A Esquerda Militar na Guerrilha de Caparaó (1966 -1967)

Resumo

O presente trabalho irá abordar a história de um grupo da esquerda militar em resistência à ditadura militar brasileira (1964-1985), cuja organização se deu na região da Zona da Mata mineira, na divisa dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo: A Guerrilha de Caparaó (1966-1967). A organização da esquerda militar se estendeu por quase todo território nacional e teve como um de seus focos para atuação a Serra do Caparaó. Por se tratar de uma guerrilha cujos integrantes eram em sua maioria militares expurgados das Forças Armadas após o golpe de 64, o que busco neste trabalho é tentar entender as crises dentro da corporação militar, apresentando seus elementos históricos no período republicano e principalmente, ressaltando a Guerrilha de Caparaó.

Palavras-Chave: Guerrilha de Caparaó, Esquerda Militar, Ditadura Militar.

Abstract

This paper will address the history of a group of military resistance left the Brazilian military dictatorship (1964-1985), whose organization took place in the Zona da Mata region Minas Gerais, on the border of minas Gerais and Espirito Santo: The Guerrilla of Caparaó(1966-1967). The organization left the military spanned most of the country and had as one of its focuses for action Sierra Caparaó. Because it is a guerrilla whose members were mostly cleared from the military after the military coup of 64, what I seek in this work is to understand the crises within the military corps, with its historic elements in the Republican period, and especially emphasizing the guerrilla Caparaó.

Keywords: Guerrilla Caparaó, Left Military, Military Dictatorship.

Introdução

O presente trabalho abordará a história de um grupo guerrilheiro em resistência a ditadura militar e que apesar de sua importância na história atual ainda continua desconhecido do público brasileiro. Ocorrida entre os anos de 1966 e 1967 esta guerrilha foi, de acordo com alguns autores, o primeiro movimento armado em oposição ao governo militar, tal guerrilha ficou conhecida como: Guerrilha de Caparaó.

O artigo segue dividido em três tópicos. No primeiro tópico, denominado de “Ditadura Militar Brasileira”, procuro desenvolver um breve balanço historiográfico acerca do período compreendido entre os anos de 1964 a 1985. Busco, no entanto, me aprofundar na abordagem das diversas interpretações acerca da origem do golpe no início da década de 60, e os primeiros anos de regime militar. Já no segundo tópico a idéia é fazer uma análise histórica da “Esquerda Militar no Brasil”. O tema da esquerda militar se faz necessário quando tratamos da história política do Brasil contemporâneo. No tópico final deste trabalho o que procuro é descrever a organização da esquerda militar a partir da “Guerrilha do Caparaó” analisando a sua formação, atuação e queda.

1. Ditadura Militar Brasileira

A ditadura militar brasileira pode ser compreendida de várias formas e aspectos, havendo ainda muitas controvérsias sobre este período, que vai desde o golpe no ano de 1964 à instauração de um governo militar que perdurou por vinte e um anos (1964-1985). Como aponta alguns estudiosos deste período, existem diversas possibilidades de analisar a Ditadura Militar, pois as versões apresentadas são de sujeitos históricos que atuaram em lados opostos, sendo estes militares e civis que apoiaram o governo militar e grupos de resistência formados por diversos atores políticos como estudantes, operários, militares entre outros. Ainda sobre estes atores muito tem se recorrido a utilização da História Oral, pois infelizmente se encontra arquivado grande parte dos documentos referentes a ditadura brasileira.

Se não bastassem as inúmeras dificuldades encontradas para um maior esclarecimento dos motivos que levaram os militares a instaurarem seu governo e agirem da forma como agiram, não podemos generalizar o que chamamos de ditadura militar, pois havia civis envolvidos com o golpe e até mesmo com as repressões, assim como havia por outro lado militares que se negaram as ordens superiores da ditadura militar e se rebelaram contra sua própria classe que apresento neste trabalho como a Esquerda Militar brasileira, esta que teve atuação na história do Brasil desde o final do século XIX.

Portanto, não se pode falar em uma homogeneidade no que tange as interpretações acerca da ditadura militar brasileira, mas certo é, que uma das formas e representações mais importantes deste período foram os movimentos de resistência que passaram a ganhar representação social e política. Não por acaso entre estes grupos de resistência tivemos alguns grupos de militares expurgados com o golpe, como o grupo guerrilheiro de Caparaó.

Se analisarmos o contexto histórico da ditadura no Brasil veremos que este se deu em uma segunda metade do século XX conturbada, pois o mundo acabará de vivenciar a Segunda Guerra Mundial, e, portanto, os países envolvidos nesta guerra passavam por um momento de reestruturação, além da pressão que havia dos dois blocos que centralizavam o poder: o bloco comunista, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e o capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América (EUA). De um lado a URSS avançava em apoio aos países que se propusessem seguir suas orientações, assim também o fazia os EUA, portanto, este período foi marcado por um mundo bipolar e ficou conhecido historicamente como o período da Guerra Fria.

As primeiras décadas da segunda metade do século XX foram marcadas por uma seqüência de golpes de Estado na América Latina, sendo tais golpes proporcionados por militares. No Brasil não foi diferente e, na madrugada de 1° de Abril do ano 1964, um golpe militar mudaria a história social, econômica, política, cultural e religiosa brasileira. A partir deste dia o país começava a ser definido de forma autoritária e opressora. Este período ficou conhecido como “Regime Militar Brasileiro” ou “Ditadura Militar Brasileira”, e teve duração de vinte e um anos, compreendendo os anos 1964 a 1985, sendo marcado por uma história de lutas e confrontos diretos e indiretos.

A produção historiográfica recente sobre a ditadura militar se dá no contexto da chegada da “Nova História”, onde procura se enfatizar o indivíduo, seu cotidiano e suas emoções. Os estudos futuros sobre a ditadura militar ainda poderão causar um enorme impacto na sociedade, principalmente se tivermos a abertura de acervos referente aos documentos sigilosos do período da ditadura militar. Apesar de uma parcela de tais documentos já se encontrarem disponíveis dois grandes acervos ainda se encontram atualmente inacessíveis: do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e o do Serviço Nacional de Informações (SNI).

Movimentos em todo o Brasil de profissionais da área de História, e também de pessoas que se solidarizam com as questões dos direitos humanos vem mostrando empenho a favor da abertura dos arquivos da ditadura. Tal luta vem sendo realizada por diversos grupos sendo estes constituídos ora por familiares de presos políticos desaparecidos, torturados e mortos, ora por estudiosos do período como, por exemplo, historiadores e cientistas sociais.

Entre os estudos referentes à ditadura militar, sem dúvida um de grande importância é o realizado por Jacob Gorender, pois este faz o estudo geral da esquerda e da luta armada. Jacob acredita na existência de uma possibilidade da esquerda sair deste confronto como vencedora e enfatiza que “no pré-64 havia uma ameaça real à classe dominante brasileira e ao imperialismo” (GORENDER, 1987). Para esta afirmativa o autor traça duas razões para o golpe, a primeira acerca do capitalismo brasileiro e outra de caráter preventivo da ação, tendo em vista as reais ameaças revolucionárias da esquerda.

Daniel Araão Reis (1990) também defende a hipótese de que “o golpe veio a reforçar o capital internacional amparado por banqueiros, empresários, industriais, políticos magistrados, etc.”. Porém, para este autor, se a preparação do golpe foi de fato “civil-militar”, no golpe foi relevante o papel dos militares, podendo se falar de um golpe civil-militar, com implantação de um regime militar. O autor deixa a entender que é inegável a participação da elite no planejamento e execução do golpe, mas, porém, no governo militar são os próprios quem ditam as regras.

Nesta perspectiva de estudos acerca do papel dos militares no golpe e no governo militar, o que se direciona em sentido contrário a análise anterior, é a de Maria Celina D’Araújo, Gláucio Ary Dillon Soares e Celso Castro (1994) que defendem o golpe essencialmente militar, sendo este independente do apoio das classes médias e burguesas. Ressaltando que o golpe foi uma conspiração militar com apoio dos grupos econômicos e não o contrário. Interessante nesta obra é que os autores destacam as motivações dos militares para o golpe, que se apresentam em três grupos de preocupações: caos administrativos, perigo comunista e ataques da hierarquia e a disciplina militares.

Fazendo um balanço destes autores podemos observar tanto convergências assim como divergências entre suas interpretações sendo, portanto todas muito importantes para entendermos melhor a história recente de nosso país.

Ainda sobre tais autores podemos observar que para Jacob Gorender o que se passou no pré-golpe foi uma ameaça aos interesses elitistas por parte de uma massa popular que vinha tomando consciência política. Para Araão o golpe teve participação civil, porém o governo de características e disciplinas militares. Já a análise de Soares, D’Araujo e Castro confluirá para uma iniciativa de pesquisas por parte do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC), a partir de diversas entrevistas com militares. Tais entrevistas contribuíram para entender o pensamento militar em detrimento do anticomunismo e do mal estar com a suposta quebra de hierarquia e da disciplina.

Acerca da quebra de hierarquia de praças e sargentos podemos observar que os sargentos foram as primeiras vítimas do golpe de 64. O período 1960-1964 marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros neste século XX. O auge da luta de classes, em que se pôs em xeque a estabilidade institucional da ordem burguesa sob os aspectos do direito de propriedade e da força coercitiva do Estado. Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo. A classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse. (GORENDER, 1987).

Em especial para este trabalho, chamo a atenção para o item citado pelos autores acima de que havia uma preocupação com ataques a hierarquia militar e a disciplina dos mesmos, pois esta vem a reforçar o que acredito ser um movimento da esquerda militar, sendo os militares responsáveis por uma quebra de hierarquia rompiam assim as diretrizes da corporação e não à toa foram um dos primeiros a serem expurgados como o golpe.

Se o período da ditadura foi marcado por fortes resistências, estas por sua vez, ora tiveram um caráter mais pacífico ora mais incisivo como, por exemplo, a opção pelas lutas armadas. Alguns movimentos organizados pela esquerda militar como o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) que atuou na serra de Caparaó.

Dentre estes grupos que optaram pela luta armada a opção por guerrilhas foi a estratégia que mais ganhou relevância e destaque, sendo estas tanto urbanas e que compreendiam uma estratégia voltada a ataques a grandes centros e saques em agências bancárias, assim como também rurais, pois se acreditava que seria a partir da formação de um foco guerrilheiro no meio rural que poderia se dialogar com as populações rurais e partindo do campo ir em direção a cidade para derrubar a ditadura.

Outro ponto comum entre as organizações era a de que todas eram tipicamente urbanas, jamais chegaram a esboçar o início da guerrilha rural, e acabaram enredadas na prática de ações armadas, como assaltos e sequestros, que atraíram sobre elas o peso da repressão nas cidades. Houve um maior peso dado a guerrilha urbana que na teoria teria de ter sido para a guerrilha rural. Para o autor Ridenti (1993) “os grupos armados não pretenderam opor, só e fundamentalmente, uma resistência à ditadura, segundo ele o projeto de guerra de guerrilhas no Brasil era anterior ao golpe de 64; vinha, desde o início daquela década, estimulado pelo exemplo da revolução cubana”.

A luta em armas organizada pela esquerda após o golpe de 64 tinha como projeto, em geral, não só derrubar a ditadura, mas caminhar decisivamente rumo ao fim da exploração de classe, embora houvesse divergências entre as organizações sobre como se chegaria ao socialismo. O fato é que se instalou com o golpe um regime militar e a conjuntura levou tais grupos a resistência à ditadura, tratava-se, portanto de uma resistência marcada sim, pela herança politizadora anterior ao golpe, como também pela agitação social e pela efervescência cultural mundial, uma resistência armada que não implicava necessariamente a ideia de redemocratização, mas, sobretudo, a da revolução. Porém nenhuma dessas organizações obteve sucesso naquele momento, mas contribuíram para mostrarem de certa forma que nem todos no Brasil estavam satisfeitos com aquela situação e resistiram como puderam a tal governo.

2. A Esquerda Militar no Brasil

Início minha análise da esquerda militar a partir do conceito proposto por Noberto Bobbio (1998) de que a Resistência nasce em toda a parte, como fenômeno espontâneo, de um ato voluntário ou da conscientização de indivíduos e pequenos grupos, dispostos a rebelar-se e a não aceitar a ocupação. Portanto, tratar de resistência neste âmbito é dar luz as ações promovidas pelas pessoas que ousaram questionar a ditadura militar ao longo dos seus vinte e um anos e que buscou demonstrar as insatisfações em suas diversas formas de manifestação.

Trato neste trabalho da resistência no período militar por parte da esquerda militar, mas, no entanto, este tema ainda é pouco abordado na historiografia brasileira. Procuro, portanto, apresentar a trajetória da esquerda militar no período republicano para trazer uma melhor compreensão acerca deste movimento. Após apresentar o histórico da organização da esquerda militar no Brasil procurarei reforçar e descrever a questão interna das Forças Armadas, apontando o constante abandono por parte de seus membros por insatisfação a postura hierárquica da corporação e conseqüentemente a opção pela atuação na esquerda.

Noberto Bobbio tratou da díade esquerda/direita em função do ideal de igualdade. Para a esquerda a igualdade deve ser a regra e a desigualdade a exceção, e mais para a pessoa de esquerda “[...] qualquer forma de desigualdade precisa ser de algum modo justificada, ao passo que, para a direita, vale exatamente o contrário, ou seja, que a desigualdade é a regra e que, se alguma igualdade deve ser acolhida, ela precisa ser devidamente justificada”. (BOBBIO, 2001).

Procurando abordar a história da esquerda militar do período republicano ao golpe de 64 podemos observar o movimento de organização da esquerda militar a partir do final do século XIX e início do XX. Partindo do início da república têm se o movimento dos Florianistas e Jacobinos, a Revolta da Chibata (1910), Revolta dos Sargentos (1915), Movimento Tenentista (18 dos Fortes, Levante de 1924, Coluna Prestes), Antiimperialistas de 50, Rebelião dos Marinheiros e revolta dos sargentos no início dos anos sessenta.

Mas o que podemos observar ao longo de todo o movimento da esquerda militar é que este não tem dentro de seu campo de trabalho uma adesão por parte dos militares, pois como reforça Quartim Moraes “Valores como a justiça e a igualdade sociais, ascensão das massas trabalhadoras, o primado da ética da cidadania sobre o ethos burocrático, a repulsa ao poder do dinheiro e aos privilégios dos milionários, não encontram nas Forças Armadas um ambiente propicio para florescer, compreende-se então que se a esquerda militar existe será esta no melhor dos casos, como uma espécie em via de extinção.” (MORAES, 2005).

Se pegarmos, no entanto, a esquerda militar em resistência na história brasileira teremos os positivistas que proclamaram a República e que lutaram pela abolição, os “tenentes” que estiveram na vanguarda da luta contra a corrupta e carcomida Republica oligárquica, os oficiais democratas e nacionalistas dos anos 50 (muitos ligados ao PCB) que deixaram marcas de sua trajetória na transformação econômica e política de nosso país são exemplos dessa participação. Então se, “a partir de 1964, os militares de esquerda se tornaram espécie em vias de extinção, foi por terem sofrido uma caçada e expurgo político-ideológico sem precedentes na instituição armada do Estado brasileiro” (MORAES, 2005).

Retomando o início do século XX mais precisamente no ano de 1910 marinheiros iriam se revoltar por conta de maus tratos decorrentes principalmente da hierarquia da Marinha que punia os marinheiros com chibatas, quase cinqüenta anos mais tarde ter-se-ia uma nova rebelião dos marinheiros que ainda lutavam pela conquista de seus direitos.

Em 1915 estourou a revolta dos sargentos que aliados ao movimento operário que não teria vida longa “O movimento operário seguiria a partir das greves de 1917 o seu próprio caminho não se juntando a esquerda militar nem em 1924, e nem 1924 voltando a se juntar apenas em 1935” (MORAES, 2005). Iriam fazer diversas reivindicações das quais a exigência de um plano de carreira, no ano de 1915, esta revolta iria ser sufocada e mais de 250 sargentos expurgados da corporação militar, a exemplo da rebelião dos marinheiros voltaríamos a ter uma agitação por parte dos sargentos entre os anos de 1961-1964.

Na década de 20 teremos varias ações das quais se denominaremos de o movimento tenentista. “Os tenentes eram militares de esquerda convencidos de que só pela força podiam livrar o país das garras da oligarquia, de seus políticos e de seus coronéis” (MORAES, 2005). Sendo assim a caminhada dos dezoito do Forte viria a eclodir dois anos mais tarde com a tentativa de ocupar São Paulo e levantes dos demais estados no que se consolidaram como uma guerra de posições, e após não vingar tivemos a retirada estratégica dos militares e a opção pela guerra de movimentos no que veria a entrar para a história como a Coluna Prestes.

“Como se sabe a Coluna Prestes não foi anistiada, nem derrotada. Não conseguiu atingir seu objetivo estratégico, transformar-se num exercito revolucionário popular por incorporação crescente de combatentes saídos do povo e por junção com novos surtos de rebelião (MORAES, 2005).

Década de 50 e início de 60 com o apoio as posses de Lott, e de JK, e como sugere Cunha (2002) que ainda há hipóteses abertas sobre o papel dos Clubes Militares naquele período inicial de sua formação e ao longo de sua história republicana, como por exemplo, na campanha O Petróleo é Nosso. Outras possibilidades de pesquisa apontadas pelo autor remetem aos anos subseqüentes, acerca do movimento dos sargentos de 1950 que se mostraram como ameaça às ordens militares e principalmente na revolta dos sargentos e marinheiros assinariam de vez sua marca na historia política do Brasil em oposição as ordens superior militares não é de espantar que com o Golpe de 64 foi inevitável a expulsão dos envolvidos e que viriam a formar entre outros grupos de resistência a Guerrilha de Caparaó. (integrantes da guerrilha).

Se analisarmos a esquerda militar anos antes ao golpe ou mesmo durante a ditadura poderemos observar os marinheiros que aparecem envolvidos em uma articulação da POLOP no sentido de se estabelecer um foco guerrilheiro na Região de Minas Gerais. No entanto, “a conspiração ficou batizada de “Guerrilha de Copacabana”, porque polopistas e marinheiros confabulavam em apartamentos daquele bairro no Rio” (GORENDER, 1987). Dos que escaparam das primeiras prisões alguns conseguem se exilar no Uruguai e se articular com o ex- governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola. Alguns partem para Cuba, onde realizam o curso de guerrilhas já em 1963. Ao lado de ex-sargentos do Exército e de cassados políticos, contribuem para a organização do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), o grupo que teria sido o primeiro a se dedicar às atividades armadas de oposição ao militarismo.

O MNR era composto de militares subalternos das Forças Armadas, principalmente sargentos e marinheiros que haviam sido expurgados de suas corporações logo após o golpe que depusera o presidente João Goulart.

Já os sargentos aprecem na revolta dos sargentos ocorreu no dia 12 de setembro de 1963 em Brasília. A motivação da revolta foi uma decisão do Supremo Tribunal federal que reafirmava a inelegibilidade das praças para os órgãos do Poder Legislativo, assim como estava previsto na Constituição de 46. O direito à elegibilidade foi o móvel principal das campanhas da categoria. Fora isso, os organizadores da Revolta dos Sargentos também eram a favor das reformas agrárias, urbanas, educacionais e constitucionais propostas por João Goulart em seu governo. Após o golpe de 64 são acusados de subversão por terem se envolvido nas manifestações a favor das “reformas de base” apregoadas por Jango, agora eles se juntavam para criar em Caparaó um movimento de resistência ao regime que, se prevalecessem suas intenções, se espalharia por todo o país.

O que se pode observar é que na historia militar houve por diversas vezes divergências entre as oficialidades dentro da corporação militar levando a um racha e muitas vezes na expulsão. A opção pela luta armada de ex-militares nos leva a crer que seria esta por sua formação disciplinar e militarista, historicamente as esquerdas militares iriam se opor a tais repressões,mas no caso especifico de Caparaó com certeza o contexto em que se encontravam influenciou e muito aos ex-militares membros do MNR a pegarem em armas como o acontecido em Caparaó entre os anos de 1966-1967.

3. Guerrilha de Caparaó: Organização, Atuação e Queda

A guerrilha do Caparaó foi constituída em sua maioria por militares expurgados das corporações, muitos deste chegaram a fazer um treinamento de guerrilhas em Cuba e auxiliados por Brizola, então anistiado no Uruguai formaram o grupo MNR e tentariam derrubar a ditadura por diversos meios até se chegar à opção de atuar no campo, formando assim um foco guerrilheiro de atuação na serra de Caparaó que compreendeu os anos de 1966 e 1967.

As intenções e estratégias do grupo na serra era a de se constituir em um grupo guerrilheiro que pudesse agir distante dos olhares do governo ditatorial e fazer algumas intervenções a partir do campo, porém sua forma de atuar e suas reais intenções ainda carecem de muitos estudos acerca do que se esperava com a atuação na serra em Caparaó. A queda do grupo se deu após aproximadamente um ano de seu início, em abril de 1967, porém esta queda já havia sido anunciada meses antes com a desistência de alguns guerrilheiros.

Movimentos que deram origem a guerrilha do Caparaó em sua maioria eram o dos sargentos e marinheiros que optaram por fazer um movimento de resistência a ditadura militar. Antecedendo ao golpe tivemos alguns movimentos que demonstravam descontentamentos com relação aos rumos que a política nacional se encaminhava e dentro da corporação militar havia também alguns grupos insatisfeitos, dentre eles três foram os: movimentos dos oficiais nacionalistas, dos sargentos e o dos marinheiros e fuzileiros navais. Estes oficiais que já se rebelavam antes do golpe seriam cassados e expurgados das corporações com o golpe de 64.

A organização da guerrilha de Caparaó se inicia quando ex-militares apóiam Brizola em uma tentativa de levante no Rio Grande do Sul, pois o então ex-governador era favorável ao levante realizado pelo Sul, porem na véspera, um dos capitães da companhia, na madrugada, tem uma disenteria nervosa, e conta ao coronel-comandante que vai participar de um levante no dia seguinte. Porto Alegre ficou em pânico, e inviabilizou o levante. Após o fracasso do levante Brizola é convencido a viabilizar uma guerrilha rural.

Portanto, estes ex-militares organizaram um foco guerrilheiro na Serra de Caparaó, região situada entre Minas Gerais e Espírito Santo, sob o comando do ex-sargento do Exército Amadeu Felipe. “Sob a organização do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) tentava-se preparar ainda mais duas frentes: uma no Mato Grosso e outra no planalto central, que ficou nucleada na região de Imperatriz, no Maranhão. Ambas seriam comandadas por ex-marinheiros com cursos realizados em Cuba – Marco Antônio da Silva Lima e José Duarte, respectivamente” (ROLEMBERG, 2001).

Segundo Flávio Tavares, “o foco do planalto teria a participação maciça de ex-marinheiros e fuzileiros navais, ambas foram desarticuladas devido ao fracasso de Caparaó e por não poder contar mais com o apoio de Brizola” (TAVARES, 1999).

A área escolhida para a instalação da força guerrilheira ficava na divisa de Minas Gerais e Espírito Santo e era quase sempre tomada pelas sombras. “Ocupava uma faixa de 1.200 a 1.300 metros de altitude, com 77 quilômetros de extensão e já tinha sido explorada pela Política Operária (POLOP). Foi considerada ideal para o treinamento dos guerrilheiros sob o comando de Amadeu Felipe” (REBELLO, 1980).

A escolha pela região do Caparaó era estratégica, pois acreditava se que poderia se repetir a conquista cubana em território brasileiro. Os militantes contrários a ditadura se inspiravam abertamente na teoria do “foquismo” de Che Guevara, segundo a qual a criação de “focos” de guerrilha poderia produzir um movimento revolucionário da mesma intensidade do que aconteceu em Cuba, onde Fidel Castro e seus seguidores conseguiram derrubar o presidente Fulgêncio Batista e tomar o poder em 1959.

A comparação a Cuba é o fato de se fazer uma revolução a partir da zona rural partindo de um movimento da serra para a cidade, porém em Cuba os moradores entenderam o que estava acontecendo e se solidarizaram na luta, diferentemente no Brasil onde os moradores tinham medo dos guerrilheiros e sofriam forte influência de soldados que ditavam naquele momento a ordem social.

Há também relatos de um suposto apoio cubano ao movimento liderado por Brizola. O apoio de Cuba se deu supostamente através de treinamentos de guerrilha, porém a hipóteses de um possível dinheiro que teria sido enviado por Fidel aos cuidados de Brizola, como tratará Denise Rollemberg aponta que “A colaboraçao cubana em meados a década de 60 voltou-se para a resistência liderada por Leonel Brizola no Uruguai que inicialmente, era contra a organização de guerrilhas e sob orientação de Cuba e planejava invadir o Brasil pelo Rio Grande do Sul. O sucesso da ação seria garantido pela adesão dos militares insatisfeitos com o golpe” (ROLEMBERG, 2001).

Os arquivos militares da época relatam o patrocínio de Fidel Castro a três focos guerrilheiros a partir de 1966, tendo o ex-governador à frente. Um em Mato Grosso, próximo à Bolívia, serviria de apoio ao grupo de Che Guevara. Outro no norte de Goiás, e o mais famoso deles na Serra do Caparaó, entre Minas Gerais e Espírito Santo.

Outra questão importante de se lembrar é o fato de que na região do Caparaó a população não entendia qual o verdadeiro motivo do qual buscavam aqueles “comunistas”. Como relata Plínio Guimarães “O drama dos moradores começara em novembro de 1966, quando integrantes do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) se instalaram no interior do Parque Nacional de Caparaó, na divisa entre Minas Gerais e o Espírito Santo. Seu objetivo: derrubar pelas armas o governo instalado no país dois anos antes, com o golpe de 1964. Os guerrilheiros pretendiam conquistar o apoio da população local, que acreditavam estar, talvez, tão descontente quanto eles com a conjuntura política. Mas estavam totalmente enganados. Se seu sonho era derrotar a ditadura, para os habitantes da região sua presença acabou se transformando num pesadelo” (GUIMARÃES, 2006).

Menos de um ano de atuação na serra e a guerrilha cairia sem ter tido de fato um confronto armado contra os militares. A prisão dos guerrilheiros da Serra de Caparaó provocou o esfalecimento do Movimento Revolucionário Nacionalista (MNR) e uma profunda divisão entre eles. (REBELLO, 1980). Depois da queda da guerrilha, o MNR foi reestruturado apenas em São Paulo sob o comando do companheiro Onofre Pinto responsável, então, pela seção regional do movimento (REBELLO, 1980).

A tentativa de derrubar a ditadura a partir da Guerrilha do Caparaó iria fracassar, mas o que se pode perceber do ponto de vista estratégico é que com o movimento de Caparaó há uma visibilidade de que nem todos no Brasil estavam satisfeitos com o sistema implantado pelos militares em 1964.

A área escolhida para a instalação da força guerrilheira ficava na divisa de Minas Gerais e espírito Santo e era quase sempre tomada pelas sombras. Ocupava uma faixa de 1.200 a 1.300 metros de altitude, com 77 quilômetros de extensão e já tinha sido explorada pela Política Operária (POLOP). Foi considerada ideal para o treinamento dos guerrilheiros sob o comando de Amadeu Felipe (REBELLO, 1980).

É inevitável a comparação com Cuba de por haver uma intenção de revolução a partir da zona rural é que ambas partiam do movimento da serra para a cidade, porem em Cuba os moradores entenderam o que estava acontecendo e se solidarizaram na luta, diferentemente no Brasil onde os moradores tinham medo dos guerrilheiros e sofriam forte influência de soldados que pregavam naquele momento a ordem social.

Em abril de 1967 um grupo é localizado e preso pela polícia de Minas Gerais. Na foto estampada nas capas dos jornais, cinco eram ex-marinheiros (COSTA, 2001).

A queda era iminente tendo em vista que os guerrilheiros saíram do campo de segurança e se arriscaram para além dos limites de proteção para eles e assim sendo os “Oito guerrilheiros que estavam acampados na Serra de Caparaó, na altura do município de Manhuaçu foram presos pelo 11° Batalhão de Infantaria da Policia Militar de Minas Gerais. O grupo era formado por sete militares cassados e uma civil”. (Estado de São Paulo 04/04/1967).

Depois da queda da guerrilha os integrantes foram presos e alguns retornaram a movimentos de resistência e o único civil que participará da guerrilha foi morto por motivos ainda suspeitos na prisão onde se encontrava, certo é que mesmo após a queda os integrantes direta ou indiretamente atuaram em resistência ao governo militar e tiveram suas vidas alteradas após a empreitada naquela serra, mas esta é uma história a ser tratada em outro artigo.

Considerações Finais

Podemos compreender que o papel dos guerrilheiros era limitado, de um lado, por medidas de segurança, de outro, por não haver uma cumplicidade dos moradores da região. A intenção de tal guerrilheiros em Caparaó ainda é algo para ser muito estudado pela historiografia recente, pois com certeza tal movimento possibilitou a outras organizações perceberem que era viável resistir em meio a um governo repressor.

A Guerrilha do Caparaó foi para alguns uma tentativa frustrada de resistir ao golpe, no entanto, se observarmos que desde sua escolha territorial, sua organização no entorno da serra, a área de estoque tanto de alimentos quanto de armas o que podemos observar é que o grupo de ex-militares alcançou uma significativa expressão em todo território nacional.

Fica então um convite a tentativa de apresentar uma história recente do Brasil, mas que ainda segue desconhecida da população brasileira. Para que se identifique a Guerrilha de Caparaó como marco fundamental na história contemporânea, como grande motivadora da explosão de diversos movimentos de resistência armada em todo o Brasil será preciso ainda estudos e pesquisa acerca da Guerrilha de Caparaó, afim de que possamos reconhecê-la como um movimento que fomentaria a resistência armada em todo território brasileiro.

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Marcio Carvalho
Enviado por Marcio Carvalho em 06/12/2012
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