Impasse Político na Grécia e a Saída do Euro como Desfecho Final
Antes de se analisar a atual situação econômica da Grécia e o impasse político que impediu a formação de uma maioria parlamentar para indiciar um novo primeiro-ministro, é necessário traçar um rápido painel histórico desde a Segunda Guerra Mundial.
A Monarquia havia sido derrubada por um golpe de estado em 1936. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Grécia derrotou a Itália na Guerra Greco-Italiana em 1940, mas posteriormente sucumbiu frente às forças nazistas alemãs na Batalha da Grécia. Houve um governo colaboracionista durante a ocupação nazista, mas esta enfrentou sérios problemas com a Resistência Grega. Após a libertação da Grécia pelos Aliados, houve uma Guerra Civil (1946-1949) entre forças comunistas e anticomunistas que provocou uma devastação na economia do país e uma enorme tensão social ao longo de três décadas.
Após a restauração da Monarquia através de referendo em 1º de setembro de 1946, o Plano Marshall (de 1948 a 1951 para a reconstrução da Europa) permitiu um rápido crescimento da economia e a diminuição da tensão política e social com os comunistas ao longo de duas décadas. Em 1964, o rei Constantine II ascendeu ao trono após a morte do pai, o rei Paul, mas durante seu rápido e curto reinado houve uma turbulência política. Nas eleições legislativas programadas para 28 de maio de 1967, havia a possibilidade de uma coalizão de esquerda e portanto a chamada “ameaça comunista”. Em 21 de abril de 1967, houve um golpe de estado preventivo com apoio dos Estados Unidos que implantou o chamado Regime dos Coronéis. O rei Constantine II apoiou o golpe esperando continuar no poder, mas depois tentou um contragolpe ao perceber que os militares controlariam o país. O rei Constantine II (1940- ) foi obrigado a abandonar a Grécia e passou a morar no exílio, em Londres, na Inglaterra. Constantine II não pode retornar à Grécia, mas foi autorizado excepcionalmente a comparecer apenas por algumas horas ao enterro da mãe (que morreu em fevereiro de 1981), em Tatoi, subúrbio de Atenas.
Em 15 de julho de 1974, o Regime dos Coronéis (1967-1974) apoiou um golpe contra o governo legítimo da ilha de Chipre o que provocou, no dia 20 de julho de 1974, uma reação da Turquia que invadiu e ocupou militarmente o norte da ilha de Chipre. Em 14 de agosto de 1974, a Grécia abandonou a OTAN em protesto contra a invasão turca.
O Regime dos Coronéis caiu em 24 de julho de 1974 em consequência do ocorrido na ilha de Chipre e a Grécia organizou eleições multipartidárias em 17 de novembro de 1974. A monarquia foi abolida por referendo em 8 de dezembro de 1974 e houve a promulgação da constituição em 11 de junho de 1975. A polarização da sociedade, que havia antes do golpe de estado, refletiu na organização partidária na redemocratização do país O partido de centro-direita chama-se Nova Democracia e o partido de centro-esquerda chama-se Movimento Socialista Pan-Helênico (Pasok). A Nova Democracia governou em três períodos: (1974 a 1981), (1989 a 1993) e (2004 a 2009). O Pasok governou em três períodos: (1981 a 1989), (1993 a 2004) e (2009 a 2011). Uma regra das eleições gregas, na distribuição das cadeiras, chama muito a atenção: o partido com mais votos é beneficiado com 50 cadeiras a mais, a fim de garantir a governabilidade do país em prejuízo da representatividade dos partidos (a proporcionalidade dos votos é sobre 250 cadeiras e não sobre o total de 300 cadeiras).
Em 1980, a Grécia retornou à OTAN. Em 1981, a Grécia foi aceita como o décimo membro da Comunidade Europeia (que posteriormente tornou-se União Europeia), o que impulsionou a economia grega na década de 1980. Em 2001, a Grécia adotou o Euro como moeda e, em 2004, a cidade de Atenas recebeu os Jogos Olímpicos.
Em 2008, em decorrência da Grande Recessão, a Grécia passou a enfrentar problemas com a crise gerada pelo aumento da dívida pública. Em decorrência da crise econômica, dois pacotes de ajuda foram necessários para tentar manter a estabilidade financeira do país, mas a forte recessão e os violentos protestos com várias greves gerais, em decorrência dos severos ajustes na economia, levaram o Pasok a perder apoio parlamentar e manter-se muito próximo à maioria absoluta (151 deputados do total de 300 deputados). No final de 2011, uma coalizão Pasok-Nova Democracia foi formada para manter os planos de austeridade econômica (um pequeno partido chegou a integrar a coalizão mas depois abandonou-a).
Eleições antecipadas para formar um novo governo foram marcadas para 6 de maio de 2012. Os resultados da eleição levaram a um impasse político sobre a formação de uma maioria parlamentar para indicar um novo primeiro-ministro e formar um novo governo. A Nova Democracia conseguiu 108 cadeiras e o Pasok, 41 cadeiras. Os dois partidos juntos conseguiram 149 cadeiras e, portanto, ficaram a apenas duas cadeiras da maioria absoluta. Outros cinco partidos superaram a cláusula de barreira de 3% e conseguiram cadeiras no parlamento grego: Syriza, Esquerda Democrática, Partido Comunista, Gregos Independentes e Amanhecer Dourado.
A Coalizão da Esquerda Radical (Syriza) tornou-se o segundo partido mais votado do país e conseguiu 52 cadeiras. Syriza conseguiu ser o partido mais votado em Atenas e em outras grandes cidades da Grécia. O líder do partido é Alexis Tsipras de 37 anos. Syriza agora é uma referência progressista ao superar o hegemônico Pasok. Alexis Tsipras é o primeiro líder de partido nascido após a caída da ditadura grega em 1974. Ele foi dirigente estudantil na década de 1990 e como líder do Syriza critica a corrupção dos partidos Nova Democracia e Pasok. Syriza é uma coalizão de partidos e organizações de esquerda que são provenientes do movimento antiglobalização e do Fórum Social Grego. As lutas do movimento permitiram criar uma aliança contra as reformas neoliberais do sistema de aposentadorias, contra as leis antiterroristas e prepararam a participação grega na “contracúpula” internacional de Genova em 2001. O partido defende a nacionalização dos bancos e setores estratégicos da economia, além de mais participação democrática e a defesa de direitos sociais.
A Esquerda Democrática conseguiu 19 cadeiras. Este partido é uma cisão do Syriza e conseguiu o voto de descontentes com o Pasok. É um partido crítico à União Europeia, mas defende manter o país no euro e renegociar as medidas de austeridade. O Partido Comunista (KKE), o mais antigo da Grécia, conseguiu 26 cadeiras e se nega a formar coalizão com outras forças de esquerda, pois defende que a Grécia abandone o euro e a União Europeia.
O partido de centro-direito Gregos Independentes conseguiu 33 cadeiras. Este partido é uma cisão da Nova Democracia por criticar o posicionamento de seguir as medidas defendidas pela União Europeia. Sua posição conservadora e nacionalista apela para um discurso em defesa da “nação grega” frente à perda de soberania para a União Europeia.
O partido neonazista Amanhecer Dourado conseguiu 21 cadeiras. Este partido foi fundado em 1993 por um ex-oficial do exército grego. O partido mantém vínculos com vários movimentos neonazistas europeus e com elementos do Regime dos Coronéis que caiu em 1974. O partido prega o ódio aos imigrantes e faz um discurso ultranacionalista antieuropeu.
O desencanto da população com os dois grandes partidos (Nova Democracia e Pasok), que se revezaram no poder por quase quatro décadas, levou a um impasse político após as eleições de 6 de maio de 2012, quando faltaram apenas 2 cadeiras para a formação de uma maioria absoluta e a indicação de um novo primeiro-ministro. Outros cinco partidos conseguiram superar a cláusula de barreira de 3% e este fato levou a uma fragmentação partidária e a não formação de uma maioria absoluta por causa dos interesses divergentes dos sete partidos com base parlamentar. Os dois grandes partidos são favoráveis à manutenção do plano de austeridade econômica enquanto os outros cinco partidos são muito críticos por causa da forte recessão que já dura quase cinco anos e que provocou um grande aumento na taxa de suicídios na Grécia. O suicídio que mais chamou a atenção, porque causou comoção nacional e chocou o país, foi do farmacêutico aposentado Dimitris Christoulas, de 77 anos, que se matou com um tiro na cabeça na Praça Sintagma, em frente ao parlamento grego, e tornou-se um símbolo do sofrimento do país. Dimitris Christoulas deixou uma carta dizendo que o governo “colaboracionista” aniquilou as possibilidades de sobreviver e que os jovens deveriam pegar em armas e fuzilar os traidores e pendurá-los, em praça pública, como os italianos fizeram com Mussolini em 1945. Este dramático suicídio, em 4 de abril, incendiou o debate político na Grécia. No dia 6 de abril, no aniversário da invasão alemã na Grécia durante a Segunda Guerra Mundial, Stamatis Kalogeropoulos publicou um poema e uma canção no seu blog Poesia e Narrativa, em memória de Dimitris Christoulas. Estes acontecimentos podem ter sido catalisadores para impedir a formação de uma maioria absoluta por parte da Nova Democracia e do PASOK, nas eleições de 6 de maio de 2012, e provocado uma meteórica ascensão da Coalizão da Esquerda Radical (Syriza).
O partido favorito para ganhar as novas eleições, em 17 de junho, é exatamente a Coalizão da Esquerda Radical (Syriza), mas apenas os resultados finais poderão indicar se Syriza conseguirá ou não formar um novo governo. O líder Alexis Tsipras afirmou que a saída da Grécia da eurozona seria um desastre que provocaria uma crise humanitária e que ele está disposto a negociar até onde for possível para manter a Grécia na zona do euro. Ele também afirmou que deseja negociar com a troika (Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a União Europeia) para rever o programa de austeridade econômica do pacto fiscal e incluir medidas de estímulo para o crescimento econômico.
A criação do euro como moeda única partiu de um projeto monetarista comum, mas que não previu plano de contingência para um país abandonar a moeda e reintroduzir sua moeda nacional. A saída da Grécia da zona do euro pode tornar-se um estudo de caso por mostrar como todos os atores ajudaram no desastre: 1) A União Europeia aceitou a Grécia na zona do euro sem verificar adequadamente sua dívida pública e seu déficit fiscal; 2) O governo da Grécia maquiou suas contas para conseguir aderir ao euro; 3) A oposição ao governo não fiscalizou ou denunciou a real situação econômica da Grécia, assim como o presidente do país (que ficou sem poderes após a reforma constitucional de 1986); 4) Os juros abaixaram de 8% para 1% a 2%, após a entrada na zona do euro, e os bancos emprestaram muito dinheiro sem muito rigor e sem muitas garantias; 5) Parte da população conseguiu empréstimos acima da sua capacidade de pagamento; 6) O desvio de dinheiro e a corrupção no governo, entre outros motivos por causa da Olimpíada de Atenas, não resultaram em prisão de políticos ou congelamento de contas na Suíça e em outros paraísos fiscais para repatriamento do dinheiro; 7) Há falta de reformas estruturais no país como, por exemplo, o aumento da idade para aposentadoria e do valor de contribuição para reduzir o déficit previdenciário, assim como privatizações de alguns setores da economia; 8) Os sucessivos cortes nas aposentadorias e nos salários durante a profunda recessão não atingiram a elite burocrática do funcionalismo público aumentando ainda mais a revolta da população; 9) A troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia) está mantendo um programa de austeridade com profunda recessão sem oferecer financiamento para estimular o crescimento econômico, por exemplo, com o aumento do papel do Banco Europeu de Investimento e o uso de fundos da União Europeia para infraestrutura; 10) A grande mídia internacional cobriu a crise da Grécia, durante muito tempo, apenas do ponto de vista econômico sem a dimensão política e social. Agora está perplexa ao acompanhar o desenlace final da tragédia grega e sem entender porque não há maioria absoluta para formar um novo governo que apoie a manutenção das medidas de austeridade do pacto fiscal.
Apenas a grande mídia internacional ainda pode tentar reverter a situação do impasse político na Grécia e a saída do euro como desfecho final, se conseguir mudar a opinião pública europeia para a adoção de medidas para estimular o crescimento econômico e não apenas a manutenção do programa de austeridade do pacto fiscal. Uma maioria parlamentar de esquerda nas eleições parlamentares em junho, tanto na França como na Grécia, pode ser um fator decisivo para tentar mudar a cobertura da grande mídia internacional sobre o futuro da Europa em reverter a recessão no continente europeu com medidas de estímulos ao crescimento econômico.
A perspectiva progressista de manter a Grécia no euro poderia acabar derrotada pela inflexibilidade da perspectiva conservadora. Neste caso, a saída da Grécia do euro teria impacto significativo em termos de segurança por causa do aumento do nacionalismo e de tensões com a Turquia e a Macedônia, como poderia provocar uma forte queda nas bolsas de todo o mundo e aumentar o risco de contágio dos demais países da zona do euro. A turbulência na Europa levaria ao aumento do risco das dívidas públicas dos demais países do bloco do euro. Isso começaria por afetar Portugal e Irlanda que também poderiam ser forçados a abandonar o euro, assim como poderia tornar insustentáveis os refinanciamentos das dívidas públicas da Espanha e da Itália. Neste caso, França e Alemanha finalmente seriam forçadas a tomar medidas drásticas para tentar salvar o euro.
O mercado (que faz investimentos e aplicações) têm condições de buscar a realização de seus interesses no decorrer da atividade cotidiana dentro do sistema de produção capitalista. Quando decide investir ou não, empregar ou dispensar trabalhadores, adquirir títulos públicos do governo, exportar ou importar, há a alocação de recursos provenientes da sociedade. Por um lado, o mercado é uma instituição que coordena as decisões privadas. As decisões tomadas por investidores procuram maximizar os lucros e respondem à preferência dos consumidores com respeito a alocação dos recursos. O controle sobre investimento é a questão central da política econômica porque nenhuma outra decisão tomada privadamente produz um impacto público tão intenso. Por outro lado, a população que sofre o impacto da recessão na Europa com um aumento brutal do desemprego só pode reivindicar direitos por meio do sistema de representação, principalmente ONGs, associações, sindicatos e partidos políticos.
As sucessivas greves gerais e a repressão policial mostraram que o único caminho de mudança na Grécia seria pela via parlamentar. Em vários países europeus, houve a queda do governo e a vitória da oposição, mas o caso da Grécia é muto distinto, pois não houve formação de governo por causa da ausência de maioria absoluta. A implosão do centro político onde gravitavam tanto a Nova Democracia como o Pasok, os dois partidos perderam o apoio de cerca de metade de seus eleitores, demonstra o dramático desmantelamento da classe média. A aversão da opinião pública, com que os dois grandes partidos (Nova Democracia e Pasok) se defrontaram na campanha eleitoral, foi o resultado de suas ações passadas. A situação que os dois partidos encontram-se no presente são produto de estratégias escolhidas no passado.
O estado de bem-estar social foi duramente afetado fazendo ressurgir o radicalismo de propostas tanto da extrema-esquerda comunista como da extrema-direita nazista. A ameaça de rompimento do contrato social (receber salários, pagar impostos, comprar bens e receber serviços públicos) pode levar a implosão da democracia parlamentar na Grécia. A expectativa de que os lucros correntes seriam transformados em melhoras futuras nas condições materiais é a base do consentimento ativo dado pela sociedade democrática ao funcionamento do capitalismo. As bases materiais do consentimento ativo mantém a coesão social, assim como o funcionamento e a legitimidade do sistema democrático. Uma violenta ruptura pode provocar uma grave instabilidade política, econômica e social na Grécia. Mais de 75% dos eleitores desejam permanecer no euro e na União Europeia e, por isso, forçar a saída da Grécia seria romper o pacto de construção de um projeto europeu de integração de todo o continente que já dura mais de meio século.
A democracia consiste na organização do poder político que determina a capacidade dos grupos concretizarem seus interesses. As chances são desiguais devido aos recursos econômicos, ideológicos e organizacionais, mas não são predeterminadas ou imutáveis. Todos têm de lutar continuamente e nenhum grupo tem condições de garantir seus interesses de modo definitivo, dado o conflito que há num ambiente democrático, mas todos têm de curvar-se perante seus resultados. Opor-se aos resultados seria defender interesses particularistas em oposição à vontade da maioria. A saída da Grécia da zona do euro, quando ela quer permanecer e negociar, contrapõe de maneira perigosa: a livre vontade manifestada nas urnas por uma ampla maioria que vota de maneira democrática, aos interesses econômicos de uma minoria que não vota, mas decide em nome de toda a União Europeia.