No entardecer de um sábado, no município de Bagé, Rio Grande do Sul, dois amigos, en­quanto arrumavam os trens para aportarem na Ilha de Santa Catarina, jogavam conversa fora. Proseavam.      
               Atiravam palavras ao vento. Na verdade ao Minuano. Naquela corrente de ar murrinha, típica do Rio Grande do Sul. Bem que o Sul de Santa Catarina, também, pega uma rebarda desta corrente de ar cortante e fria de origem polar. Pior que um abrêgo no inverno de Floripa, num açoite de vento sul.
               Galdêncio, horas a fio desfilava, soprando nos ouvidos de Da Silva, as Guerras e Batalhas do Rio Grande do Sul: Colônia do Santíssimo Sacramento; Revolta do Extremo Sul; Guerra Guaranítica; Lutas com a região Platina; República Rio Grandense; Guerra Civil dos Farrapos; Revolução dos Maragatos...
               Um verdadeiro rio de águas históricas contando o tim-tim por tim-tim, Campanha por Campanha. Já cansado de tanto arrotar as importantes histórias de conquista e de patriotismo, em meio ao chimarrão, que desde piazito aprendera a saborear um mate amargo. Perguntou.

               - Da Silva, aceitas chimarrear? Tu vais te sentir bem tchê!
               - Não tenho querência, vou ficar com a branquinha, água que passarinho não bebe.
               - Tu vai ficar com bafo de onça com esta água-benta-de-padre.
               - Ó-lhó-lhó! Tas tolo! Toma uma talagada, amansa até macho.

                Os dois se rasgaram de rir. O Galdêncio continuou o intertê, enquanto acendia o fumacento, o fédito, o mau cheiroso  do paiêro.

                - Tu não vai de mate mesmo?  Podes achar que é anti-higiênico partilhar a bomba.  Deixa de frescura.  Quente, mas, suportável. Toma, tu vai gostar do chimarrão.  Agüenta o tirão, tchê!
                  - Aí tem!

                Diante de tamanha insistência, Da Silva deixou a birita de lado e aceitou a cuia. Pensou.
 
                (Ô! Quais pelê os beiços...Quenta até a alma. Não dá nem prá arriá... Carrica ruim...Mi quemei-me todo. Adepôgi vou comer um ferro... Que apertume... Naba! he, he,he! Te pego na esquina.)
 
                - Da Silva!
                 - Dish
                - Tens alguma peleia Catarina pra prosear?
                - Então...Então!! Em Floripa tem um calçadão com muita gente ajeitosinha. Uma penca de políticos, aletrados, artistas e gente comum do povinho quirido se junta prá jogar conversa fora, tomar café expresso ou coado ou comer a empadinha de camarão, boa de não prestá.
                 -Verdade!
                 -Antão... Aí, né! Na esquina da Trajano com a Felipa tem o Ponto Chic, criado em 48.
                 - Ficam assim, trançando charla?
                - Assim, Assim... Assuntando! Tagarelando sobre qualquer cosa. Sondando cosas diferentes. Sacando pessoas estranhas. Patati – patatá.  Cosa linda!
                 Uma vez, no Senadinho do nosso povinho quirido, um Presidente da República aprontou o maior bafafá. Bem no meinho da garganta do mané.
                - Não me digas!
                - Então, então!! Foi em novembro de 79. Tempo da abertura política, distensão lenta e gradual. Veio prá dizer que ia acabar a SC282 e construir a terceira ponte. Prometimento, quásh tudo balela.
                 - Por que o entrevero? Tanta gente aporreada?
                 - Promódi di que?  Por causa da estauta de Floriano!  Como dish o aletratado: do busto de Floriano. Antes de chegar à Floripa, o Presidente mandou um presentinho. Uma placa de bronze prá comemorar 90 anos da Proclamação da República, para colocar em frente astauta de Floriano. Os rapagis das Falcudades não gostaram do presentinho, acharam um escárnio. Cá de que? O Floriano, Marechal de Ferro, mudou o nome da cidade para Florianópolis, após mandar fuzilar centenas de opositores ao seu Governo na antiga Província do Desterro. Ninguém engoliu. Tornou-se uma mancha, atravessada na goela até os dias de hoje.
                 - Buenacha! Parece que foi represália.
                - Então, então!! Correu um buchicho no Senadinho, entorno do Palácio Cruz e Souza, sede do Governo Estadual e arredores da Praça XV de Novembro.  O clima já não era bom com aquela inflação elevada, custo vida acelerado, desemprego, falta de perspectivas de vida, política salarial exacrante, aumento de combustível exorbitante. Se a crise nacional não era boa, pior lá que estava para receber o Chefe. Caravanas e mais caravanas de Pessedistas na marra, compulsoriamente, chegavam à Capital para “festejar” a ilustre visita. De outro lado os opositores de toda ordem, principalmente de estudantes que, também, se prepararam para, como uma “resistência”, aquele insólito e histórico momento.
                 - Crédios pai! Um baile sem acordeona!
                 - Não foi uma simples arenga, uma pequena briga ou lengalenga. Foi uma verdadeira batalha. Uma carrada de gente à frente da Sede do Governo Estadual se apinhava. No ar frases de ordem, vaias, apupos e xingamentos. Ninguém arredava os pés. Uma bullha grande prá burro. Não era entendível, no Parlatório, nem a voz do Governador, quanto mais a do visitante. Rapagi! Nem ti conto! Ele perdeu as estribeiras, a compostura. Envinagrado, carrancudo, azedo, com raiva, enfurecido e num ataque de pelanca foi passar uma dicompustura na povança. Bem na frente da principal porta palaciana e bateu boca. Cosa medonha!! Não satisfeito resolveu levar todo o séquito ao Senadinho, pensando em apertar as mãos de uns e outros, distribuir falsos abraços e sorrisos mortos.
                - Tu tas queimando campo! Exagero!
                 - Então, não foi! Rapagi! Nem ti conto. O pau comeu. Uma brigaçada danada. Um  escarcéu. A biabada correu solta. Estalou, num cabano, uma biana no escutadô de bolero. Populares, Visitantes, Ministros, Seguranças e Policiamento, corpo-a-corpo. Uma muvuca sem precedentes. Piorou quando o Chefe, sem jogar a toalha, tentou, no carcanho, de a pé, ir prá Praça XV de Novembro, na tentativa de inaugurar a tal Placa. Foi o auge da “Batalha do Calçadão”. A Novembrada de 30 de novembro de 79 ganhou o Brasil e o Mundo.
                 - Creido pai! Tu não vais de mate?
                 - Não tenho querência. Fico com a mardita.
                 - Uma tragada no paiêro?
                 - Tas é tolo! Ó-lhó-lhó!


               
Mané das Letras
Enviado por Mané das Letras em 05/01/2012
Reeditado em 02/12/2015
Código do texto: T3424345
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