A Eleição na França e o Futuro da Europa

O sistema de governo francês é híbrido por ser caracterizado pela eleição direta do presidente da República (chefe de Estado) e a formação de uma maioria parlamentar que indica o primeiro-ministro (chefe de governo). Este sistema de governo da Quinta República que fortaleceu o poder presidencial foi um contraponto à fragilidade da formação de maiorias parlamentares tanto na Terceira República, antes da Segunda Guerra Mundial, como na Quarta República após a Segunda Guerra Mundial. Diante dos impasses para solucionar a crise de independência da Argélia, então colônia francesa na década de 1960, o general Charles de Gaulle tornou-se o primeiro presidente da Quinta República e depois foi eleito diretamente nos moldes deste sistema misto de governo.

O cientista político Maurice Duverger, em seu clássico livro “Échec au Roi” (1978), denomina este sistema misto de governo como semipresidencialismo por combinar as características tanto do presidencialismo (eleição direta do presidente) como do parlamentarismo (formação de maioria parlamentar que indica o primeiro-ministro). No caso da França, tanto o general De Gaulle como seu sucessor Georges Pompidou exerceram o poder com ampla preponderância de chefe de Estado, reduzindo o primeiro-ministro ao papel de preparador e executor das decisões tomadas pelo presidente. Este fato levava ao paradoxo de transformar o chefe de Estado num monarca presidencial. Segundo Maurice Duverger, neste caso há o que ele caracteriza como monismo majoritário com hegemonia do chefe de Estado.

Dada a dinâmica do sistema e o fato das eleições não serem coincidentes por haver o setênio presidencial e o quinquênio parlamentar, Maurice Duverger levantou em seu livro a possibilidade de surgir um governo de coabitação: presidente conservador versus primeiro-ministro socialista ou presidente socialista versus primeiro-ministro conservador. Tais possibilidades de divergência na condução da política acabaram acontecendo de fato por três vezes: 1986/1988, o presidente socialista François Mitterrand versus o conservador primeiro-ministro Jacques Chirac; 1993/1995, o presidente socialista François Mitterrand versus o conservador primeiro-ministro Edouard Balladur; finalmente em 1997/2002 com o presidente conservador Jacques Chirac versus o primeiro-ministro socialista Lionel Jospin. Esta terceira coabitação foi a mais longa por durar cinco anos. Nestes casos de coabitação, há o que Maurice Duverger caracteriza como dualismo majoritário com preponderância do primeiro-ministro.

O setênio presidencial foi reduzido para quinquênio presidencial, medida aprovada por referendo no ano 2000, de forma a fazer coincidir as eleições presidenciais e as eleições legislativas (no mesmo ano) a fim de minimizar a possibilidade de formação de novos governos de coabitação. Ao realizar eleições presidenciais em maio e as eleições legislativas em junho, os eleitores já sabem quem é o novo presidente de forma a possibilitar-lhe a formação de uma maioria parlamentar visando uma convergência de interesses políticos. Em 2002, o presidente Jacques Chirac obteve uma maioria parlamentar conservadora de maneira a indicar um primeiro-ministro alinhado com sua política de governo (trocando-o durante o quinquênio 2002/2007). Em 2007, o presidente Nicolas Sarkozy também obteve o apoio de uma maioria parlamentar conservadora de maneira a indicar o atual primeiro-ministro François Fillon que é alinhado com sua política de governo (durante todo o quinquênio 2007/2012).

A eleição do socialista François Hollande para presidente coloca duas possibilidades para análise tanto da eleição na França como no futuro da Europa. Por um lado, se houver uma maioria parlamentar que indique um primeiro-ministro socialista, o novo presidente terá mais apoio e respaldo para discutir políticas de estimulo ao crescimento econômico do país. François Hollande propõe não ratificar o pacto assinado por 25 países e pretende reabrir o debate sobre o pacto fiscal. Isto pode levar a um confronto desestabilizador sobre a crise da dívida ao questionar a insistência alemã na austeridade orçamentária da zona do euro, mas a chanceler alemã Angela Merkel já acenou que propostas de estímulo ao crescimento podem ser discutidas numa cúpula em junho. Por outro lado, se houver uma turbulência no mercado financeiro com fuga de capitais, ao longo do mês de maio, que ajude numa vitória dos conservadores nas eleições legislativas de 10 e 17 de junho (renovação de toda a Assembleia Nacional com votação distrital em dois turnos por maioria absoluta), haveria a indicação de um primeiro-ministro conservador mais alinhado com a ratificação do pacto fiscal, que poderia hipoteticamente ser até mesmo Nicolas Sarkozy.

Na primeira possibilidade, o presidente François Hollande teria mais margem de manobra contra a chanceler alemã Angela Merkel a fim de obter compromissos de estímulo ao crescimento econômico e, portanto, o pacto franco-germânico (motor da economia europeia) teria que ser rediscutido para o futuro da Europa, visando combater o aprofundamento da recessão e o aumento do desemprego em todo o continente europeu.

Na segunda possibilidade, o socialista François Hollande teria menos margem de manobra por estar num governo de coabitação com um primeiro-ministro conservador. A chanceler alemã Angela Merkel não precisaria necessariamente que renegociar o pacto franco-germânico. Entretanto, uma nova coabitação com duração de cinco anos em meio a uma crise econômica seria impraticável. Restaria ao presidente François Hollande recorrer à dissolução da Assembleia Nacional para obter uma maioria em nova eleição legislativa para indicar um primeiro-ministro socialista, mas ele correria o risco de ficar muito enfraquecido caso fosse confirmada a manutenção de um primeiro-ministro conservador.

O quadro político da França, pendendo entre a primeira possibilidade e a segunda possibilidade, ficará claro apenas após o resultado final das urnas no segundo turno das eleições legislativas em 17 de junho e a nomeação do novo primeiro-ministro. No semipresidencialismo, como no xadrez, os movimentos das peças provocam efeitos sobre toda a posição e, portanto, sobre a análise da situação, como no caso acima quando há xeque ao rei, como no título do livro de Maurice Duverger (traduzido para o português como “O Regime Semipresidencialista”, Editora Sumaré, 1993).