Do Poder Moderador ao Presidencialismo de Coalizão
Durante o Segundo Reinado, Dom Pedro II era chefe de Estado e exercia o Poder Moderador enquanto o presidente do conselho de ministro era chefe de governo e exercia o Poder Executivo. Entretanto, o chefe de Estado presidia as reuniões do conselho de ministros na presença do presidente do conselho de ministros (ou simplemente primeiro-ministro). O sistema de governo durante o Segundo Reinado não era parlamentarista, mas sim um sistema misto de governo. O chefe de Estado exercia muito poder, pois suas decisões acabavam sendo executadas pelo chefe de governo, daí a expressão o rei reina e governa.
O Poder Moderador foi exercido por Dom Pedro II, durante quase meio século, no tocante a reformas infraconstitucionais. Quando houve a pressão por reformas constitucionais (eleição para governador, eleição para senador, federalismo, controle das terras públicas pelos estados), ocorreu a passagem para a República (com eleição para presidente) que foi uma reforma política com apoio dos militares, mas não houve reforma econômica e social (reforma agrária e investimento em educação).
Na história da República, o engessamento constitucional (devido à necessidade de alto quórum para reformas) faz com que os militares passassem a exercer o papel do Poder Moderador de mudanças constitucionais, fato que se repetiu após 1930 e após 1964. Mesmo as constituições de 1946 e 1988 tiveram influência dos militares. Os fatos que marcaram o fim do exercício do Poder Moderador para mudanças constitucionais por parte dos militares foram: o impeachment do presidente em 1992, cujo papel relevante coube tanto ao Poder Legislativo como à imprensa e a estabilização econômica com o fim da indexação da economia em 1994.
Neste momento, surge o Polo Hegemônico no Presidencialismo de Coalizão que se forma através de ideias e projetos que sustentem e atraiam apoiadores para esta hegemonia. A cada eleição de presidente da República forma-se um polo hegemônico que se faz representar através do apoio majoritário na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Os partidos que apoiam o governo recebem cargos e verbas em troca do apoio parlamentar.
Em contraposição ao polo hegemônico há o polo anti-hegemônico que busca a cada eleição presidencial atrair apoios para transformar-se num novo polo hegemônico. Nas eleições de 1994 e 1998, o polo hegemônico vitorioso defendeu a estabilidade econômica e reformas econômicas. Nas eleições de 2002 e 2006, o polo hegemônico vitorioso defendeu avanço nos gastos sociais.
A polarização eleitoral nas quatro eleições não permitiu o surgimento de um tertius (terceira força) capaz de romper a lógica do sistema do presidencialismo de coalizão que se baseia na formação do polo hegemônico e do polo anti-hegemônico. As mudanças constitucionais aprovadas desde a estabilização da economia tiveram um enfoque na macroeconomia. O funcionamento do presidencialismo de coalizão depende muito da forma como atua o presidente da República (para manutenção do polo hegemônico) e também das circunstâncias que o cercam durante seu mandato.
O surgimento do tertius (terceira força) é capaz de desestabilizar o sistema de presidencialismo de coalizão por causar instabilidade política com desfechos imprevisíveis. Em 1992, antes da gênese do atual funcionamento do presidencialismo de coalizão, houve uma grave crise hegemônica onde o presidente não conseguiu atrair apoio parlamentar suficiente para manter-se no poder. Um tertius independente, de origem parlamentar, pode ser atraído para formar um polo hegemônico. No caso em questão, houve a aprovação do impeachment do presidente Collor em 1992 e o apoio ao presidente Itamar em 1993/1994.
Ao se analisar o quadro eleitoral de 2014, há três cenários políticos que devem ser levados em consideração: a) a manutenção do polo hegemônico e reeleição da presidente; b) a tentativa de manutenção da hegemonia, mas perda da reeleição por causa de uma conjuntura econômica e política desfavorável; c) o surgimento de um tertius independente que busque negociar tanto com o polo hegemônico como com o polo anti-hegemônico, causando instabilidade política com desfechos imprevisíveis ou a necessidade de reforma do presidencialismo de coalizão.
Tanto a hipótese ‘a’ como a hipótese ‘b’ seriam uma confirmação da consolidação democrática do país. A hipótese ‘c’ ocorreria se houvesse um rompimento do polo hegemônico devido a conflitos internos, dada a heterogeneidade da base, o que poderia levar à desestabilização do sistema de presidencialismo de coalizão. Apenas a conjuntura de 2014 poderá indicar em que direção vai caminhar o Brasil.
Luiz Roberto Da Costa Jr. é mestre em ciência política e autor do livro Poder Moderador: O Quarto Poder no Segundo Reinado (1840-1889) (Editora Bookess, 2010).