Riots na Inglaterra: efeitos de uma crise no capital

O império capitalista estende o seu domínio pelo mundo como uma praga, e esta situação já dura algumas dezenas de anos. Neste tipo de sociedade, que visa o lucro acima de todas as coisas, as relações estabelecidas entre os seres humanos e, destes com o meio em que vivem, como diz Pedrinho Guareschi na obra Sociologia Crítica: uma alternativa de mudança, é de dominação e exploração. Isto embasa a moral e o comportamento de boa parte das pessoas que vivem neste modo de produção, levando-as a nutrir sentimentos egocêntricos que as coloca em competição umas com as outras. Em uma sociedade ordenada desta maneira o resultado não poderia ser outro que não a questão social e as suas diversas expressões que remetem a crises cíclicas. Um bom exemplo é a atual crise e seus efeitos os quais vamos abordar somente os de um ponto geográfico, a Inglaterra. Daqui para frente falaremos, então, da atual conjuntura deste país a partir de artigos, de distintas visões, publicados nas revistas Veja, Carta Capital e Época, fora alguns artigos publicados no endereço eletrônico Centro de Mídia Independente.

Do Centro de Mídia Independente (CMI) foi retirado cerca de seis artigos falando direta e/ou indiretamente sobre o assunto sendo que um deles analisou, especificamente, o papel da imprensa o qual considero importante entender para compreender algumas visões de certos meios de comunicação. Rodrigo de Oliveira Andrade escreve no texto que a dita missão jornalistica foi sendo substituída aos poucos por uma ideia de prestação de serviços e assim visando resultados econômicos. Andrade ressalta que “...a dominação da prática jornalística pela atividade econômica, aos poucos, desdobra-se no surgimento de um conservadorismo político que tende a boicotar análises críticas à ordem social estabelecida, bem como alternativas ao modelo econômico vigente.”. Ele vai desenvolvendo esta ideia e dando alguns exemplos até chegar na questão da Inglaterra onde analisa a entrevista do sociólogo Sílvio Caccia Bavia ao Globo News. Nesta entrevista, embora Bavia inúmeras vezes tenha tentado contextualizar os fatos, os apresentadores sempre tentavam vincular a imagem dos jovens manifestantes como ladrões, criminosos, saqueadores, entre outros termos pejorativos, sem levar em consideração toda a situação econômica a qual é de extrema importância para que os telespectadores da Globo News entendam a real conjuntura das manifestações inglesas. Andrade termina a matéria dizendo: “...ao atribuir aos jovens manifestantes a alcunha de 'criminosos', a grande imprensa objetiva minimizar o viés sócio-político dos protestos, ocultando os efeitos de um sistema econômico excludente.”. Importante ressaltar que o jornalista omitindo sua opinião não tem o intuito de dizer que todos os meios de comunicação agem assim, até por que ele se utiliza de um desses meios. A crítica dele é direcionada a grande mídia. Neste contexto, segue, como mencionado no primeiro parágrafo, distintas visões, diferentes posicionamentos sobre o mesmo fato.

Na revista Veja o repórter Duda Teixeira, restringe-se em dizer que o problema não é de âmbito político mas sim de âmbito moral de cada indivíduo e que esse “...vandalismo que engolfou a Inglaterra mostra o que acontece quando o estado abdica de usar a força para proteger os cidadãos honestos.” trazendo, também, alguns questionamentos para sustentar a sua opinião. Teixeira cita o editorial do jornal New York Times o qual fala sobre o programa de austeridade e os cortes no gasto público, “'... de bibliotecas à polícia.'”, e a culpabilidade que isto tem referente as manifestações retratando, também, os saques de roupas de grife como uma justiça social que estava sendo feita pelos “'jovens desesperançados'”. Em seguida questiona o Times da seguinte maneira: “Corte de gastos, jovens sem oportunidades?” e prossegue dizendo que o primeiro argumento cai por terra pois o tal programa de austeridade ainda está no campo das promessas e sobre o segundo relata que acha muito difícil ver “...os vândalos da semana passada tornando-se subitamente alegres e gentis ao saber que as bibliotecas públicas não serão mais fechadas.”

Na Carta Capital o jornalista Rodrigo Pinto apresenta o assunto como “Marcha à ré na história” e continua “Como nos anos 80 de Thatcher, a periferia recusa-se a pagar a conta”. Ele faz menção ao governo de Margaret Thatcher no início dos anos oitenta, comparando-o com a situação do atual governo de David Cameron. Isto pois, como a trinta anos atrás, a nação inglesa está passando por uma profunda crise onde a taxa de desemprego, principalmente, entre os jovens de 16 a 24 anos, é altíssima , e as “manifestações espontâneas e sem uma clara liderança”, denominadas pelo termo em inglês de riots, estão eclodindo por toda a periferia. O jornalista diz que os conservadores estão usando a crise como desculpa para abolir o Estado de Bem-Estar Social alegando que este falhou na geração de empregos e no combate a pobreza. Com isso, o Estado, de orientação conservadora tanto por parte do primeiro-ministro David Cameron quanto por parte do prefeito de Londres Boris Johnson, na tentativa de controlar a inflação, recorrem aos cortes nos gastos públicos, fato semelhante com o governo de Thatcher. Segundo Rodrigo, esses cortes “...nas bolsas-educação e o fechamento dos Centros da Juventude...” são “...medidas do governo, que incluem reformas no sistema de pensão e cortes nos auxílios-moradia e maternidade...”. O repórter relata que Nina Power, professora do Departamento de humanidades da Universidade de Roehampton, foi a primeira a escrever aos jornais “...criticando a teoria de que os distúrbios eram um assunto de segurança pública e pedindo à imprensa que contextualizasse os fatos.”. Em seguida, conselheiros dos bairros de Londres ao serem entrevistados fizeram pressão ao vivo para que fosse feita uma revisão sobre os cortes que o governo tinha realizado nos gastos sociais. Em contraponto o prefeito Johnson “...sugeriu que a mídia parasse de 'dar ouvidos a justificativas econômicas e sociais'.”. Rodrigo finaliza a reportagem falando sobre as advertências que Eric Pickles, secretário de Comunidades, fez aos seus superiores sobre o impacto das reformas encaminhadas pelo governo: “As medidas fariam mais de 40 mil famílias se tornarem tecnicamente sem-teto, apagando os efeitos da economia de cerca de 270 milhões de libras em benefícios cortados, já que seria necessário retirar as pessoas das ruas.”

Na revista Época o jornalista Rogério Simões dá o título “Reino desunido” e coloca a baixo a seguinte frase “Os saques e incêndios em Londres expõem o fracasso do modelo social britânico, baseado na convivência distanciada entre diferentes culturas”. Em seguida começa o texto abordando a iniciativa do jovem britânico Sam Pepper que, chocado com as cenas de violência, lançou na internet a Operação Xícara de Chá a qual se originou com uma página de Facebook e devido a vários adeptos, cerca de trezentos mil fãs, evolui para um site “...onde todos são convidados a publicar uma foto saboreando a bebida preferida da era vitoriana.”. O repórter traz este fato à tona para ilustrar que os riots não atingiram somente lojas, edifícios, entre outros, mas também a cultura britânica. A dita iniciativa tem por objetivo fortalecer os valores tradicionais os quais segundo o próprio primeiro-ministro David Cameron diz que parte da população deixou de lado tais valores, “...partes da sociedade britânica estão 'não apenas quebradas, mas doentes.'”, afirma o chefe de Estado. Rogério coloca os riots como um abalo no orgulho inglês de ter uma certa diversidade cultural adquirida no período pós segunda guerra mundial com a abertura à imigração sendo que desde a década de setenta o país adota o multiculturalismo prevendo “...o respeito às pessoas e culturas que chegam do exterior, desde que elas não alterem o modo de vida local, baseado na privacidade e modesta interação social.”. O jornalista mostra a informação de que o aumento da imigração e o crescimento econômico andaram juntos de 1992 a 2008, porém “A crise econômica que se arrasta há três anos colocou a taxa de desemprego para jovens até 24 anos em 20%. O governo, de coalizão, fruto de uma era de indefinição política, adotou um plano de austeridade com cortes de 20% nos gastos públicos.”, e assim o Estado acabou perdendo “...a capacidade de oferecer a prosperidade que garantia a jovens pobres, na maioria filhos e netos de imigrantes, um quinhão do sonho britânico.” fazendo ruir o contrato social.

Em texto publicado no CMI a jornalista Naomi Klein aborda o fato como “Os saqueadores do dia contra os saqueadores da noite”. Fala sobre o saque que a elite comete contra a população pelo mundo a fora em plena luz do dia, de maneira escancarada. Ela relembra dois momentos recentes, na história, de saques feitos pelo povo, um em Bagdá apos invasão das tropas estadunidenses e outro na Argentina durante uma profunda crise econômica. A visão que se tinha dos saques em Bagdá era extremamente política, reflexo de inúmeros saques anteriores por parte de Saddam e seus filhos deixando os iraquianos descontentes e no 'direito' de saquear também. Mas os saques ocorreram em uma nação dita democrática, a Argentina. Este país enfrentava uma crise provocada pela expansão do neoliberalismo e a população se dirigiu aos mercados estrangeiros instalados ali para saquearem aquilo que elas não conseguiam mais adquirir e quando o governo quis controlar a situação os manifestantes foram lá e derrubaram o governo. Ela coloca em relação a isto que os ingleses dizem que lá não existem tumultos e “...sim crianças sem lei, que se aproveitam de uma situação, para roubar o que não lhes pertence. E a sociedade britânica, diz-nos Cameron, 'tem ojeriza a esse tipo de gente mal comportada.'”. Resumindo a ideia de Klein, ela nos diz que os saques noturnos cometidos pelo povo acontece em decorrência dos saques diários cometidos pela burguesia.

Marcelo Justo em texto encontrado no CMI retrata o endurecimento da justiça britânica e a criminalização dos protestos. Mostra, apresentando fatos, que instalou-se uma desproporção entre delitos e castigos. Coloca como exemplo a condenação de três homens a um total de dois anos de prisão sendo que o máximo previsto em lei é de seis messes para o tipo de delido que eles tinham cometido sem levar em consideração que os condenados tinham assumido a responsabilidade pelos seus atos, fato geralmente atenuante. Marcelo diz que Novello Noades, uma magistrada de um bairro do sul de Londres falou: “...que o governo havia passado uma orientação recomendando aos juízes que ditassem penas de prisão para os responsáveis por delitos.”, e realmente a ligação do judiciário com o político e perceptível como traz Marcelo em uma frase de Cameron ao regressar urgentemente de suas férias: “...não deixaria que uma 'falsa concepção' dos direitos humanos obstaculizasse a segurança.” e “'Espero que caia sobre eles todo o peso da lei...'”. Marcelo parafraseia Michael Mansfield, famoso advogado inglês no que ele diz: “'Celebramos o protesto no mundo árabe e condenamos seus governos pelo uso da força. Enquanto isso criminalizamos o protesto aqui. Isso é uma tentativa de intimidação para que as pessoas deixem de se manifestar.”

No CMI também foi publicado um texto da Agência de Notícias Anarquistas (ANA) com o título “Nós não estamos saqueando, o que fazemos é expressar a existência de um problema”, frase pronunciada por um jovem negro encapuzado, que participava dos protestos, em entrevista para o channel 4. Porém a ANA coloca que esta entrevista é uma ilha no meio de tantas entrevistas as quais entram, 'coincidentemente', em consonância com as declarações do primeiro-ministro David Cameron. Neste contexto de utilização da mídia a agência declara: “Enquanto a imprensa entrevista fundamentalmente a proprietários de pequenos comércios ou de carros particulares, a maioria dos locais atacados pertencem a grandes empresas.”. Estas empresas citadas na matéria são, entre elas, uma fábrica da Sony queimada, 25 sedes da Orange e T-Mobile e 20 da Vodafone assaltadas. Na visão da ANA “A imprensa e os políticos tentam a todo custo reforçar sua visão de que tudo se resume a um problema de gangues juvenis, evitando destacar como uma das causas a crise econômica ou a situação social e econômica dos jovens...” e finaliza em seguida dizendo que “Para isso colocam o foco em alguns atos indiscriminados fora de contexto, mas por baixo de toda essa versão subjacente há, claramente, um conflito de classe.”.

Fábio M. Michel da Rede Brasil Atual, em matéria encontrada no CMI, relata que a “Europa teme que acontecimentos de Londres disseminem explosão de violência”. Michel diz que embora o governo negue as manifestações como reflexo da crise econômica a imprensa local já está admitindo a incerteza de grande parte da juventude com relação ao futuro como uma razão dos protestos. Posteriormente aborda, como diz o título de sua matéria, o temor cujo o continente europeu tem que as ondas de violência na Inglaterra se espalhem: “A Irlanda anunciou medidas para fechar as portas para novos imigrantes. Na Itália, ensaiam-se grandes protestos públicos. A França vive o pesadelo de ver repetidas as contundentes manifestações de 2005...”. Deixa transparecer em seu texto que segundo analistas um dos motivos de toda essa situação é o fato de parte da população se sentir “...alijada de apoio público diante de ajudas bilionárias oferecidas a bancos a partir de 2008.” e encerra citando uma entrevista da BBC com o sociólogo Jean-Marc Stébé: “...'os jovens estão pessimistas' com o cenário econômico europeu. 'Eles recebem propostas de trabalhos ruins e salários baixos'...”

Também no CMI, encontra-se outro texto, desta vez da Cris Rodrigues, que aborda a dita violência dos últimos dias como reflexo da questão social. A jornalista coloca que algumas pessoas consideram os atos como vandalismo e outras dizem que na Inglaterra não existem pobres, e ela questiona “Mas então por que tanta gente teria essa índole supostamente má em um mesmo lugar ao mesmo tempo? É sinal de que alguma coisa não vai bem na terra da rainha.”. Ela diz se usar de uma explicação de um lojista britânico chamado Ken Smith. Segundo Rodrigues o lojista acredita que “...há diversas causas escondidas no que muitos vêem apenas vandalismo...” e diz também que “...falta educação, disciplina e valores, o que faz com que as crianças não entendam quando estão indo muito longe e ultrapassam os limites.” e “...o problema vem de uma ou duas décadas atrás e reside na diferença de classes[...]incentivada pela mídia.[...]'A TV diz o que você tem que vestir. As crianças querem roupas legais, tênis, celulares. E quando elas não têm as coisas elas ficam frustradas.'”. Relata também o rígido posicionamento do governo inglês em tratar os riots como atos criminosos e o resultado disso aparece no número de prisões: “Já são mais de 1.100 pessoas presas na Inglaterra, 805 só em Londres...”. Parece que isto serviu para trazer a paz novamente nas ruas inglesas, pelo menos aparentemente. Conclui alertando que se o governo tratar o acontecido “...como um sangramento já estancado, ele vai voltar a abrir.”.

Diante destes vários artigos, observa-se duas linhas distintas uma que explica o fato ocorrido como simples vandalismo e uma segunda que dá a sua explicação através da analise econômica e política. De minha parte, acredito na segunda como a mais correta por discorrer sobre as manifestações, analisando-as a partir do todo, da complexidade. Fazer uma explicativa a partir da primeira linha é dizer que o ser humano pode ser explicado a partir de um viés apenas, ou político, ou cultural, ou biológico, ou psicológico, ou social, porém, o ser humano é composto por tudo isso e muito mais, é um ser complexo e sendo assim se analisarmos ele somente por um viés vamos cometer o erro de não explicar tudo sobre ele. O mesmo acontece com os riots, para explicá-los em sua totalidade precisamos olhar para a complexidade existente, destruindo assim com depoimentos como o do primeiro-ministro David Cameron o qual deixava transparecer em sua afirmação que a situação nada tinha a ver com economia ou política. Para as pessoas que continuam seguras de que tudo foi realmente vandalismo eu questiono, como vocês explicam o elevado número de pessoas envolvidas nos riots? Será que eram todos vândalos por natureza? Mas, por que tantas pessoas resolveram praticar atos de vandalismo ao mesmo tempo? É por que vocês viram na mídia? Mas quem que a grande mídia representa, e quais interesses representa? Enquanto vivermos em uma sociedade onde um grupo minoritário de pessoas acumulam as riquezas explorando, dominando e excluindo a outra parte da população, a maioria, esses tipos de coisa vão continuar acontecendo e a culpa continuará sendo do povo.

E gritam os jovens ingleses, espanhóis, gregos, chilenos...

Daniel da Cruz
Enviado por Daniel da Cruz em 18/10/2011
Código do texto: T3283778
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