ALEGORIA DA VELHICE INJUSTIÇADA

Dói-me no fundo da alma recordar o que passou, vidas vividas em tempos idos, idos infindos e condoídos com aquilo que estou passando agora, é um excesso de passado e de vazio que me torna mais velho do que sou realmente. Em toda a minha vida até agora tudo aconteceu numa rapidez em demasia. Antes, eu vivia, eu cantava e sorria, nem pensava no amanhã. O amanhã veio e sem fim vivo, justamente porque somente os mortos conhecem o fim de tudo isto.

Vem-me à imaginação, neste estágio de vida, a idéia de um pequeno mundo submerso onde sempre vivi, desde pequeno, desde o nascimento, onde sempre presenciei geração após geração, pessoas sempre aprisionadas viveram. A arte cinegética, muitos rabejam pela escuridão da noite, perseguem as presas, forçando-as a subir, e com elas sobem sem coragem para descer depois. Outros tantos recorrem a velhos navios, forçando navegação sobre uma lama pesada de um rio repleto de lágrimas. A noite impera em torno de tudo isto. São seres humanos forçados a permanecer sempre no mesmo lugar, imóveis, impossibilitados de olhar a vida com olhos de otimismo e fé, vítimas de uma força estranha gerada pelos próprios. Uma réstia de luz provinda de uma abertura qualquer penetra naquele recinto, ensejando, através da fraca luz, o que se passa naquele interior. Este brilho que entra é reflexo de uma fogueira ardente produzindo luz e calor para os detentores do poder supremo que estão lá fora. No extremo, lá dentro, é maioria que impera, sem império, sem tempo adverbial ou conjunção subordinativa. Não existe explicação. Entre a luz e os prisioneiros, há um caminho ascendente, íngreme, existindo um obstacular impedimento, como se fosse a parte fronteira de um palco de palhaços e marionetes. Desfilam atos e fatos desta mesma gente aprisionada.

Hoje é o dia do trabalho. Primeiro dia de maio, mes das flores, mes de Maria, primeiro dia estressante, mentiroso e cruel; aprisionados, os prisioneiros em carreio, cabisbaixos se deixam levar. Festejar o que? O que esperar daqui para a frente? Enquanto isso, a fogueira arde, incendeia lá fora, escândalos se sucedem, injustiças se cometem e a desordem prolifera. Goethe escreveu: "Prefiro uma injustiça a uma desordem" mas, o que dizer se ambas se irmanam neste Brasil infeliz?

"Não é bem assim", dizem uns, "existem muitos ricos", exclamam outros, "as televisões noticiam muitos brasileiros viajando para o exterior" protestam os demais. Primeiro de maio festeja o trabalho neste palco planejado de pessoas robotizadas, estátuas e animais bem tratados por madames ricas e pretenciosas, desfilam suas fantasias para quem gosta de riquezas, vaidades, frivolidades estampadas diante de olhos famintos, remelentos e sem viços. Para estes, são dias inúteis, são passeios ou caminhadas improváveis...

Primeiro dia de maio, obtuso proceder, sucessivas injustiças cometidas são, honestidade pervertida, sem força para trabalhar, o bem inexiste; jovens insensíveis, herdeiros de podres poderes, cultura do corpo, regidos pelo consumismo, buscam o brilho, a fortuna, a sorte ocasional, o ganho fácil. Daí a desonestidade se manifesta, cruenta festa à custa dos outros, a banalização da fé em Deus.

Cervejas, carteados, bancos de praça, burlam a morte os velhos próceres de outrora, desamparados de certos vocábulos, margeiam uma sociedade em decomposição. Engasgam-se de tanto falar porque longe dali perderam o poder de decisão, perderam a voz, são desrespeitados. Cada vez mais a aposentadoria é minguada, direitos lhes são retirados por um governo malsão que os maltrata; friamente são postergados a ínfimos planos de prioridades. Acordam-se com bocas amargas e muita angústia em corações cheios de amor ainda. Procuram corrigir esta injustiça com prazer, mas como, se prazer, neles, inexiste? Para os pobres aposentados deste Brasil de hoje, lhes são imposto sofrer um castigo irônico. Ou é isso, ou é uma cruel distração por parte deste governo que se diz "governo dos trabalhadores"

Olho-me no espelho, oh espelho infame! O que vejo refletido em meus olhos? A velhice? Isso não importa. O peso dos anos pesando sobremaneira? Nada disso. Vejo e reflexo da dor, do desencanto, do desespero. O mundo esqueceu de mim, neste primeiro de maio principalmente. Com exatidão, mergulho do céu, à noite, preferencialmente, como uma ave de rapina, agourenta e faminta. Faço parte de um coral que clama e protesta, vozes fracas, transeuntes passam, nem escutam o nosso clamor, ou temos cara de Sherazade? Não importa, amanhã eles envelhecerão também...

O que hoje há de falso no Palácio do Planalto cuja verossimilhança maltrata tanto o aposentado brasileiro? Vários octogenários com quem conversei, estão convencidos de que sempre existiram ameias espalhadas pelos ministérios em Brasilia onde se escondem guardiões prontos a massacrar os pobres aposentados desta nação. Os velhos miseráveis, de uma miserabilidade instituída, tentam me convencer a respeito desta verdade verdadeira, traiçoeira e assassina: no período hibernal da existência nada de notável existe, ou nada procura existir o menos possível. No Brasil, os pobres velhos vivem largos anos prisioneiros deste terror chamado governo federal.

Apesar de tudo, Feliz dia do Aposentado por extensão, porque o dia do Trabalho é o primeiro passo para uma aposentadoria infeliz.

Carlos Lira

Deve-se temer a velhice, porque ela nunca vem só. Bengalas são provas de idade e não de prudência.

clira
Enviado por clira em 01/05/2012
Reeditado em 23/08/2017
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