De quem é a responsabilidade?

O Comitê Xingu Vivo, um conjunto de dezenas de entidades e movimentos sociais contrários à construção da usina de Belo Monte, quebrou ontem o protocolo, durante a abertura de um seminário no auditório do Instituto de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Pará (UFPA), exigindo que fosse lida - o que acabou acontecendo - uma nota pública contra a postura da ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, acusada de “cercear a fala da sociedade civil que iria denunciar as inúmeras violações aos direitos humanos que já vêm ocorrendo com a construção da hidrelétrica”.

O trecho foi retirado de uma matéria publicada pelo jornal Diário do Pará nesta quarta-feira 21. A matéria destaca as críticas a ministra que ousou dizer que o Pará tem problemas de violação dos direitos humanos há décadas e a UHE Belo Monte não tem “ainda” nada haver com isso. O fato é que apesar do enorme alarde em torno do assunto e dos gritos de protestos desferidos na direção da ministra, o Estado é de longa data um lugar, ou melhor, uma terra aparentemente sem lei.

Não preciso lembrar aqui da morte da missionária americana Dorothy Stang, em Anapú. Das crianças emasculadas em Altamira, dos trabalhadores mortos em todo o interior do estado por denunciar o desmatamento ilegal. Tudo isso prova que o Pará está na rota contrária daquela que prima pelo respeito à vida há muito tempo. Não foi Belo Monte que trouxe o caos, ele já estava aqui e os processos engavetados ou empilhados nos fóruns com paredes mofadas em sem computadores de todo o estado podem comprovar isso.

Não faz muito tempo a delegacia de Senador José Porfírio contava com uma viatura, detalhe, tratava-se de uma moto velha que havia sido apreendida durante operação de rotina na cidade. Quem também não gozava de sorte diferente era Uruará, onde policiais militares e civis (estes um delegado, um escrivão e somente um investigador) contavam com uma viatura para dar conta de uma região com mais de 20 mil pessoas.

Uma coisa é certa, a Usina fatalmente trouxe a tona, mais uma vez, esses problemas já que elevou o nome da região as pautas de redações de todo o planeta. Mas aí dizer que a hidrelétrica é a culpada por todos os males do estado e da cidade de Altamira é um pouco de exagero. Basta um passeio de sete anos passados na história da cidade para se comprovar que nenhuma escola foi construída, o ECOM, que dá acolhimento a crianças vítimas de violência já foi alvo de denúncia do MPE por abandono. A cidade não conta com praças, não tem rede de esgoto, a distribuição de água não chega nem a metade dos moradores, sem contar com as péssimas condições das ruas.

A lista de problemas é grande e mais de 90% deles culminam em um detalhe, prefeita e vice respondem a uma lista de processos e para quem não se lembra, estão inelegíveis, esse mandato é o último dos próximos oito anos. Esse é o cenário em que vivem crianças e mulheres em Altamira, onde a delegacia da mulher não funciona aos finais de semana, quando os agressores tendem a beber e praticar suas covardias. É nesse cenário, há anos, que essas vítimas vivem sem que ninguém faça nada.

Ao dizer que Belo Monte não deveria estar na berlinda em um relatório que deveria apontar sim irregularidades, oriundas de anos de abandono, corrupção e injustiças, sem criar bodes expiatórios ela (a ministra) foi criticada. Mas afinal, onde está o absurdo que ela tenha dito?