Dinheiro há

Dinheiro há...

Publicado no Leopoldinense, 24 de agosto de 2012

Que existe uma crise econômica e financeira grave, a nível internacional, é verdade. Que a crise começa a afetar o Brasil também é verdadeiro. Que os funcionários públicos, civis e militares, têm uma vantagem adicional que é a estabilidade e a aposentaria integral é um fato real. Mas que estes mesmos cidadãos e cidadãs estão passando dificuldades, por falta de uma recomposição dos seus salários, é outra verdade que não pode ser esquecida. Há anos que parcelas expressivas do funcionalismo não têm um aumento sequer, para recompor, pelo menos, as perdas com a inflação que, apesar de baixa, comparando com um passado recente, ao longo de vários anos corroeu substancialmente as remunerações recebidas. Para milhares de funcionários públicos, ativos ou aposentados, o ultimo reajuste ocorreu em junho de 2007.

Examinando a questão, com tranqüilidade e imparcialidade, as greves que estão eclodindo em todo o país são, pelo menos, compreensíveis – não há outra alternativa para os funcionários públicos se fazerem ouvir a não ser de incomodar a população com um praticamente grito de socorro: “precisamos de compreensão e apoio”, parecem dizer. Há anos que o funcionalismo publico federal e os militares são enganados com mentirosas promessas de planos de carreira inteligentes e salários compatíveis com a responsabilidade das funções que exercem.

Com cerca de um milhão de funcionários públicos, os grandes e escandalosos salários – mais de trinta mil reais – não chegam a mil, (com certeza exagerando para não ser contestado): 0,1% do funcionalismo. No restante, um grupo recebe remunerações razoáveis, em média doze mil reais, para cargos de nível superior do Banco Central, da Receita Federal, do Ministério Publico. O restante, cerca de 85%, não ultrapassam, no fim de carreira, cinco mil reais. Os professores, das universidades federais, estão em greve há mais de quatro meses, não é por irresponsabilidade – é que a paciência chegou ao limite.

Convém recordar que, eclodida a crise internacional em 2008, foi o mercado interno que sustentou o crescimento do Brasil e a paz social. Mas quatro anos depois as dificuldades dos orçamentos familiares começam a se fazer sentir de forma marcante – uma perda de cerca de 30% em média. Nem quero abordar a questão dos planos de carreira, há tanto tempo esperados, nem os escandalosos e inaceitáveis desníveis salariais entre os servidores, que refletem um verdadeiro deboche e insulto quando se sabe que funcionários do Congresso Nacional, que servem café ou ascensoristas de elevadores, ganham muito mais que um professor universitário, com títulos acadêmicos e trabalhos de pesquisa importantes publicados. É um problema que vem de longe, mas a demagogia política, as corporações influentes, as leis mal feitas, fazem com que o escárnio salarial prossiga sem que uma solução seja oferecida para restaurar a justiça.

Existem investimentos que o governo federal e os governos estaduais, as prefeituras, precisam realizar urgentemente, principalmente os de infra-estrutura que condicionam o desempenho de todo o resto da economia. Mas alguns outros investimentos não são prioritários e correspondem mais aos desejos e a poderosa influência política de alguns grupos de empresários privilegiados. Com estes investimentos, não prioritários, passarão a ganhar muito mais do que atualmente.

Refiro-me aos 2 bilhões que gastamos com as Olimpíadas recém findas, onde o Brasil teve um rendimento global pífio. Refiro-me aos gastos que estão sendo feitos com a preparação da infra-estrutura física, (que estão atrasadas...), para sediarmos a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, (22 bilhões). Que tais eventos trarão projeção internacional para o país é verdade, com uma série de benefícios econômicos e políticos decorrentes importantes. Muito da nossa economia, a construção civil, por exemplo, aumentará os empregos e movimentará positivamente a produção em vários outros setores. Mas já ensinava um antigo adágio popular; “quem não tem competência não se estabeleça”...

Não venham com a desculpa esfarrapada de que são itens de orçamento diferentes, pois orçamentos podem ser reformulados. O que não se pode é tolerar, sem pelo menos um protesto veemente, que se faça uma Copa do Mundo e uma Olimpíada com os funcionários públicos “pagando” as obras que se fazem necessárias, com seus minguados salários, sem aumento. Viva a juventude que se divertirá de qualquer maneira, salve a rede hoteleira que ganhará muito dinheiro, vivas para os aeroportos que serão modernizados, alegria para o comércio que irá faturar muito com os eventos. Que se danem os funcionários públicos, civis e militares, os da ativa e os aposentados, pois o Brasil e os “espertos” que vão lucrar não podem perder esta oportunidade de ouro...

Suspendam a Copa e as Olimpíadas e paguem um salário um pouco mais digno para aqueles que carregam o Brasil nas costas, ou já fizeram isso quando eram mais jovens. Os funcionários públicos são muito criticados – de incompetentes a corruptos – numa generalização errada e profundamente injusta e maldosa. O que seria deste país se não fossem os funcionários públicos, a maioria honesta e que trabalha, silenciosamente, para que o Brasil não pare – só são notados que existem quando fazem greve... Justiça e bom senso, (e um pouco de vergonha na cara por parte dos governantes), é que os funcionários públicos esperam.

Eurico de Andrade Neves Borba, 72 anos, funcionário publico aposentado.

eanbrs@uol.com.br