A Ditadura da Democracia Representativa
A ideia inicial dos Iluministas era boa, à medida que queriam retirar o poder das mãos da monarquia – do rei -, ou seja, descentralizar o poder, o qual iria para as mãos do povo. Tratava-se de algo realmente inovador, uma recriação do ideal grego de democracia, porém ia mais além, pois enquanto na Grécia antiga a democracia era aristocrática, ficando a maior parte da população excluída do processo, visto que uma minoria era abastada, com a democracia representativa, uma parcela maior da população poderia participar do processo.
Os gregos, no entanto, sabiam que não era qualquer um que poderia participar da política, era necessário compreender algumas coisas, era necessário pensar no bem comum, era necessário compreender o sistema político vigente, saber discursar, ter argumentos, e para tanto era necessário conhecer de muitas coisas, da arte, da ciência, da filosofia, do mundo, da sociedade, cosmo. Os gregos sabiam da necessidade de se ter uma visão holística, ou seja, uma visão o mais completa possível do todo.
Os aristocratas gregos tinham amor pela política, tinham amor pelo conhecimento, tinham amor pela filosofia, pelo saber, tinham a final, amor pela “polis”, ou seja, pela cidade, pelo universo do qual faziam parte, e buscavam viver em harmonia com o mesmo, se integrar, fazer parte, em sua plenitude.
Tal visão, a visão grega, estava em conformidade com a ideia de democracia, a final era necessário conhecer, e para conhecer era necessário se envolver, e para se envolver, era necessário preocupar-se, pensar, no bem comum. Sem isso, o que há são apenas bobagens, opiniões, posturas inadequadas, comportamentos distorcidos.
Esse é o “xis” da questão, a intenção dos Iluministas era boa, a final, a democracia é um sistema de governo justo, à medida que todos participam do mesmo, e nada melhor do que aqueles que fazem parte da sociedade, do mundo, construírem esse mundo, agir sobre esse mundo. O que ocorre, no entanto, é que a maioria não estava envolvida e até hoje, não se encontra envolvida pelas questões políticas, a maioria não apenas deixa de pensar nessas questões, como nem entende dessas questões, seja pela complexidade desnecessária do sistema, seja pelo despreparo mesmo do povo.
O poder saiu das mãos do rei. Os Iluministas conseguiram atingir o seu propósito imediato. Mas o poder não chegou nas mãos do povo.
Claro que ficaria muito difícil, sobretudo, tendo em vista a diversidade do gênero humano, estabelecer uma forma de democracia direta, em que todos participassem do processo, em que houvessem debates, se estabelecessem consensos, tomassem decisões, etc., sobretudo se consideramos a quantidade de pessoas que habita o globo terrestres, em que mesmo nos países menores, ainda assim, há muita gente.
Alguns pontos, se trabalhados, poderiam facilitar tal processo. O primeiro de todos os pontos é a preocupação com o bem comum, é almejar o bem comum, o bem de todos, e isso já é algo muito grande, porém essencial se estamos falando de democracia, política, sociedade.
O segundo ponto, o qual é condição para que se atinja o primeiro, é o conhecimento da diversidade, conhecimento da sociedade, da cultura, das pessoas, do ser humano, da política, enfim. A diversidade em que se constitui o conhecimento, visto que esse é produto da soma de todos os seres humanos, atribui ao ser sensibilidade, a qual leva a compreensão, que por sua vez leva o ser a um estado de sobriedade diante da vida.
O terceiro ponto, o qual depende do segundo e leva ao primeiro, é sentir-se parte. Trata-se da inclusão, o que é algo profundo. Atualmente, é normal olharmos para algum aspecto de nossa sociedade e não nos identificarmos com o mesmo. Como pode ser normal tamanho absurdo? Como pode ser normal eu não me identificar com o meio no qual estou inserido?
Isso ocorre porque apesar de estarmos naquele meio, não fazemos parte do mesmo, não tomamos parte do mesmo, não nos identificamos, simplesmente estamos ali, mas é mesmo que não estivéssemos, pois nada fazemos.
Como pode haver democracia, se não há o pensamento no bem comum, no bem de todos? Como pode haver democracia se não há conhecimento, se o que predomina é a ignorância? Como pode haver democracia se não há inclusão, se o que há é alheamento, apatia, exclusão?
De onde vem, porém essa apatia, esse ás vezes, autoexclusão? A explicação está no decorrer da história. Vejamos, os Iluministas à medida que foram conhecendo, adentrando nas coisas do mundo, nos assuntos relativos ao mundo em que viviam, ou seja, se incluindo, sentiram a necessidade de tomar parte nas decisões concernentes a sociedade, aos rumos de suas próprias vidas, visto que estavam inseridos naquele contexto.
Os Iluministas, a partir do conhecimento, a “mola propulsora” de tudo quanto há, começaram a sentir a necessidade de adentrar nas questões sociais, a assumir as rédeas de sua própria história, a qual está atrelada a todas as outras, que compõem a malha social.
Nesse momento se tornou imprescindível descentralizar o poder, que por assim ser, estava muito atrelado a uma visão, a uma perspectiva apenas, e por sua vez só atendia a classe que o detinha, a monarquia, ficando, por tanto, todo restante, de fora, como expectadores de sua própria existência, sem que nada pudessem fazer para alterar o rumo de sua vida.
Notemos que nesse momento começou-se a ver um pouco além do que se estava acostumado a ver. A monarquia, com o intuito de se manter no poder, criou mitos, historinhas que se contam para as criancinhas, quando se quer que elas façam algo, em outras palavras, dominou pelo medo, pela imposição, por meio de uma atitude tirânica, a qual visava nada mais nada menos que reduzir as perspectivas do povo, atrelando-a apenas a uma, a de obedecer.
No terreno da ignorância, planta-se a semente da manipulação, do despotismo, e veja só, é o terreno propício para brotar o mal. Aqui nasce a ganância, a ambição por parte daqueles que detém o poder, e com tais sentimentos advém a crueldade, a falta de escrúpulos, o mau-caratismo, e mais ignorância.
A visão holística torna-se inexistente, e aquele que detém o poder torna-se ignorante de sua própria condição, como um animal bruto no momento do ataque, um touro, por exemplo, que é movido por grande impulso, sem um resquício de razão, em direção a seu alvo. Com um tempo a visão desse que detém o poder, desse déspota, vai tornando-se cada vez mais limitada, e o mesmo não ver mais um palmo além de seu nariz. O egocentrismo o engole, e ele se torna escravo de seu veneno, sua própria presa, sua própria vítima.
Como se trata de alguém que detém poder, todos aqueles sobre quem exerce o poder, vai junto com ele, e ele é tão ignorante quanto seu povo, tão pobre quanto seu povo, tão perdido quanto seu povo, porém de formas diferentes.
Assim se encontravam os reis da época, já estavam a acreditar na bobagem do “poder divino dos reis”, manipulavam a religião, manipulavam todo o povo. Acontece que em dado momento da história, com o constante crescimento da burguesia, surgia a necessidade de reivindicar parte do poder, porém os burgueses eram apenas “crianças mimadas” chorando porque não ganharam um pirulito, pois só fulano de tal ganhou.
Ainda aqui, era apenas uma parcela da população que detinha o poder, e isso é perigoso, pois o poder precisa ser mantido abaixo da cabeça, visto que se se deixa que o mesmo suba a mesma, o estrago certamente acontece.
É inegável que avançamos consideravelmente em relação aos reis de antigamente, visto que os reis de hoje são menos tirano, a final, são tantos reis, que acaba por limitar o poder do outro.
O processo de despotismo, porém, continua, está mais sutil é verdade, e é mais sutil conforme o gral de conhecimento do observador. Aliás, não é a toa que o investimento em educação é mínimo e é sempre o último da lista.
O modelo político vigente foi construído de tal maneira que fragmente o poder e estabeleça uma relação de interdependência e fiscalização entre os mesmos – o poder legislativo, executivo e judiciário.
Acontece que não ocorre uma fiscalização efetiva entre os três poderes, pois a fiscalização denota proximidade, sendo que o que ocorre é afastamento, o que é provocado por meio da criação de processos, procedimentos de complexidade, burocratizações, as quais não passam, em suma, de barreiras concebidas, com o intuído de isolar processos, isolar o poder, retê-lo nas mãos daqueles que o detém.
A democracia representativa confere uma pseudo-legitimidade aos governantes, os quais são eleitos por meio de votação, pelo povo. Trata-se de uma forma passiva de retirar o poder das mãos do povo, de mascarar o despotismo, à medida que o povo “dar” seu voto para aquele que ira representá-lo.
Bom, o voto não é um direito, é uma obrigação, o que significa que deve-se votar, o que se não for feito, tornará o “infrator” sujeito a sanções, que culminam na exclusão do mesmo da sociedade, visto que é impedido de obter um emprego, cursar uma universidade, entre outros.
O voto é necessário para eleger os representantes, porém os representantes não pensam no bem comum, não possuem uma visão holística da realidade e nem são integrados a realidade. São egoístas, individualistas, que vivem cada um em seu “mundinho”, e que quando entram para o meio político brincam de “compra e venda” uns dos outros, a final, o sistema político impõe a necessidade de que se estabeleçam coligações, uniões, inspira debates, visa estabelecer consensos, enfim, tenta resgatar a democracia grega, porém como pode isso acontecer com seres irracionais, movidos por suas paixões, por ganância, inveja, ódio, etc.
Ao invés de cumprirem o papel que lhes são devidos, os representantes não só não o fazem como buscam impedir o povo de cumprir o seu. E qual é o papel do povo? O papel do povo é fiscalizar, é estar a par do processo político, dos seus direitos e deveres. O papel do povo é conhecer a sociedade em que vive, é serem mediadores entre a realidade social e a instituição política, é dar luz aos debates, as discussões, é fazer suas reivindicações, contribuir com ideias, sugestões, etc., é em suma participar da construção de sua realidade.
Mas isso não é o que ocorre. Culpa do povo? Em parte, pois deixou-se acomodar, também pudera, como poderia pensar em política, se tem de se esforçar para conseguir colocar comida em sua mesa, se tem de se sacrificar para sustentar sua família? Se faz necessário muita habilidade de malabarista, para conseguir conciliar todas as questões materiais fundamentais que envolvem a subsistência, essa que é conquistada as custas de muito sacrifício, e questões tão importantes quanto, como a política, onde se decide as diretrizes da sociedade.
Lembra dos reis déspotas? Os nomes mudaram, mas os comportamentos permanecem os mesmos. Hoje os reis são chamados de prefeitos, de governadores, de presidentes, em suma políticos. É nas mãos deles que colocamos o poder, são para eles que temos que “dar” nossos votos.
Claro que não podemos generalizar, até porque dessa maneira estaríamos caminhando para o pessimismo, para o comodismo, visto que a crença de que todos os políticos são igualmente corruptos nos conduziria a desesperança. Nem todos são assim, mas há outra questão que, essa sim, é desanimadora. Trata-se do próprio sistema político, construído por políticos que quiseram favorecer a si próprios.
Como se não bastasse a necessidade de se construir alianças que em tese atestariam a legitimidade de determinado projeto, de determinada lei a ser votada, de determinada decisão a ser tomada, visto que a maioria representa todos; há também a necessidade de se conhecer o “labirinto” em que consiste o sistema político para que não se termine em um beco sem saída.
Em outras palavras, ou o representante político de boas intenções “se vende” aos cartéis já formados, ou é manipulado devido a sua ignorância em relação ao sistema político, ou fica neutro e neutralizado, alguém que simplesmente não fará nenhuma diferença no poder.
Democracia representativa? Isso me parece piada. O nosso país já passou por uma ditadura, porém tratava-se de uma ditadura explicita, na qual o regime militar detinha o poder, e havia tortura, opressão, assassinatos, perseguição política, etc. Os militares eram os reis, os quais foram confrontados por artistas, pelo povo, pelos jovens engajados em movimentos políticos. Hoje os reis são os mesmos que um dia lutaram contra os militares na época de nossa ditadura explicita, e esses reis atuais resolveram sofisticar a ditadura, foi o que aprenderam com seu adversário, de quem retiraram o poder.