A política como ela é

Nelson Rodrigues nasceu em agosto de 1912. Há cem anos. A teledramaturgia brasileira bebe até hoje em seus textos. “A vida como ela é” foi um exemplo. Coluna escrita pelo autor no jornal Última Hora de 1951 a 1961, tem como tema dominante o adultério, o lado obscuro da vida privada, a realidade que não aparece mas que mostra muito mais do que as aparências.

E a política, como ela é? Essa questão veio a minha cabeça lendo a revista Rolling Stone deste mês, especificamente a matéria “Relações Perigosas”, onde Cristiano Bastos analisa as coligações em âmbito nacional, as alianças esdrúxulas do ponto de vista ideológico e a fragilidade doutrinária dos partidos que ela revela.

Nos últimos anos a política chamada pragmática sobrepujou a ideológica, típica dos anos 80 e 90. A ampla aliança que sustentou os oito anos do Governo Lula e que agora forma a base parlamentar do Governo Dilma é emblemática de nosso tempo. Os grandes embates entre esquerda e direita diluíram-se. Exemplos: PT e PP em São Paulo, com Lula e Maluf dando as mãos; PCdoB e o mesmo PP em Porto Alegre, com a deputada Manuela e a senadora e ex-jornalista da RBS Ana Amélia lado a lado, mesmo com a chiadeira do diretório municipal do PP, que está apoiando o PDT de José Fortunati.

Aqui na região temos exemplos também: quem, nas décadas anteriormente mencionadas, imaginaria PP e PT juntos em São Jerônimo? Ou ver PSDB e PT coligados na proporcional em Charqueadas? Ou, na mesma cidade, PCdoB e PSB numa coligação junto com o DEM e o PP? Aos olhos hoje antiquados dos militantes políticos daquela época recente, teríamos neoliberais abraçados com socialistas democráticos, comunistas e socialistas com defensores da ditadura militar, partidos defensores da classe trabalhadora unidos aos da burguesia patronal. Naqueles tempos, o máximo do horror era “o povo não esquece, PDT e PDS”, referindo-se a coligação feita em 1986 para disputar o governo estadual pelos dois partidos que agrupavam grupos políticos antagônicos no período do governo militar.

As alianças partidárias visando única e exclusivamente o sucesso eleitoral e a consequente ocupação de espaços e cargos na esfera pública é a música que faz sucesso nos tempos atuais, independente das possíveis convergências nos programas de governo. E os partidos, cada vez mais esvaziados ideologicamente, dançam conforme a mesma. A população, por sua vez, vê a política como uma balada onde vale tudo pelo poder. Uma balada rodrigueana,uma balada “pornográfica”.

“O mundo gira e a lusitana roda”, já disseram acertadamente, pois “o o tempo passa, o tempo voa, e a Poupança Bamerindus” não existe mais! Faço essas citações para sublinhar a resposta que vou dar a pergunta que inicia o segundo parágrafo desse artigo: a política é, basicamente, disputa de poder, em cada tempo e momento histórico. Os contornos e características de cada tempo são os contornos e as características especificas de cada tempo. Até podemos ficar que nem os idosos que dizem ”no meu tempo era melhor...”. Podia até ser, mas passou. O que resta é tentar construir outros tempos, tentando entender os atuais sem julgá-los com os parâmetros do passado.

Finalizando, observo que a banda de rock Rolling Stones, que completa 50 anos em 2012, está na capa da revista homônima onde li a matéria de Bastos. E ainda fazendo rock'n roll! Pelo menos alguma coisa ainda não mudou nas últimas décadas, e isso também faz parte da vida como ela é.




Artigo publicado ontem, 21 de agosto de 2012,
no Jornal Portal de Notícias