Como é o seu protesto?

Não é surpresa pra ninguém o descontentamento social acerca da política brasileira. E com razão. Mas quem é o culpado por isso tudo? Serão tão somente os representantes do povo, que desviam verbas, apropriam-se do dinheiro público e aproveitam-se do cargo para benefício próprio e da família (o famoso nepotismo)? Será que o povo não tem sua parcela de culpa, sendo responsável pela votação desses mesmos corruptos que os representam?

Quero lembrar duas situações curiosas – para não categorizar de outra forma – que ocorreram no país a certa altura, que exemplificam muito bem a política, o povo e o pensamento que permeia a mente brasileira. A primeira foi um falso “despertar” que se alastrou pela internet: milhares de e-mails que eram lidos e encaminhados apoiando o voto em branco, fundamentados na teoria: "se a maioria da votação for de votos em branco, serão obrigados a anular as eleições e fazer novas, mas com pessoas diferentes nas listas". Evidentemente isso não aconteceu e, como disse Jorge Costa:

"Tanto circulou a mentira, que a Comissão Nacional de Eleições teve de lançar um esclarecimento sobre a lei: os votos em branco e os votos nulos não têm influência no apuramento dos resultados - será sempre eleito, à primeira ou segunda volta, o candidato que tiver mais de metade dos votos expressos, qualquer que seja o número de votos brancos ou nulos."

Boato desmentido, votos deitados no lixo e um candidato foi eleito da mesma forma.

Encaramos então uma vertente desse pensamento: depois de derrubado a possibilidade de anular a eleição, houve o boato de que os votos em branco iam para os candidatos que estavam ganhando a eleição. Sequer preciso comentar isso.

O voto em branco é sim uma expressão de descontentamento político-partidário, mas que não conta para fins legislativos. E esse é também o único aspecto que o difere do voto nulo, já que este último é um “voto errado”, encarado como um voto feito para um partido inexistente, logo é um voto jogado fora. Votos nulos são desconsiderados, votos em branco são uma escolha apartidária. Mas nem um nem outro são válidos nas eleições, portanto seu valor é puro e simplesmente simbólico e ideológico.

Em vista disso tudo, o voto em branco é uma importante forma de expressão nas elições. Mas a representação simbólica do voto, que não é válido, não é contado, é suficiente para elevá-lo a uma forma de protesto? Para responder isso, vou agora comparar com a segunda situação que também passou por essa linha de raciocínio.

Recentemente eleito e acompanhado de uma polêmica bem maior que sua porcentagem de votos, o palhaço Tiririca foi eleito com quase um milhão e meio de votos para Deputado Federal de São Paulo com o mote “Vote Tiririca: pior do que tá não fica”, para não falar de suas apresentações no horário eleitoral: “Você sabe o que faz um Deputado Federal? Nem eu. Então vote em mim que depois eu te digo”.

Não vou atacar sua posição a partir da profissão que ele exercia: palhaço ou advogado, qualquer cidadão que tenha consciência e postura política pode muito bem ser um candidato plausível. Mas para mim parece bastante claro que sua candidatura foi antes uma paródia aos políticos brasileiros, às opções escassas e repetetivas que sempre tínhamos quando chegavam as eleições. “Pior do que tá não fica” é uma frase que estampa muito bem o pensamento comum do povo brasileiro, mas é indubitavelmente o pensamento de um povo que se deu por vencido: desconhecedor das circunstâncias, consequências e da noção de valor do seu próprio voto.

Mas essa paródia “inocente” esconde uma jogada muito inteligente por trás. Quem é que constitui este um milhão de votos por trás da eleição do Tiririca? Não acho que seja a classe média ou a classe alta da população brasileira. Até porque, deixemos de tapar o sol com a peneira, os considerados “ricos e milionários” não são a maioria na nossa realidade social, estamos bem conscientes disso. Em que consiste essa “jogada inteligente” então?

O palhaço Tiririca deixou sua origem humilde para ser uma figura famosa e cairsmática e, não tenho dúvidas, foi seu público que o elegeu. Esse mesmo público que se encontrou no seu ídolo: ele veio de origem pobre, ele fez parte da classe operária, então conhece as dificuldades por que passam um cidadão comum brasileiro. Reside aqui a identificação com o representante e a esperança de melhoria, que são os pontos decisivos para eleger um candidato. E não só isso! Aqui reside também o perigo do pensamento mais comum e errôneo possível: “ele não vai conseguir se eleger mesmo, então votarei nele”. Pronto! Está armada a teia. E é a isso que me refiro quando digo que o povo não tem noção do valor do voto – ou tem e ainda assim não o valoriza.

Na época, já então eleito Deputado Federal, tinham-me assaltado o titulo de eleitora e precisei tirar a 2ª via no cartório. No recinto, os únicos comentários eram “isso do Tiririca ser eleito é voto de protesto; o povo ta cansado desses políticos bandidos”. E não era comentário de uma ou duas pessoas, mas de vários. Parecia unânime. E alguns batiam no peito com muito orgulho dizendo “meu voto foi dele”.

Agora é a hora de repensar se isso foi realmente um voto de protesto. Está certo, nenhum dos outros candidatos com históricos politicamente sujos foi eleito, mas um palhaço que nunca antes esteve numa cadeira de cargo político foi. Ele, que pode se gabar de experiência no ramo humorístico, nos palcos, nos stand-up comedies, mas não pode se gabar de seu currículo político e social. Com que experiência vai ministrar e gerir os interesses daqueles que o elegeram? Como ele vai melhorar a vida dos seus eleitores para bem representá-los? O seu representante é então um palhaço? Para quem vota em branco pelo simbolismo da situação, o que podemos tirar disso? Qual o simbolismo de ter um palhaço como seu representante?

Atualmente, a população colhe o fruto do que plantou e vimos notícias publicadas: “Em debate sobre circo, Tiririca faz show de humor”; “Deputado ‘trabalha muito e produz pouco’, diz Tiririca”; “Tiririca quer discutir implantação de circos nas cidades” (todas notícias da Folha de São Paulo). Eis o seu representante e seus projetos. Você, eleitor, esperava algo diferente do candidato como foi apresentado?

Voto de protesto é eleger um candidato sem experiência e sem planos para a sociedade para te representar? É usar isso como escape para não votar nos outros?

E o voto em branco? Não é válido, não é contabilizado e não elege. É somente um voto simbólico e uma forma de responsabilizar os demais votantes pelos representantes que lá estão, quando aqueles que em branco votaram poderiam ter ajudado fazendo a diferença nos números e porcentagens.

E ao cabo de tudo isso, o que você considera realmente um protesto?

Aline Rossi
Enviado por Aline Rossi em 09/11/2011
Código do texto: T3326135
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