SEU GRANJA OUTRA VEZ

SEU GRANJA OUTRA VEZ

Voltamos a Seu Granja, agora já adulto, militando no Espírito Santo.

Com a queda de Getúlio Vargas e a ansiedade do povo por democracia, que parecia ser a razão maior da Grande Guerra que se encerrara, o Partido Comunista voltara à legalidade em maio de 45, conseguindo expressiva votação nas eleições de dezembro elegendo 14 deputados constituintes que no ano seguinte ajudariam na concepção da nova carta magna do país e fazendo de seu paladino, Luiz Carlos Prestes, senador.

No clima de euforia, os comunistas, ingenuamente, acreditaram que teriam longo convívio com o povo à luz do sol, em um Brasil comandado por um militar, e logo quem, Eurico Gaspar Dutra, eleito presidente nas mesmas eleições do ano anterior, e que havia sido ministro de Getúlio e o ajudara a usar o plano Cohen (documento forjado pelo capitão Olímpio Mourão Filho que detalhava uma suposta preparação dos comunistas para a tomada do poder no Brasil e descia até aos requintes de barbárie com que seriam tratadas as instituições conservadoras do país) como pretexto para o golpe que iria jogar o Brasil em uma ditadura que duraria até 1945.

Como era de se esperar, em 1947 Dutra rompe com a Rússia e joga o PC do B novamente na ilegalidade. Com o agravante de que, com o breve período em que pôde funcionar às claras os donos do poder tiveram a oportunidade de identificar todos os seus membros envolvidos em atividades políticas, ou seja, malandramente haviam transformado os idealistas de esquerda em comunistas de carteirinha.

Aí voltaram as perseguições, prisões, empastelamento de jornais de linha esquerdista, e neste vendaval lá se foram seu Granja e seus “camaradas” para as sombras outra vez.

Pois não é que, aproveitando-se desta sombra, subiram o Penedo ao abrigo escuridão da noite e, não se sabe se por destemor ou ignorância, fizeram rolar em pequenas roldanas uma bandeira com a foice e martelo, símbolo maior do comunismo soviético, até o meio da baía de Vitória. Uma fiada de chumbo colocada na parte inferior garantia a sua posição vertical e esticada.

Vitória acordou com aquele vermelhíssimo “pendão da esperança” balançando suavemente no embalo do terral, e fazendo para a cidade, a população perplexa e divertida, enquanto as autoridades tomavam ”providências urgentes” para a sua retirada.

Foram mobilizadas as polícias civil e militar, o corpo de bombeiros e a capitania dos portos para a retirada do símbolo proscrito, que Stalin, com sua característica de totalitário e cruel, ajudava a transformar em um símbolo do mal, para as nações ocidentais ditas democráticas.

As primeiras tentativas foram com longas varas e resultaram em fracasso, para vibração da patuléia que correra para a curva do Saldanha para assistir aos embates, e que vaiava alegremente cada tentativa dos bravos soldados e aplaudia a cada vitória da bandeira, que teimava em continuar balançando (o chumbo não a deixava tremular), mesmo quando tentaram com ganchos nas pontas das varas.

Algumas horas de tentativas infrutíferas a vocação guerreira falou mais alto: “não vai por bem, vai por mal. Tragam os fuzis!”. Aí foi a farra total. A cada saraivada a galera do alto do Saldanha explodia em palmas, vaias, gozações. Era o povo indo à forra com o fracasso dos milicos, a aparente impotência diante de um frágil pedaço de tecido com um grande significado naqueles tempos.

Enfim, a insistência venceu e um tiro acertou o carrinho de roldanas, e a bandeira começou a cair, descendo desfraldada por força da fieira de chumbos em sua parte de baixo, e ao tocar o mar, a mudança de densidade entre o ar e a água fez com que ela afundasse dobrando-se sobre si mesma, como se estivesse sendo guardada, sob os olhares tristes do povo e as comemorações da meganhada.

Bandeira perdida, batalha ganha, pois durante muitos anos a façanha seria lembrada e o dever de protestar cumprido por “seu” Granja e seus “camaradas”.

laurokoehler
Enviado por laurokoehler em 21/01/2012
Reeditado em 21/01/2012
Código do texto: T3453080