Os modelos de relacionamento entre Estado e sociedade no Brasil (1970 a 1990)
O modelo do relacionamento entre Estado e sociedade, pelo menos à grosso modo, pode ser visualizado em três configurações estabelecidas entre as décadas de 70 e 90. No primeiro modelo de relacionamento a relação é de total assimetria: de um lado os empresários localizavam-se instalados no interior do Estado, determinando de certa forma suas políticas, sobretudo a política econômica através da tecnocracia, e assim, alcançando subsídios indispensáveis ao seu crescimento, na maioria das vezes de modo contrario aos interesses majoritários da população brasileira; do outro lado os movimentos populares se dispunham em oposição radical. Dessa maneira que se configura o modelo imperante no período do regime militar, especialmente na década de 70, onde as relações entre os poderes constitucionais são dirigidas, pelo Poder inquestionável do Executivo por meio dos militares no poder. Na esfera político partidária, os partidos até se aparelham, mas ainda muito timidamente. O MDB e a ARENA dividem as atenções e congregam em seu interior as mais diversas e divergentes tendências políticas. Suas atuações se restringem a debates e proposições. A instabilidade e a insegurança do início da abertura não permitem grandes avanços.
Para complicar ainda mais uma leitura do que era o Estado Brasileiro. No segundo modelo de relacionamento entre Estado e sociedade, a assimetria se rompe e delineia-se numa nova configuração marcada pela ambigüidade e imprecisão de fronteiras. É o que ocorre na transição nos finais dos anos 70 e se amplia nos anos 80. Neste período, por um lado os empresários buscam conservar sua influência e domínio sobre a burocracia, para manter privilégios e benefícios. Do outro lado, diante da abertura para a redemocratização, o movimento popular encontra-se perdido ideologicamente, sem saber o que fazer não se decide se mantém distância do estado ou se compõe com ele o governo. Na visão de alguns a questão é delicada, a atitude de rejeição radical do movimento popular feita no período anterior, não tem mais razão de ser, sobretudo com a evolução da democratização na segunda metade dos anos 80, porém a aproximação também não parece ser a melhora alternativa, uma vez que ameaça com a desfiguração, perda de representatividade e capacidade de mobilização. O que acontece é que o movimento se retrai na institucionalização, para alguns precoce, e aos poucos, prevalece o relacionamento da reivindicação e do diálogo, mas sempre tenso para os atores. Já o movimento operário não vacila dos problemas originários da democratização. Os lideres da oposição assumem os sindicatos com novas posições e atitudes produzindo novas tensões no seu interior. É ainda na década de 80 que o movimento sindical se fragmenta em várias outras centrais sindicais. Toda essa nova organização e mobilização dos metalúrgicos do ABC paulista é deslocada para os servidores públicos federais e estaduais, especialmente professores e médicos. Por sua vez, o empresariado organiza-se de forma mais complexa e variada para adentrar na luta política democrática. Os grandes proprietários de terra conseguem parar movimentos impulsionadores da reforma agrária por mediação da UDR com a implantação de um quadro jurídico antagônico. A indústria e o setor de serviços procuram criar novos mecanismos de influência junto aos poderes constitucionais estabelecidos. Os empresários penetram na política ocupando recintos importantes no Parlamento e até mesmo anseiam sem sucesso ascender ao Poder Executivo, numa demonstração de que todo poder é pouco. Ocorre também a ruptura político-partidária com o bipartidarismo dominante na segunda metade dos anos 80. As cinco grandes tendências partidárias delineadas desde o inicio da década se consolidaram mudando apenas a legendas: PDS PFL, PMDB, PSDB e a esquerda trabalhista (PT). Corriam por fora o PTB e PDT.
O terceiro modelo no relacionamento Estado-sociedade dar início a constituir- se nos anos 90, após o governo Collor de Mello que, tanto o movimento popular e trabalhista, quanto o empresariado, institucionalizaram seus movimentos, instituíram suas associações, delinearam suas arena de debate e disputa. Prepondera agora, o modelo de múltiplas relações entre Estado e sociedade. A configuração é nova e permite tanto as parcerias quanto as oposições dentro dessa nova ordem, sem que isso impeça a conversação estável entre os diversos atores. Existe agora uma consciência de que as regras se fundam nos campos institucionalmente deliberados e que o jogo de pressão e alianças é legítimo. Oposição e situação tecem as relações sem necessariamente haver exclusão entre elas. O Estado não é mais um representante do mal, nem a sociedade o representante do bem. Sem deixar de reconhecer que ainda traços autoritários e democráticos forjam, ao mesmo tempo, as relações sociais interiores de ambos. O que podemos concluir é que o processo de consolidação da democracia avançou tanto no nível da sociedade política, quanto no da sociedade civil e do Estado. Mas ainda restaram o monstro crescente da desigualdade social e o aumento exponencial da exclusão, discriminação, pobreza e miséria. Sinais de que a relação entre sociedade e estado precisa ser repensada e reconstruída em princípios e valores que estejam em sintonia com os interesses majoritários da população brasileira.