A Farsa

A sistemática político-administrativa em que se fundamenta a ocupação de cargos eletivos no Brasil tem uma característica marcante: a farsa.

O Governo Federal e o partido governista empenharam-se a fundo na eleição do seu candidato à Prefeitura da maior cidade do país, capital do estado que carrega o Brasil nas costas. Nesse município eles não poderiam perder. Apostaram todas as fichas. E ganharam.

Ganharam, sobretudo, porque a massa de manobra estava (como sempre está) ali mesmo: o eleitor. Que é obrigado a votar. Ficando assim disponível a todo tipo de propaganda ou estratégias destinadas à indicação do candidato tido pelo governo como o mais recomendável. Se o voto fosse facultativo, seria necessário o dobro da propaganda e bem maior o elenco de estratégias, se o eleitor não se sentisse firme em relação ao candidato que queriam que ele elegesse. Ou então, já conscientizado, o eleitor votaria no candidato governista sem que fosse obrigado a fazê-lo, apesar da imposição da propaganda.

É preciso acreditar que o voto facultativo conscientiza o eleitor. As pessoas sabem da importância do seu voto. Mas sabem também de quão desimportantes, de um modo geral, são os candidatos em quem têm a obrigação de votar. Então, se não tivessem essa obrigação, só exerceriam o direito de voto quando achassem necessário.

Foi exatamente o que aconteceu na Venezuela. Quando a massa maior do eleitorado percebeu que poderia ser vencedor o candidato dos banqueiros e dos meios de comunicação privados, mesmo sem serem obrigados a votar eles foram para a rua – até no exterior – e mantiveram o Chávez no poder. É para isso que serve o voto. Ele só tem eficácia democrática quando consegue produzir algum tipo de alteração.

Após as eleições, o que acontece agora na Cidade de São Paulo? Já se admite a participação de setores ligados à administração anterior na equipe do prefeito eleito. Isto é, o prefeito anterior, por ter no segundo turno colaborado com a eleição do atual, reivindica espaço na sua administração.

Com base nos resultados dessas eleições, já se cogita, no nível federal, de uma reforma ministerial. Para que haja espaços para os que, apesar de terem estado na condição de adversários anteriormente, contribuíram depois para a vitória do partido governista em algumas prefeituras.

Seria lícito perguntar então: para que serviu a eleição? Se, de uma forma ou de outra, deu tudo no mesmo? Quanto às pessoas que deverão ser empossadas. Que, no dizer daquilo que a gente ouvia em casa quando criança, não passam de “farinha do mesmo saco”.

No plano essencialmente administrativo, também a marca da farsa se registra. A mulher que foi Ministra do Turismo ao término do processo eleitoral de reeleição de Lula hoje é Ministra da Cultura. Mas tanto poderia ser Ministra de Assuntos Culinários como Ministra de Tarifas Alfandegárias, se tais ministérios existissem. Aliás, é possível que a sua cadeira atual de ministra se deva a algum tipo de negociação para que não se candidatasse à Prefeitura de São Paulo. A julgar por suas próprias declarações, segundo as quais a sua eleição seria mais fácil que a do prefeito eleito.

Por outro lado, o que impediria o atual Ministro da Educação de ser Ministro do Trabalho, dos Transportes, da Saúde ou não sei de quê? Já que foi Ministro da Ciência e Tecnologia antes de ocupar a cadeira da Educação, substituindo o cidadão que agora se elegeu para a Prefeitura da Cidade de São Paulo.

E é assim que tudo acontece. Ou que acontecem as nomeações. Será que essas pessoas têm talento para o exercício de quaisquer cargos? Cargos que têm uma especificidade mínima? Ou será mais provável que se tenha que arranjar determinado emprego para certas pessoas? No intuito de se conseguir o apoio que se julga necessário para a administração do país?

É evidente que à medida que a pessoa alcança os degraus mais elevados da hierarquia de uma empresa ou da estrutura organizacional de um órgão público, o seu potencial operacional adquire menor relevância diante das exigências administrativas. O indivíduo se torna menos executivo e mais administrador. Mas isso não é suficiente para que, só a título de exemplificação, seja nomeado como Ministro da Saúde um empresário bem sucedido no ramo de fabricação de peças para aviões de pequeno porte.

Como não sabemos o grau de preparo que certas pessoas têm para ocuparem os diferentes cargos que ocupam, em que pese sejam eles essencialmente administrativos, é lícito pensarmos que em nosso país qualquer um pode ser qualquer coisa. Pelo menos nos três níveis de governo – municipal, estadual e federal. O que é dramático, porque a vida de todos nós depende de ações político-administrativas emanadas desses três níveis. As pessoas poderiam ao menos ser preparadas, antes de serem nomeadas, para o exercício de atividades com as quais eventualmente nunca estiveram familiarizadas. É interessante atentarmos para o fato de que cargos da maior importância possam eventualmente ser ocupados por quem nunca teve o menor grau de conhecimento a respeito do que deveria gerenciar.

Rio, 31/10/2012

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 31/10/2012
Reeditado em 01/11/2012
Código do texto: T3962515
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