Marxismo no século XXI

Marxismo no século XXI

Enquanto boa parte dos marxistas olha para a Europa buscando respostas para a renovação do pensamento socialista e outros socialistas apostam na construção confusa do socialismo do século XXI, outro nome para o chavismo, podemos encontrar alternativas nas propostas mais radicais do socialismo revolucionário: o trotskismo, o existencialismo e outra proposta que não era socialista, mas que se faz indispensável – a antropofagia.

Nada de realmente revolucionário virá de gramscianos e de chavistas. Estes são os neorreformistas de discurso radical, mas incapazes de se tornarem portadores do futuro. Os social-democratas e os stalinistas já foram condenados pela História, sendo cadáveres insepultos, que atuam como auxiliares do poder nos governos e no movimento. Agentes da classe dominante, voluntária ou involuntariamente, desde sempre. O guevarismo é produto do desespero da vanguarda frente à terrível realidade ou de um romantismo ingênuo, inspirador e cativante, mas que cimenta a estrada para a derrota, assim como o maoismo e de fora do marxismo, o anarquismo, e todas as demais correntes voluntaristas e subjetivistas. A terceira via é o neoliberalismo de base social de esquerda e progressista e, assim como o trabalhismo brasileiro e o populismo latino-americano, não passa de uma estratégia da classe dominante para disputar a consciência e os votos da classe trabalhadora.

Infelizmente, as correntes mais avançadas do marxismo e do movimento social e intelectual do nosso tempo sempre foram minoritárias, senão marginais. O trotskismo e sua concepção absolutamente radical, pautada na estratégia da revolução socialista mundial e no princípio da democracia operária, que se aplicaria tanto ao movimento quanto ao Partido e se estenderia ao Estado socialista futuro; e o existencialismo sartreano e a busca da liberdade individual, através do caminho da escolha e da responsabilidade pelas escolhas feitas, relacionando a liberdade pessoal com a luta pela libertação coletiva, devolvendo ao marxismo a dimensão do humanismo, sempre tiveram mais força entre a juventude do que entre os trabalhadores e sempre foram criticados e até mesmo rechaçados pela maioria dos lutadores sociais e dos intelectuais. A situação do mundo atual não parece corroborar com as teses dessa maioria.

Além disso, não existe possibilidade de renovar o marxismo que não seja pelo caminho da originalidade, da criatividade e da ousadia. Mariatégui e Oswald de Andrade trazem para o marxismo uma nova visão de mundo, que rompe completamente com o evolucionismo e com o eurocentrismo. Mariatégui foi capaz de enxergar a possibilidade histórica de uma transição socialista a partir das comunidades indígenas. O modo de vida comunitário de indígenas e de camponeses pode ser uma ponte para o comunismo futuro. O regime de cooperação e o coletivismo presentes na cultura indígena podem servir para fortalecer o coletivismo presente no comunismo marxista. Uma visão dura de progresso, inteiramente iluminista e europeia, pode obscurecer o nosso campo visual e contribuir para a manutenção do estado atual de coisas, por não mobilizar as forças sociais reais existentes e por não trilhar os atalhos históricos possíveis em direção ao socialismo. Talvez precisemos de um certo primitivismo contra a alienação tecnológica capitalista, que barra o progresso social, aprisionando o nosso horizonte na lógica mercantil, produtivista, tecnicista. Oswald de Andrade é um mergulho no que temos de mais primitivo e originário e, portanto, mais autêntico e transforma o primitivo na versão moderna dele mesmo até o ponto em que se torna um produto completamente original. A antropofagia é o laço que une o nacional e o regional e o universal, o local com o global, o antigo com o moderno, o velho com o novo, o estado primitivo ou natural com a técnica mais avançada. O tropicalismo expressou de maneira bastante viva essa concepção estética e até mesmo filosófica.

O marxismo do século XXI deve se encontrar com a juventude e com os povos indígenas de modo inextricável e ter esses setores sociais como seus pilares de sustentação na vida política e social. Esses grupos sociais se insurgem contra o poder capitalista de forma sistemática e irreconciliável. A vida comunitária de indígenas e de quilombolas é por si só uma ameaça ao capitalismo e à propriedade privada, sendo, por isso mesmo, mais duramente combatida. A inexistência de propriedade privada e a ausência de uma lógica mercantil que domine as relações sociais são exemplos perigosos. O trotskismo, o existencialismo e a antropofagia são armas política, filosófica e estética fundamentais na renovação do marxismo. O radicalismo presente na ideia de revolução mundial é o que torna o trotskismo tão odiado. Não existe possibilidade de acordo ou de cooptação, porque o objetivo não é ganhar posições, mas, sim, destruir por completo a sociedade burguesa e o sistema capitalista. A luta antiburocrática torna o trotskismo incômodo por ameaçar os privilégios dos burocratas socialistas e capitalistas. O existencialismo sartreano rompe com a obediência cega aos chefes como valor fundamental, restitui ao indivíduo o seu papel na construção da sociedade, permite-lhe a liberdade de escolha e a história e a vida passam a ser vistas como um campo de possibilidades, colocando em xeque todo tipo de fatalismo, de estruturalismo e de determinismo. A antropofagia permite que o índio devore o burguês e vomite o homem novo. Um partido leninista pode ser composto por jovens, ter uma base indígena, realizar ocupações de terras e mobilizar através de blogs. Um músico pode tocar numa guitarra uma mistura de samba com música clássica, cantando uma letra de rap. A originalidade é o caminho para a revolução.