as decisões judiciais, ações policiais inerentes à segurança pública, focalizam o sistema prisional como garantidor de uma política articulada, não só numa visão de finalidade, mas como meio de uma gestão continuada dos diversos atos praticados pelo Poder Público, que por meio das execuções penais no cumprimento de seu papel Institucional, atinge o objetivo do bem social e da paz social.
É preciso compreender, antes de tudo, que integração não é apenas a junção das ações policiais, mas reconhecer a política de segurança pública num ângulo mais abrangente, que seja capaz de absorver as demandas do Sistema e integrá-lo na conjuntura pública para atender os desafios dessa nova ordem social e, sobretudo, concatenar-se com as políticas de Estado, conforme aponta os diversos programas de governo federal – PRONASCI, e Estadual, PACTO PELA VIDA, tópico que será abordado nessa pesquisa.
Em linhas gerais, esses programas objetivam compreender, analisar e estabelecer políticas sob a ótica da questão social, objetivando minimizar a miserabilidade humana, cada vez mais crescente em nossa sociedade, além de atenuar os conflitos desta. Os dados extraídos dos arquivos do Ministério da Justiça/DEPEN - 2009, apontam para esta situação, vejamos:
1- População Carcerária +/-500.000
2-Déficit de vagas aproximadamente -230.000
3-Escolaridade -81,9%, Ensino Fund. Incompleto
4-Abaixo dos 25 anos -48%+/- 220 mil- 20 a 30 anos
5-Sem profissão - 86,5%
6- 10 mil prisões por mês, só em São Paulo
7-78% não possuem advogados
8-82,7 não trabalham – ÓCIO
9-Reincidência - 70%
10-61,3% - Furtos e Roubos -155/157 CP
Numa análise mais profunda, focando muito mais que os números, compreende-se que existem vidas, seres humanos mergulhados nessa marginalidade e, diante da problemática mencionada, deve o Poder Público está organizado, integrado, para que profícuas respostas possam ofuscar, pelo menos, essa incômoda situação social.
O tema proposto visa contribuir com a discussão sobre a sistematização da gestão de segurança pública com vistas à integração do Sistema Prisional da Bahia, para que a manutenção da ordem pública seja desenvolvida por todos os atores que compõe o Estado de Defesa Social.
Dessa forma, a gestão da Segurança Pública estará concatenada com a geopolítica das prisões, compondo integramente o quadro de Defesa Social para o cumprimento desta tarefa indelegável, que é a manutenção da paz e da ordem social.
Daí, dar-se a importância desse estudo, no intuito de demonstrar que o Sistema Prisional é parte integrante dos setores de segurança pública, compreendendo-o não é apenas como um espaço de confinamento (confisco da liberdade individual), mas como parte central das ações governamentais inerentes à segurança.
Nesse contexto, a presente pesquisa busca contribuir com o tema, trazendo à luz das discussões a demonstração sobre a importância da sinergia entre os que compõem a Segurança Pública, constitucionalmente elencados no artigo 144 e a inclusão do Sistema Prisional nesse rol, o que de fato já traduz a realidade contemporânea, a exemplo do Projeto de Emenda Constitucional – PEC /308/04, que ora tramita no Congresso Nacional.
Portanto, ao apresentar esse estudo, objetiva-se demonstrar a necessidade da integração do sistema prisional na eficácia da gestão de Segurança Pública por meio de uma política de diálogo e de simbiose entre os Órgãos.
Será alvo também desse estudo, dentre os diversos capítulos, a atuação dos servidores do sistema prisional, analisando os aspectos funcionais e as posições doutrinárias sobre o assunto, bem como uma análise de dados de questionário aplicado às Autoridades que ora Administram (gestores) o Sistema Prisional do Estado da Bahia, a fim de identificar suas concepções acerca do tema. Tópicos que evidenciarão ao estudo o reconhecimento da importância do sistema prisional na gestão de Segurança Pública, identificando os fatores que propiciam ou impedem a integração do sistema prisional aos órgãos de segurança pública, facilitando a análise dos aspectos negativos pela falta desta integração, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de uma gestão pública integrada ao sistema prisional.
A pesquisa foi norteada pelo método dedutivo, que consistiu na formulação de questões especificas a partir de dados gerais (HENDRIKSEN, 1999, p.20), ou seja, parte da análise de dados gerais para o especifico, realizada com o enfoque metodológico centrado na pesquisa bibliográfica, utilizando amplamente o método qualitativo, aonde se buscou o direcionamento para se discutir o tema, e ao final responder se a gestão de segurança pública está integrada com o sistema prisional.
Ante ao exposto, fica evidenciado a relevância social e científica desse estudo, pois não só trará a lume as discussões sobre a integração do Sistema Prisional aos demais Órgãos de Segurança Pública, como também à implementação da Gestão com vistas em ações desenvolvidas, integradas e contínuas por estes Órgãos, bem como sob essa ótica a reformulação dos pilares que abrangem o jus puniendi. Com essa integração visa-se garantir a eficácia da execução da pena, num
plano de Gestão de Segurança Pública aplicada, acima de tudo, na recomposição dos indivíduos infratores à categoria de cidadão.
1 BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
1.1 PANORAMA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO MUNDO ANTIGO
Estudar sobre a formação das instituições que compunham a segurança no país, perpassa, sobretudo, de uma visão desarticulada e com ênfase da formação de uma força policial, o que não foi diferente desde os primórdios dos tempos no mundo.
Para se ter uma idéia, na antiguidade, a segurança estava ligada ao termo Polícia que tem suas origens na Grécia antiga, e está associado as polis grega na sua forma de administrar e governar as cidades -estados.
Segundo Faustino (1999) num mundo cercado por invasões constantes, efervescente comércio e com assimilação dos costumes, o termo “Politeia” , vai sendo construído em outras civilizações, e assim deriva para o latim no termo politia, que inicialmente contém o mesmo significado grego, ou seja tratava - se da administração civil ou pública dado como ato a aqueles que tinham autoridade civis, sendo posteriormente adotado a palavra “Police” e com ela um novo significado se agrega, o da ordem civil de segurança, que vai influenciar nas formações do termo no mundo ocidental, atravessando o atlântico e chegando ao Brasil.
1.2 A FORMAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
Em que pese os conflitos intensos entre o que poderíamos chamar de “emergentes potências” européias, dos séculos XV e XVI mais precisamente Portugal e Espanha pelas disputas de novas terras, a coroa portuguesa, institui na América ultramarina um sistema de segurança, ligado a defesa de suas terras, em que estabelecia que a responsabilidade de defesa externa do território e dos levantes internos, estavam a cargo de seus donatários, que tinham amplos poderes, inclusive com leis que divergiam da própria corte, pois se tratava de um país com “ incivilizados” principalmente.
A Coroa portuguesa ao empreender o seu projeto de ocupação de suas novas terras além do mar, mais precisamente o Brasil, tinha nessa colônia um grande desafio, em manter a ordem interna e
externa.
Adotando a forma de ocupação por exploração, as forças portuguesas encontram resistências internas, primeiramente pelos índios e depois pelos próprios portugueses, que em sua grande maioria eram os degradados em terras lusitanas, que aqui se estabeleceram em troca de perdão de seus crimes, para colonizar essa nova terra, faziam do Brasil um cenário de degradação e instabilidade social.
Pressionado também pelas iminentes invasões externas de outras potências que empreendiam as grandes navegações, o governo português resolve criar um sistema de administração, povoamento
e segurança, e com isso inaugura a primeira capital do Brasil, na Bahia elegendo o primeiro Governador Geral do Brasil – Tomé de Souza, em 1549, conforme se constata no Regimento de Tomé de Souza de 1548, assim denominado pelo Rei de Portugal, conforme trecho extraído:
Eu o Rei faço saber a vós Tome de Souza fidalgo [...] e meu é conservar e enobrecer as capitanias e povoações das terras do Brasil e dar ordem e maneira com que melhor e mais seguramente se possam ir povoando para exalçamento da nossa Santa Fé e proveito de meus reinos e senhorios e dos naturais deles ordenei ora de mandar nas ditas terras fazer uma fortaleza e povoação grande e forte em um lugar conveniente para daí se dar favor e ajuda às outras povoações e se ministrar Justiça e prover nas coisas que cumprirem a meu serviço e aos negócios de minha fazenda e a bem das partes e por ser informado que a Bahia de Todos os Santos é o lugar mais conveniente da costa do Brasil para se poder fazer a dita povoação [...] que na dita Bahia se faça a dita povoação e assento e para isso vá uma armada com gente artilharia armas e munições e todo o mais que for necessário.
Para cuidar da segurança pública e dos interesses de Portugal na colônia, há um deslocamento de cerca de 600 homens de Portugal chamados de “Tropa de Elite” tendo em vista a sua formação ser composta por nobres e colonos, dando origens ao que mais tarde equivaleria ao Exército.
No entanto pelo tamanho territorial, as adversidades, os conflitos, os assaltos, roubos, estupros e mortes na colônia, esse efetivo era insignificante, sendo necessário a adoção de novas medidas.
O então governador geral, ainda sob ordem do Regimento Português estabelece na colônia a sua segurança através do armamento entre os capitães das capitanias e senhores de fazenda e engenho:
Porque para defensão das fortalezas e povoações das ditas terras do Brasil é necessário haver nelas artilharia e munições e armas ofensivas e defensivas para sua segurança hei por bem e mando que os capitães das capitanias da dita terra e senhorios dos engenhos e moradores da terra tenham a artilharia e armas.
Essa solução de armar a população, na prática criava mais ainda a insegurança na colônia, pois registra - se que muitos conflitos eram demandados entre os fazendeiros ou pelos colonos, que armados determinavam o poder e agiam de forma descontrolada e autônoma.
1.2.1 As milícias no Brasil
As milícias são instituições que se registram a sua formação, já em Portugal, como força de segunda linha em casos de guerras e que segundo o jornalista e escritor Eduardo Bueno (2006) a formação das milícias no Brasil também teve como objetivo, uma força auxiliar a tropa de elite e à segurança do país.
Era organizada pelos senhores de engenho e donatários em atendimento ao Regimento de Tomé de Sousa, sendo o seu serviço obrigatório e gratuito, as armas eram próprias e sua formação de brasileiros, estes já nascidos no Brasil, eram escolhidos pela população local. Tinham permissão do governador para atuar isoladamente ou em grupos, estes últimos é que a partir do ano de 1600 que dará origem a Policia Civil no Brasil.
Ainda segundo Eduardo Bueno (2006) estes homens escolhidos eram divididos em diversos cargos, dentre os mais importantes da época encontramos registros dos oficiais de justiça, denominados de alcaides; os que ocupavam o cargo de quadrilheiros que dispunham de 20 homens sob o seu comando, eram os responsáveis pelas prisões dos malfeitores da colônia e ainda contavam com a estrutura de segurança do período colonial com o cargo público. Pouco prestigiado os capitães do mato, formavam outro grupo, em sua grande maioria eram negros alforriados que conheciam a zona rural e por isso inicialmente seriam os responsáveis pela ordem na zona rural, no entanto com as crescentes fugas dos escravos e pela paga dos fazendeiros para a captura dos fugitivos, os capitães do mato se tornaram figuras lendárias pela sua truculência e violência que praticavam pelo interior do Brasil.
Também no Brasil, tivemos como proposta de segurança, as ordenanças, que eram na realidade organizações policiais de alistamento obrigatório, seguia padrões militares, fazendo a vigilância e a defesa no caso de calamidade pública, eram regidos por um Regimento devido a sua criação ter se dado pelo Regimento das Ordenanças e dos Capitães-mor. Seus comandantes eram escolhidos pelo Rei e recebiam o título de Capitão-mor ou sargento-mor, só deixando de existir quando, mas tarde, foram criadas as forças policiais.
Mas Portugal tinha um braço direto na questão da segurança do Brasil, através do cargo criado por D. João I, em 1760, de Intendente Geral de Policia da Corte e do Reino, sediado na metrópole, e para controlar as atividades de segurança no Brasil tinha os seus auxiliares que eram os delegados e subdelegados. Dentre as suas atribuições estavam o de policiamento nas ruas, captura de criminosos e a investigação dos crimes. Pela falta de definição das atribuições entre os poderes, o raio de atuação do Intendente era amplo e alcançava até mesmo as esferas do judiciário, pois ao Intendente também competia determinar as prisões, a condenação, o julgamento, determinava o que era crime, a soltura, e ainda a supervisão do cumprimento da pena.
É mister relatar que, nesse período, a colônia sofria as influências da recente revolução francesa (1789-1799) e que aqui encontrava berço entre os brasileiros que já cansados de tanta exploração, viam nos ensinamentos da Liberdade, Igualdade e Fraternidade a bandeira para a libertação do jugo português, e para o Rei de Portugal era essencial que fosse sufocado qualquer tentativa de rompimento com os laços da metrópole, então a segurança do país, estava nas mãos desses delegados e subdelegados que faziam as vezes de olhos e ouvidos do rei, praticando as investigações necessárias para coibir os ideais liberais no Brasil.
Dessa forma com o objetivo de pôr ordem na colônia, de abafar qualquer tentativa de rompimento com Portugal e se precaver contra espiões nasce no Brasil o primeiro embrião da formação da Segurança Pública com caráter de reprimir os seus cidadãos.
1.2.2 A vinda da Família Real e constituição de um projeto de Segurança Real no Brasil
Com a chegada de D. João VI ao Brasil, fugindo das forças francesas de Napoleão Bonaparte, em 1808, e sendo necessário que se tivesse aqui, na Colônia uma segurança para a família real além da proteção da colônia e a fiscalização aos estrangeiros, aos estabelecimentos, é baixado pelo rei através do Alvará de 10 de maio de 1808 no Rio de Janeiro, agora nova sede da capital do Brasil, a criação da Intendência Geral de Policia da Corte e do Estado do Brasil, considerado como marco da constituição não só da Policia Civil no Brasil como também de um novo projeto de segurança para o país.
Em 1810 agrega-se o cargo de comissário de polícia e é iniciado o processo de uma nova estrutura, que seria vista como Polícia Judiciária Brasileira, o qual no período do império teve a frente os delegados do chefe de polícia.
Em 1830 o Código Criminal do Império do Brasil estabelece que em cada província da corte deveriam ter um chefe de polícia, o qual teria como seus auxiliares delegados e subdelegados, estes teriam também atribuições próprias de magistrado, como nos casos da concessão de fiança, de julgar crimes comuns e de promover a expedição de mandados de busca, como forma de manter a segurança pública no país.
Com a vinda do ano de 1871, as funções judiciais ficaram estritamente aos cuidados dos juízes, sendo somente restringindo ao sistema de segurança, a apuração de infrações penais, prisões e a manutenção da ordem pública.
Com a Proclamação da República Brasileira a segurança pública foi efetivamente instituída e passou a ser organizada não só por cada Estado, mas paralelamente, com as divisões de competência das esferas federal e municipal, pois o país se organizava sob o manto da república. Tem-se por exemplo, com a Constituição do Estado da Bahia em 1891, através do seu art.128 o surgimento da polícia administrativa e judiciária, sendo este caráter fortalecido até os dias de hoje.
2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CAPÍTULO III - ARTIGO 144 – DA
SEGURANÇA PÚBLICA
Conforme descrito na introdução dessa pesquisa, alguns artigos constitucionais foram compostos no calor das discussões daquela época em que vários grupos sociais clamavam por mudanças pós - regime militar. Muitos avanços foram alcançados saciando os reclames populares, fatos que, até hoje, são festejados pela nossa sociedade.
No entanto o Capítulo III no artigo 144 da Carta Magna, manifesta a vontade do legislador pátrio acerca da Segurança Pública e, conseqüentemente, dos interesses da coletividade, mas não se pode olvidar de algumas situações que não puderam ser implementadas naquela ocasião, que agora são necessárias, novas ecoerentes discussões.
Dito isto, percebe-se que o momento era de aglutinações de forças na busca das aprovações mais gerais que atendesse aos anseios da sociedade, ou seja, não havia as condições necessárias para resolver todas as demandas da coletividade e de grupos sociais com diversos pontos de pauta na ordem do dia.
Nessa linha de argumento, a Carta Magna fora constituída, mas diversas emendas constitucionais já foram materializadas ao longo dos anos objetivando atender a novos reclames sociais. De certo, é que a sociedade clama por mudanças efetivas, pois o país vem se consolidando pela égide da democracia e, portanto, garantidora da ordem pública para o bem estar social de todos.
Assim, Alexandre Moraes na apresentação da obra de Roberto Porto (2009) enfatiza sobre a necessidade de um entrosamento entre os órgãos: A população exige maior entrosamento dos diversos órgãos governamentais no combate à criminalidade organizada, impunidade e
corrupção, e, conseqüentemente, há a necessidade de maior união dos Poderes Executivo (Ministério da Justiça e da Fazenda e Polícia Federal) e Judiciário, bem como do Ministério Público, tanto no âmbito federal quanto no âmbito estadual.
Tratar sobre a integração do Sistema Prisional numa perspectiva de Gestão de Segurança Pública nos permite realizar uma verdadeira incursão histórica que compõem o cenário de segurança pública brasileiro desde a implementação de políticas públicas, até as estruturações organizacionais.
Assevera ainda Alexandre Moraes na sua apresentação, sobre as benesses de se investir na cooperação entre as forças policiais e judiciais, senão vejamos:
O grande desafio no combate à criminalidade organizada é a necessidade dos Poderes Públicos investirem na cooperação policial e judiciária entre as diversas esferas, com a adoção de padrões instrumentais de combate às organizações criminosas, buscando a diminuição drástica e necessária da corrupção e da impunidade; bem como a efetividade do cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada.
Vê-se que a Segurança Pública não pode ser entendida apenas como obrigação do Estado ou com ações que se reduzam a mero policiamento. Mas entendê-la como algo bem mais amplo, que engloba a participação social e o comprometimento de todos, assim nos demonstra o seguinte autor:
[...] cada vez mais a sociedade brasileira tem compreendido que segurança pública não corresponde a um problema necessariamente de polícia, mas a um dever do Estado e uma responsabilidade coletiva. As medidas nessa área demandam ações complexas e articuladas entre instituições, sociedade e distintas esferas do poder público. (gn) (TEIXEIRA, 2005, p. 5).
Percebe-se na citação acima que há uma preocupação constante de articulação entre os órgãos que compõem o Estado de Defesa Social, o que demonstra a integração dos órgãos de Segurança Pública, donde se conclui pela necessidade de inserção do sistema prisional no contexto da Gestão de Segurança Pública.
Neto (2005) sustenta que a segurança pública deve ser compreendida como um conjunto de atividades desenvolvidas pelo Estado, em parceria com a sociedade, com objetivo de criar ações e oferecer estímulos positivos para que os cidadãos possam conviver em paz entre si.
Nota-se que a citação do autor está em sintonia com diversas ações de Gestão em Segurança Pública, a exemplo do Programa do Estado da Bahia – Pacto Pela Vida e, conseqüente criação da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização, na busca pela socialização do indivíduo e outros aspectos inerentes à execução de pena.
Corroborando com essa sustentação, Rocha (2005) nos ensina que: Segurança pública é uma forma de política pública estatal, que envolve diversas outras políticas públicas em sua aplicação, entre elas, educação de qualidade para população, urbanização regular das cidades, mercado de trabalho satisfatório para os trabalhadores, oferecimento em abundância e de qualidade de cultura, esporte e lazer para juventude, em fim, uma série de ações que se destinam ao respeito aos direitos humanos da população, que uma vez ofertadas refletem em tranqüilidade social.
Sendo então a Segurança Pública uma atividade desenvolvida pelo Estado que envolve diversos fatores, que vão muito além da ação da Polícia ou confinamento, entende-se então que o sistema prisional pode contribuir para o controle e a prevenção da criminalidade e violência em diversos aspectos, desde a socialização do indivíduo até a eficácia da gestão de segurança pública.
Porto (2009), também nos ensina sobre a importância de entrosamento entre os órgãos:
[...] a necessidade de maior cooperação e entrosamento dos órgãos responsáveis pela execução da pena e trata de questões importantes e complexas, como a necessidade de uma política penitenciária que diminua o déficit de vagas nos presídios brasileiros, cuja população carcerária é a maior da América Latina; como a necessidade de estabelecimento de regimes diferenciados para os líderes do crime organizado, que concretizem a integral aplicação da legislação, sem contudo permitir qualquer desrespeito à dignidade da pessoa humana; como a necessidade de por fim à ociosidade dos presidiários, ocupando-os com funções que possam, ao mesmo tempo, mantê-los ocupados e garantir uma atividade para os egressos. (PORTO, pref. In: MORAES, 2009)
Como bem pode se observar no texto acima, o autor demonstra a necessidade de cooperação e entrosamento dos órgãos responsáveis pela execução da pena, objetivando minorar as demandas carcerárias em prol de um sistema de segurança pública capaz de cumprir com o seu papel social.
Depreende-se, portanto, que o Sistema de Segurança Pública deva estar integrado à consecução das demandas sociais, ou seja, um Poder Público forte, afinado entre si, organizado em suas estruturas administrativas, em que cada ente possa desenvolver o seu mister; um cooperando com o outro na medida de sua expertise, buscando os resultados comuns e, sobretudo, o bem estar social tão perseguido pelos órgãos que integram a Segurança Pública do Estado.
3 ÓRGÃOS INTEGRANTES DA SEGURANÇA PÚBLICA ELENCADOS NO ARTIGO 144 DA CF.
O artigo 144 da CF/88 está inserido no Capítulo III da Segurança Pública, advindo da EC nº 19/98, que dispõe sobre os órgãos que a integram:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Mas, para melhor compreender os papéis de cada Instituição elencada no artigo 144 da CF/88, e a correlação do tema acerca da inclusão do Sistema Prisional, nos parágrafos seguintes, há uma descrição de suas funções publicas, in verbis:
No parágrafo primeiro é dedicado á Policia Federal:
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV – exercer com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Nos parágrafos segundo e terceiro dispõe sobre as policias rodoviárias e ferroviárias no âmbito federal:
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
Já os parágrafos quarto, quinto e sexto é destinado as policiais de competência no âmbito estadual e do Distrito Federal, destinando os seus papeis:
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º As polícias militares e corpus de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exercito, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
E no parágrafo oitavo a Constituição Federal transfere a competência aos municípios para a criação das Guardas Municipais e também elenca o seu papel de proteção dos bens, serviços e instalações do ente federativo.
§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinados à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
Na esteira desse raciocínio, nota-se que o legislador constituinte elenca em seus diversos parágrafos, uma série de atribuições, que são afetas às polícias Federal, civis, militares, corpo de bombeiros militares e guardas municipais, formando o bloco do Sistema de Proteção Social vislumbrado pelo artigo 144 da Carta Magna.
Nesse diapasão, entende-se que a inclusão do Sistema Prisional no Capítulo da Segurança Publica, integrando-o aos demais órgãos, não se acha estranho a concepção única de Defesa Social, pois não de pode conceber que um setor que presta relevante serviço público, que comporta significativa parcela dessa sociedade (aqueles que infligiram as leis) possa continuar desprovido das políticas de Segurança que volve o Estado Brasileiro, ou tímidas reformas no campo federal que, indubitavelmente, com a implantação dos presídios federais pode, num foco específico, atenuar alguns problemas existentes.
É preciso dizer que novas facetas sociais no ramo prisional impõe ao Legislador pátrio uma postura concatenada com a ordem vigente, que seja capaz de buscar as soluções exeqüíveis para as demandas desse sistema, malgrado de ações experimentais sem sucesso.
Consubstanciado com o tema, assevera o Coronel e Prof. Meireles:
O virtual sistema prisional brasileiro não está falido, mas, sim, preterido, desarrumado, desconsiderado, abandonado. O atual arranjo desagrada detentos, funcionários e sociedade.
Os primeiros reclamam, às vezes sem muito eco, de condições subumanas de instalações e de tratamento e promovem rebeliões, para que venham à mídia e possam ser vistos pela sociedade, eventuais abandono e degradação localizados. (MEIRELES AMAURI, 2007, pg.122)
Ainda Argumenta: A legislação fala, e muito do sistema penitenciário brasileiro. Entretanto, não existe um sistema propriamente dito, mas órgãos e entidades estanques, alguns até realizando ótimos trabalhos, ainda que isoladamente. Mesmo se houvesse sistema, deveria ser sistema prisional, visto que a Lei de Execução Penal (LEP) considera a penitenciária como um dos estabelecimentos penais. (MEIRELES AMAURI, 2007, pg.122)
Depreende-se do festejado autor a necessidade emergente de transformações capazes de atender ao clamor Institucional que foram despercebidas pelo constituinte, ou que surgiram com o decorrer do tempo e das transformações sociais.
Corrobora ainda nesse pensamento o autor ao defender a discussão da PEC 308/04: Finalmente, a discussão da PEC – 308 mostra, residualmente, o péssimo arranjo do art. 144 da nossa Constituição. Por ora, o reconhecimento normativo da Polícia Prisional permitirá aos Estados darem tratamento
efetivamente profissional à atividade com positivos reflexos no ambiente de segurança social.
Deixar de fazer, ou fazer mal feito, tem provocado inúmeros desastres em nosso país. Eis aí uma boa oportunidade para se afastar um apagão prisional. (MEIRELES AMAURI, 2007, pg.132. gn)
Vê-se que o autor faz considerações acerca do artigo 144 ora estudado, mas, sobretudo, aponta a PEC 308/04 como um projeto viável à consecução e atendimento da dinâmica prisional, tópico que será abordado nessa pesquisa.
4 SISTEMA PENITENCIÁRIO, UM BREVE PANORAMA DO SEU PAPEL
PRISIONAL
4.1 BREVE HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA PENA E DA PRISÃO
Em que pese alguns resquícios de sanções em períodos históricos anteriores, a exemplo do Código de Manu da Índia, prova de Ordálio, no Egito, juízo de Deus, os povos bárbaros (germanos) a Lei da XII Tábuas do Direito Romano etc, mas é com o Código de Hamurabi que a punição começa a aparecer.
Já com o surgimento do Direito Canônico, e o poder inegável da igreja, o delito era visto como um pecado contra Deus, a igreja passou a ter um poder absoluto. As penas tinham um caráter de reconciliação com o divino, eram aplicadas com censura, excomunhão, trabalhos forçados e outros meios de torturas para se obter a confissão, além das mortes de pessoas queimadas na fogueira, período da inquisição.
Assim, a pena aplicada no início da Idade Média tinha a visão de segregar o pecador, expiar o mal, obter penitência.
O Professor Bitencout, assim nos ensina (2006, p. 44) O Direito Canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão moderna, especialmente no que se refere às primeiras idéias sobre a reforma do delinqüente. Precisamente do vocábulo .penitência., de estreita vinculação com o Direito Canônico, surgiram as palavras .penitenciário. e .penitenciária.. Essa influência veio completar-se com o predomínio que os conceitos teológicos-morais tiveram, até o século XVIII, no Direito Penal, já que se considerava que o crime era um pecado contras as leis humanas e divinas.
É importante ressaltar que até o ano de 1340, eram encontradas na legislação portuguesa resquícios da vingança privada, salientando que esse direito era positivado nas leis visigóticas, ou seja, revindicta transmitido aos herdeiros como forma de retribuir o mal causado. Essa forma de punir só foi abolida com a vitória política de D. Afonso IV, que fez importantes modificações nas leis vigentes para banir as crueldades da época.
No Brasil, após a chegada dos portugueses, constatou-se que não tinha
nenhum direito escrito, as relações se davam pelos costumes e tradições, sendo raras as formas de coações para repara o .mal.. Assim, durante toda metade do século XIII até o século XV, leis importantes foram aprovadas em Portugal, tendo forte influência nas legislações brasileira.
Nessa época, a classe dominante punia com rigor as pessoas que
transgrediam as leis constituídas formuladas pelo príncipe, e com esse pensamento era de toda a Europa ocidental, onde a pena era aplicada de forma desproporcional ao delito, com requintes de dor e crueldade, fatos que mais tarde, inspirado na obra de Césare Beccaria, o filósofo francês, Michael Foucault, vem abordar com muita propriedade em sua obra Vigiar e Punir.
Becaria assim nos traz em seus ensinamentos (1997, p.31): O suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento. Mas não é só: esta produção é regulada. O suplício faz correlacionar o tipo de ferimento físico, a qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nível social de suas vítimas.
Assim nos ensina o filosofo Foucault(1997, p.42):
[...] Se a reparação do dano privado ocasionado pelo delito deve ser bem proporcionada, se a sentença deve ser juta, a execução da pena é feita para dar não o espetáculo da medida, mas do desequilíbrio e do excesso; deve haver, nessa liturgia da pena, uma afirmação enfática do poder e de sua superioridade intrínseca. E esta superioridade não é simplesmente a do direito, mas a da força física do soberano que se abate sobre o corpo de seu adversário e o domina: atacando a lei, o infrator lesa a própria pessoa do príncipe: ela – ou pelo menos aqueles a quem ele delegou sua força – se apodera do corpo do condenado para mostrá-lo marcado, vencido, quebrado.
Todavia, só com o surgimento das ordenações Manuelinas e Filipinas, nos anos 1600, vigorou no Brasil a parte criminal, e só bem mais tarde, em 1830, com o advento do Código Criminal do Império, essa situação de justiça privada e vingança foi aos poucos banida. Nesse período, muitas atrocidades aconteceram a exemplo da morte de Tiradentes, que fora acusado de crime de lesa-majestade, tendo sido enforcado e seu corpo mutilado e exposto para o público nas redondezas de Vila Rica, em Minas Gerais.
Foucault ainda relata (1997, p.43): Esse cerimonial meticuloso do suplício era de uma maneira muito explícita, não só judicial, mas militar. A justiça do rei mostrava-se uma justiça armada, uma justiça de guerra. O gládio que punia o culpado era também o que destruía os inimigos. Não importa quão atroz tivesse sido o crime cometido, o poder soberano do rei sempre poderia anulá-lo por meio de um excesso, uma atrocidade maior. Não havia crime em suspenso, na medida em que, do lado do poder encarregado de responde ao crime, sempre havia um excesso de pode capaz de anulá-lo. É por isso que, diante de um crime atroz, o poder nunca precisava recuar ou hesitar: uma provisão de atrocidades intrínseca a ele lhe permitia absorver o crime.
Beccaria ainda nos ressalta (1997. p.62): Qual a finalidade política da pena, o medo dos outros que juízo devemos fazer, então das carnificinas secretas e privadas que o uso tirânico outorga tanto ao culpado quanto ao inocente?
Nota-se que até o século XVII não existia prisão como pena, as sanções sociais tinham o caráter do espetáculo, em que o condenado era destruído pelo soberano como sinônimo de poder, por meio de excessos e atrocidades ao corpo, prevalecendo as ordens do monarca.
Dito isso, o mundo pós situações de conflitos sociais, guerras, batalhas sangrentas, dogmatismo religioso, passa a encarar a prisão como sanção social em que o indivíduo infrator reflita sobre suas atitudes, direcionando as penas sob a égide dos Direitos Humanos, principalmente sob os pactos internacionais em que exige-se dos Estados signatários uma atenção mais redobrada para garantir e
prevenir que atrocidades não aconteçam na prisão, além do tratamento humanitário a fim de atingir a socialização do custodiado, dando o início às punições, agora, com o caráter de prisão reflexiva ao indivíduo.
Dessa forma, o autor traz a baila o seguinte ensinamento que coaduna com a discussão em voga: [...] propôs o isolamento dos presos durante a noite, que cada um poderia dormir isolado do outro, e que o silêncio favorecia a reflexão e o arrependimento, porém sem ser partidário do isolamento absoluto. Difundiu a religião como mecanismo de reforma moral. Com ele nasce o chamado penitenciarismo que humanizava as prisões e coloca como fim de pena privativa da liberdade a reforma e a melhora dos detidos [...] (HOWARD apud SENA, 2011).
O que se extrai é que a pena sempre foi idealizada para segregar o individuo infrator e suprimir sua liberdade, sem contudo pensar no retorno social, que após o cumprimento de sua pena, este possa ser integrado à sociedade, sem estigmas ou preconceitos.
4.2 OS MODELOS DE PENITENCIÁRIA - UMA VISÃO INDIVIDUAL E
DESARTICULADA DE UM PROJETO DE GESTÃO SOCIAL
A denominação .Penitenciária. surgiu na Pensilvânia, como os novos modelos dos edifícios destinados a prisão dos reclusos. Nesse ínterim, surgem os modelos de estruturação e administração carcerária, a saber: modelo Pensilvânico, modelo Auburniano e modelo Progressivo.
As principais características do modelo Pensilvânico eram o isolamento dos reclusos e o trabalho individual nas celas, vedado a comunicação entre os presos. Segundo Mayrink (apud SENA, 2011):
[...] a base do sistema pensilvânico era isolamento na cela com trabalho no seu interior e as únicas pessoas que podiam visitar os detidos eram o diretor, os guardas, o capelão e os membros das sociedades de Filadélfia para ajuda aos presos. A única leitura permitida era a Bíblia, não podendo receber ou escrever cartas e só o trabalho rompia a monotonia do sistema [...].
No que toca ao modelo Alburniano, este se diferenciava do modelo Pensilvânico no aspecto do trabalho realizado em grupo, mas, sem ser permitida a comunicação entre os presos, isolando-os a noite. O sistema progressivo permitia que o preso, gradativamente, galgasse melhores condições na execução da pena, podendo o mesmo atingir o estágio de um cumprimento menor da pena aplicada, progredindo do isolamento celular para o trabalho em grupo, o que culminaria na melhoria de sua condição dentro do presídio.. (MAIA et al, p. 15, 2009).
No Brasil o surgimento da prisão enquanto pena aplicada iniciou-se com a Proclamação da República, trazidas tais transformações positivadas no Código Penal de 1890, com a prisão celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar, espécies de pena restritiva de liberdade. (SENNA, 2009).
No entanto, uma análise sobre as prisões no Brasil conta ainda com pouco material sobre o tema. Segundo Maia (2009, p.21) .a maior parte da produção brasileira sobre a história da prisão vem sendo realizada nos cursos de pós-graduação do país..
Nesse sentido, A Casa de Correção em Porto Alegre, no século XIX, foi construída no momento de transição acerca dos modelos de edifícios públicos destinados a reclusão, de forma que combinada na sua estrutura .o moderno e o tradicional, o liberalismo e a tradição escravocrata. (SILVA, apud, MAIA, 2009, p.22). Carlos Eduardo Moreira (apud MAIA, 2009, p. 23) traz na sua dissertação de mestrado, uma abordagem do sistema prisional no Estado do Rio de Janeiro do século XVIII, acerca dos escravos prisioneiros, forçados a trabalhar nas obras públicas, o que simbolizava uma dupla penalidade sobre o bem jurídico liberdade.
Ainda sobre o Rio de Janeiro, nos fala Paloma Fonseca Siqueira (apud MAIA, 2009, p. 26-27) sobre as presigangas, navios destinados a prisão em 1808 e 1831:
A ponta do iceberg que compreendia prática antigas e de longa duração, que percorreram séculos para neles serem atualizadas, em um contexto muito específico, o do processo de independência do Brasil. Dentre as práticas antigas, o trabalho forçado e a punição corporal fizeram desse navio-presídio uma receptáculo, uma arca que agregou signos antigos que diziam respeito à punição legal.
Conclui Siqueira que: [...] se no passado a presiganga era uma embarcação que servia como prisão, hoje, por ocasião dos festejos dos duzentos anos de chegada da família real portuguesa ao Brasil, serve para pensar sobre permanências e rupturas nas práticas de punição na história.
A Casa de Prisão com Trabalho de Salvador surge no século XIX, segundo escólio de Cláudia Maria Trindade (apud MAIA, 2009, p. 24). Clarrisa Nunes Maia (apud MAIA, 2009, p. 25) aponta a Casa de Correção de Recife, também datada do século XIX, como parte do arquétipo estatal de vigilância, voltado para classes sociais consideradas perigosas. .O indivíduo era mandado à Casa, onde deveria cumprir a pena, de acordo com o tipo e intensidade do delito cometido, e de lá sair
corrigido e morigerado.
Percebe-se que as casas ou instituições destinadas ao recolhimento de prisioneiros tinham por escopo isolar aqueles que de certa forma atentavam contra a segurança pública, paz social, ou algum conceito similar a desordem política. Vale dizer, que as unidades prisionais modernas possuem a mesma essência das casas de correção e trabalhos forçados criadas no Velho Mundo, numa visão desarticulada e com a única finalidade de servir como depósito dos que transgrediram a lei, sem no entanto articular com as demais instituições a sua inserção no projeto de gestão de segurança pública.
4.3 O HOMEM, O MEIO SOCIAL E O SISTEMA PENITENCIÁRIO E A SUA INFLUÊNCIA NO PROJETO DE GESTÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA.
Os que estão privados de estabelecer plenamente os contatos, que outrora se constituíam, sem a vigilância estatal, diante de uma nova realidade que lhes apresenta, tende a produzir um novo arquétipo significativo, principalmente, entre os pares que estão em situação similar de privação, com reflexos diretos e/ou mediatos na sociedade.
Segundo Costa (2005, p.19) .... o homem será um empreendimento de seu grupo social..
No mesmo sentido, Berger e Luckman:
[...] a socialização primária é a primeira socialização que o indivíduo experimenta na infância [...] A socialização secundária é qualquer processo subseqüente que introduz um indivíduo socializado em novos setores do mundo objetivo da sociedade.. (BERGER E LUCKMAN, 2002, p.73).
Costa (2005, p.19-20) afirma que o meio político ou social tem grande influencia na construção subjetiva do homem:
Enquanto o corpo se desenvolve e cresce, em permanente interação com o meio, o eu humano se forma. Sua identidade subjetiva vai sendo definida, não se podendo compreender o organismo e o eu à parte do específico contexto social em que se desenvolveram. Assim, a ordem social, produto da atividade humana que precede ao nascimento do indivíduo, fornecerá a direção de seu desenvolvimento orgânico, intelectual e psíquico. Estabelecerá padrões específicos de condutas.
Os modos, técnicas e estrutura social com que se apresentam estas representações políticas produzem uma forma de conhecimento empiricamente perceptível no quotidiano das prisões, doravante, denominado de instituição total, segundo o escólio de Goffman - conceito que será adotado neste capítulo - que pode ser aplicada nas variadas concepções de estudos que se tenham como farol a segurança publica ou alguma vertente criminológica.
Para Goffman (2008), a instituição total tem a característica essencial de ser um espaço em que o regime de confinamento é aplicado com o objetivo de dificultar a comunicação com o meio externo, onde as atividades são desenvolvidas dentro uma estrutura disciplinada e sob a égide de uma autoridade.
As principais características das instituições totais são: em primeiro lugar, todos os aspectos da vida do condenado são realizados no mesmo local e sob uma autoridade única; em segundo lugar, todos os atos da atividade cotidiana são executados diante de um grupo de pessoas razoavelmente grande, sendo as pessoas tratadas de uma maneira padrão; ademais, todas as atividades são rigorosamente estabelecidas em horários e seqüenciadas, de forma a se encadearem de maneira aparentemente racional; por derradeiro, as atividades obrigatórias são projetadas para atender aos objetivos oficiais da instituição.(GOFFMAN, 2008, p.17-18).
É mister uma análise conjuntural das sociedades que se formam nas prisões, e, principalmente, as espécies de relações que são construídas e de que forma a instituição total, unidade prisional, influencia para que este conjunto significativo se estabeleça como produção cultural. Essa relação social termina por envolver a sociedade extramuros com já vimos em muitos episódios que eclodiram nas prisões e refletiram diretamente na Segurança Pública.
Assim, conforme aduz o autor, a prisão representa (Oliveira. p. 62):
a) não serve para o que diz servir;
b) oferece o máximo de promiscuidade;
c) neutraliza a formação e o progresso de bons valores;
d) estigmatiza o ser humano;
e) funciona como máquina de reprodução da carreira no crime;
f) introduz na personalidade a prisionalização da nefasta cultura carcerária;
g) estimula o processo de despersonalização;
h) legitima o desrespeito aos direitos humanos;
i) destrói a família do condenado
E, nessa linha de Raciocínio, enfatiza ainda o autor como deveria ser a Prisão:
a) proporcional à gravidade do crime e à culpabilidade do agente;
b) impulsora do senso de responsabilidade;
c) eficaz na defesa da sociedade;
d) reparadora do dano causado;
e) exemplar para todos;
f) tranqüilizadora dos homens de bem;
g) medicinal para o próprio delinqüente;
h) alicerce para o exercício sadio da cidadania;
i) caminho para a retomada dos sonhos na vida familiar e comunitária.
Uma importante análise recai sobre a forma como o indivíduo recepciona esta nova realidade que instituição total propicia, isto é, ocorre uma nova socialização, uma apreensão de códigos de condutas e linguagem, uma absorção de um novo contexto para o qual o individuo está sendo formatado.
Aparentemente as instituições totais não substituem algo já formado pela sua cultura específica; estamos diante de algo mais limitado do que a aculturação ou assimilação. Se ocorre mudança cultural, talvez se refira ao afastamento de alguma oportunidades de comportamento e ao fracasso para acompanhar mudanças sociais recentes no mundo externo. Por isso, se a estada do internado é muito longa, pode ocorrer, caso ele volte para o mundo exterior, o que já foi denominado desculturamento – isto é, .destreinamento. – que o torna temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida. .(GOFFMAN, 2008, p.23).
Nesse ponto, traça-se, neste capítulo, uma abordagem das facções criminosas das unidades prisionais brasileiras, as relações intra-prisionais, com esteio nas lições de Goffman, para assim, verificar a sua incidência na condução de políticas no campo da Segurança Pública e sua interação com o Sistema Prisional.
... Continua ...
(*)LUIS ANTONIO NASCIMENTO FONSECA - Assessor Especial da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização, agente penitenciário, doutorando em Ciencias Sociais e Especialista em Segurança Pública.