O que é a verdade?

O QUE É A VERDADE?

O verbete verdade, que aparece no grego como alêtheia, expressa, desde os filósofos da Antiguidade a harmonia possível de ser estabelecida entre a subjetividade cognitiva do intelecto humano e os fatos da realidade objetiva. No século VI a.C. o legislador ateniense Sólon uniu os juízos verdade e liberdade ao afirmar que quem não conhece a verdade jamais poderá se considerar integralmente livre.

No julgamento de Jesus (no evangelho de João) ao ouvir que ele viera para “dar testemunho da verdade”, Pilatos perguntou: “O que é a verdade?”. Fez a pergunta e virou as costas, desinteressado em escutar a resposta. Isto evidencia a existência, em muitos casos de uma privatização da verdade, onde cada um tem a sua e não interessa a dos outros. É preciso dizer a verdade apenas a quem está disposto a ouvi-la (Sêneca). Jesus se revela à humanidade como Caminho (odôs), Vida (dzoê) e Verdade (alêtheia).

Pois agora, a partir da idéia da presidenta Dilma foi instaurada no Brasil a “Comissão da Verdade”, como uma ponderável chance de se conhecer a história, vencendo o silêncio e o medo. É salutar que todos saibam ou recordem que o Brasil viveu a fase mais negra de sua história com a ditadura militar (1964-1985) que se instalou no país depois do golpe de 1964. Foram tempos de exceção, onde as Forças Armadas incentivadas pelo golpismo das elites brasileiras reduziu o Brasil a um país – a exemplo da maioria das republiquetas latinoamericanas – a algo divorciado dos processos democráticos e do respeito ao direito das pessoas. Embora os militares falassem em “democracia”, nosso país ficou 21 anos sem eleger o presidente, governadores e prefeitos de cidades importantes. Só aconteciam eleições para prefeito em municípios sem importância sociopolítica. .

Quem dissentisse da ditadura era – conforme o grau de seu “crime” – perseguido, demitido, preso, torturado e até morto. Um conhecido foi preso, sem sofrer violência, por algumas horas, e ameaçado de ser demitido do órgão público ponde trabalhava, por haver, numa brincadeira, chamado Castelo Branco, ditador de 64 a 67, de “sem pescoço”. Os militares e suas polícias invadiam casas ou ambientes de trabalho e arrancavam suspeitos sob violência, que apanhavam até contar o que não fizeram.... Tem vítimas cujos corpos não apareceram até hoje, sepultados ou jogados no mar. Assim como no Islã há quem negue o holocausto judeu, no Brasil tem gente que nega cinicamente a existência de torturas. Hoje ainda há muitos carrascos impunes, albergados por uma injusta “lei de anistia”, posando de democratas, até trabalhando no governo ou tentando negar as evidências da história. Na Argentina os torturadores estão, depois de um processo jurídico, todos na cadeia.

O fato é que o golpe militar de 64 foi uma violação à democracia, uma vez que João Goulart, o vice-presidente no exercício da presidência havia sido constitucionalmente eleito. Quando estudantes, sindicalistas e pessoas do povo se revoltaram contra esse ato discricionário, foram tachados de “subversivos” e inimigos da democracia, presos e torturados, quando, na verdade foram os militares, que com um golpe-de-estado instauraram a exceção e o terror. Com singular desfaçatez os militares criaram uma hilária divisa: “A revolução de 64 é irreversível e consolidará a democracia no Brasil”. Que democracia, general?

A instauração dessa comissão tem, a meu ver, vários objetivos; primeiro apontar nominalmente os algozes, depois, tentar localizar os corpos das vítimas e, por fim, criar uma memória para que todos saibam o que ocorreu e tais fatos não mais se repita. Mesmo assim, sem que se busque vingança, não seria nada demais que a propalada “lei da anistias” fosse revista, uma vez que os “subversivos” foram todos, ou a maioria, sumariamente punidos, enquanto nenhum torturador sentou no banco dos réus.

Pois a “comissão da verdade” quer luz sobre tantos fatos, como o “suicídio” de Vlado Herzog num quartel em São Paulo, o assassinato de um ex-sargento do exército, em Porto Alegre, que foi encontrado no rio Guaíba, com as mãos amarradas, no desaparecimento do ex-deputado Rubem Paiva, de Stuart Jones (filho de Zuzu Angel), das vítimas da chacina do Araguaia e tantos outros anônimos, cujas famílias choram sem poder sepultar seus corpos.

Está na hora de, como medida de impostergável justiça, se esclarecer quem é quem. No dizer de Dilma “A palavra verdade não abriga ressentimento, ódio nem tampouco perdão”. Se conhecermos a verdade ela libertará a todos nós!

Filósofo, Escritor e Doutor em Teologia Moral