Amaury Portugal, presidente do sindicato dos delegados federais em São Paulo: ‘Ficou mais difícil combater a corrupção oficial’
Aiuri Rebello
Fernanda Nascimento
Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal no Estado de São Paulo desde 2005, Amaury Portugal, 60 anos, ingressou na instituição aos 20. Nunca mais se afastou: depois da aposentadoria em 1998, continuou a defender a lei e a PF como dirigente sindical.
Nos últimos tempos, amparado na ampla experiência acumulada na investigação de crimes contra o patrimônio público, tem criticado reiteradamente a impunidade dos corruptos oficiais.
Nesta semana, Portugal não escondeu a frustração provocada pela decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça que praticamente engavetou as descobertas feitas pela PF durante a Operação Boi Barrica, algumas das quais transformam em candidatos a pesadas punições os integrantes e amigos da família Sarney.
Na entrevista, o delegado trata das dificuldades que impedem o combate a quadrilhas engravatadas, comenta o uso de algemas e aponta os problemas enfrentados pela instituição. Mas avisa que a batalha pela moralização dos costumes não será paralisada.
O senhor achou estranha a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a Operação Boi Barrica?
Costumamos dizer na Polícia Federal que colarinho branco e gravata não combinam com algemas nem com barras de prisão.
Quem analisar acontecimentos recentes envolvendo o crime organizado, banqueiros e políticos poderosos verificará que ninguém continua preso. Foram presos em certo momento, mas já não estão. Se considerarmos as provas que a Polícia Federal colocou dentro do inquérito, a decisão do tribunal não se justifica. Mas é preciso ressalvar que o magistrado não anulou as provas. Disse que a fundamentação das autorizações para a quebra de sigilo não são suficientes. Neste caso, anula-se o processo, mas as provas não desaparecem. Serão analisadas novamente na primeira instância. Começa tudo de novo na Justiça.
Como fica a Polícia Federal nessa história?
Vai continuar agindo. Se houver necessidade de colher mais provas, investigará mais. O inquérito foi feito da melhor forma possível. No caso da Operação Boi Barrica, há uma família poderosa e influente. A Polícia Federal não errou, tudo foi feito corretamente. O que acontece é que estamos no país da impunidade. Aquele processo, para chegar ao ponto a que chegou, levou dois, três, quatro anos.
Quando derruba um processo desses, o que acontece?
Começa tudo outra vez. Os envolvidos ganham tempo. Os acusados são beneficiados pelos prazos de prescrição. Dificilmente veremos um desses indivíduos atrás das grades. Essa é uma das fórmulas que levam à impunidade.
Há muita frustração entre os policiais?
É grande o desânimo na corporação.
Nos crimes de desvio de dinheiro público, a maioria dos impunes é favorecida pela prescrição. O país vive um momento muito difícil na questão da moralidade, porque os casos de corrupção não são punidos. Refiro-me à corrupção no poder publico, em ministérios. É um absurdo o que fazem os corruptos. E ainda há quem reclame da colocação de algemas nos bandidos. A gente vê cada coisa …
Desvio de merenda escolar, por exemplo. Roubam de crianças, de doentes hospitalizados. Um sujeito que faz essas coisas… A gente fica muito triste com essa situação. É revoltante.
A corrupção tem crescido muito?
É preciso ressalvar que a corrupção sempre existiu. Ocorre que hoje o crime é mais organizado. Existem quadrilhas agindo em ministérios. Um exemplo é o Ministério dos Transportes.
O prejuízo do estado foi, só ali, de 700 milhões de reais. Daria para reestruturar totalmente a Polícia Federal, que necessita com urgência de mais verbas, mais pessoal e equipamentos modernos. O combate ao crime organizado seria muito eficaz.
Hoje é preciso tomar muito cuidado para investigar. Não se pode tomar certas medidas que seriam normais numa investigação. Não se pode, por exemplo, esbarrar em quem tem força política, em gente com muito poder.
Convém investigar pelas beiradas, até o momento de fechar o cerco. Ficou muito mais difícil investigar a corrupção oficial. Como são pessoas com dinheiro, posses e influência politica, elas se blindam. E também existe a interferência de alguns poderes da República.
O caso da Boi Barrica é uma demonstração dessa força a que me referi. É grande a ingerência nos tribunais.
O que o senhor acha da controvérsia sobre uso de algemas?
Esse problema começou faz muito tempo, com um ministro do Supremo Tribunal Federal que se queixou do uso de algemas na prisão do ex-prefeito Celso Pitta.
Também houve queixas quando o empresário Daniel Dantas foi algemado.
Quer dizer, são senhores acima de qualquer suspeita, intocáveis. O coitado do cidadão comum pode ser algemado sem que ninguém proteste. Mas o mafioso, o banqueiro, o político, esses não podem ser tocados.
Isso dificulta muito a atuação do policial, que pode ser acusado de coagir o preso, de recorrer à violência. Querem criar uma conotação, que nunca existiu, entre algema e violência. Algema-se o preso porque a lei determina que se faça isso.
Quando um policial dá voz de prisão a alguém, o Estado passa a ser responsável pela integridade daquele indivíduo. Esse detalhe sempre é esquecido. É necessário usar algemas em nome da segurança do preso, de quem prende e de terceiros.
A relação entre a Polícia Federal e a Justiça é conflituosa?
Não, de forma nenhuma. Além das decisões que vêm dos tribunais superiores de Brasília, temos os tribunais intermediários, os regionais. A convivência é muito boa e muito saudável com os juízes federais de primeira instância. Essa ligação é menos forte com Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Acho que a Justiça precisa ser reformulada.
A Polícia Federal tem autonomia?
Temos autonomia na investigação e na coleta de provas. Ninguém é doido de dizer a um policial que não investigue fulano, ou que faça alguma coisa com determinada prova. Houve uma evolução institucional na Polícia Federal, muito mais em consequência da própria formação dos delegados do que do sistema. Posso garantir que quem tentar envolver um delegado federal em alguma irregularidade, ou forçá-lo a atender a algum pedido inconveniente, estará perdido. Mas existem outras formas de pressão.
Os tribunais superiores comprometem o trabalho da policia?
Sem dúvida. Volto ao caso da Operação Boi Barrica: a decisão do Superior Tribunal de Justiça foi um absurdo, pelo amor de Deus! É isso que gera a impunidade. O Brasil é o pais da impunidade.
Ministros de tribunais superiores também são influenciados por interesses pessoais e pressões políticas?
Não sei. Mas que estão julgando mal, estão. Não sei se os ministros atendem a interesses espúrios, não posso fazer tal afirmação. Mas que estão julgando mal, isso estão.
Aiuri Rebello
Fernanda Nascimento
Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal no Estado de São Paulo desde 2005, Amaury Portugal, 60 anos, ingressou na instituição aos 20. Nunca mais se afastou: depois da aposentadoria em 1998, continuou a defender a lei e a PF como dirigente sindical.
Nos últimos tempos, amparado na ampla experiência acumulada na investigação de crimes contra o patrimônio público, tem criticado reiteradamente a impunidade dos corruptos oficiais.
Nesta semana, Portugal não escondeu a frustração provocada pela decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça que praticamente engavetou as descobertas feitas pela PF durante a Operação Boi Barrica, algumas das quais transformam em candidatos a pesadas punições os integrantes e amigos da família Sarney.
Na entrevista, o delegado trata das dificuldades que impedem o combate a quadrilhas engravatadas, comenta o uso de algemas e aponta os problemas enfrentados pela instituição. Mas avisa que a batalha pela moralização dos costumes não será paralisada.
O senhor achou estranha a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a Operação Boi Barrica?
Costumamos dizer na Polícia Federal que colarinho branco e gravata não combinam com algemas nem com barras de prisão.
Quem analisar acontecimentos recentes envolvendo o crime organizado, banqueiros e políticos poderosos verificará que ninguém continua preso. Foram presos em certo momento, mas já não estão. Se considerarmos as provas que a Polícia Federal colocou dentro do inquérito, a decisão do tribunal não se justifica. Mas é preciso ressalvar que o magistrado não anulou as provas. Disse que a fundamentação das autorizações para a quebra de sigilo não são suficientes. Neste caso, anula-se o processo, mas as provas não desaparecem. Serão analisadas novamente na primeira instância. Começa tudo de novo na Justiça.
Como fica a Polícia Federal nessa história?
Vai continuar agindo. Se houver necessidade de colher mais provas, investigará mais. O inquérito foi feito da melhor forma possível. No caso da Operação Boi Barrica, há uma família poderosa e influente. A Polícia Federal não errou, tudo foi feito corretamente. O que acontece é que estamos no país da impunidade. Aquele processo, para chegar ao ponto a que chegou, levou dois, três, quatro anos.
Quando derruba um processo desses, o que acontece?
Começa tudo outra vez. Os envolvidos ganham tempo. Os acusados são beneficiados pelos prazos de prescrição. Dificilmente veremos um desses indivíduos atrás das grades. Essa é uma das fórmulas que levam à impunidade.
Há muita frustração entre os policiais?
É grande o desânimo na corporação.
Nos crimes de desvio de dinheiro público, a maioria dos impunes é favorecida pela prescrição. O país vive um momento muito difícil na questão da moralidade, porque os casos de corrupção não são punidos. Refiro-me à corrupção no poder publico, em ministérios. É um absurdo o que fazem os corruptos. E ainda há quem reclame da colocação de algemas nos bandidos. A gente vê cada coisa …
Desvio de merenda escolar, por exemplo. Roubam de crianças, de doentes hospitalizados. Um sujeito que faz essas coisas… A gente fica muito triste com essa situação. É revoltante.
A corrupção tem crescido muito?
É preciso ressalvar que a corrupção sempre existiu. Ocorre que hoje o crime é mais organizado. Existem quadrilhas agindo em ministérios. Um exemplo é o Ministério dos Transportes.
O prejuízo do estado foi, só ali, de 700 milhões de reais. Daria para reestruturar totalmente a Polícia Federal, que necessita com urgência de mais verbas, mais pessoal e equipamentos modernos. O combate ao crime organizado seria muito eficaz.
Hoje é preciso tomar muito cuidado para investigar. Não se pode tomar certas medidas que seriam normais numa investigação. Não se pode, por exemplo, esbarrar em quem tem força política, em gente com muito poder.
Convém investigar pelas beiradas, até o momento de fechar o cerco. Ficou muito mais difícil investigar a corrupção oficial. Como são pessoas com dinheiro, posses e influência politica, elas se blindam. E também existe a interferência de alguns poderes da República.
O caso da Boi Barrica é uma demonstração dessa força a que me referi. É grande a ingerência nos tribunais.
O que o senhor acha da controvérsia sobre uso de algemas?
Esse problema começou faz muito tempo, com um ministro do Supremo Tribunal Federal que se queixou do uso de algemas na prisão do ex-prefeito Celso Pitta.
Também houve queixas quando o empresário Daniel Dantas foi algemado.
Quer dizer, são senhores acima de qualquer suspeita, intocáveis. O coitado do cidadão comum pode ser algemado sem que ninguém proteste. Mas o mafioso, o banqueiro, o político, esses não podem ser tocados.
Isso dificulta muito a atuação do policial, que pode ser acusado de coagir o preso, de recorrer à violência. Querem criar uma conotação, que nunca existiu, entre algema e violência. Algema-se o preso porque a lei determina que se faça isso.
Quando um policial dá voz de prisão a alguém, o Estado passa a ser responsável pela integridade daquele indivíduo. Esse detalhe sempre é esquecido. É necessário usar algemas em nome da segurança do preso, de quem prende e de terceiros.
A relação entre a Polícia Federal e a Justiça é conflituosa?
Não, de forma nenhuma. Além das decisões que vêm dos tribunais superiores de Brasília, temos os tribunais intermediários, os regionais. A convivência é muito boa e muito saudável com os juízes federais de primeira instância. Essa ligação é menos forte com Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Acho que a Justiça precisa ser reformulada.
A Polícia Federal tem autonomia?
Temos autonomia na investigação e na coleta de provas. Ninguém é doido de dizer a um policial que não investigue fulano, ou que faça alguma coisa com determinada prova. Houve uma evolução institucional na Polícia Federal, muito mais em consequência da própria formação dos delegados do que do sistema. Posso garantir que quem tentar envolver um delegado federal em alguma irregularidade, ou forçá-lo a atender a algum pedido inconveniente, estará perdido. Mas existem outras formas de pressão.
Os tribunais superiores comprometem o trabalho da policia?
Sem dúvida. Volto ao caso da Operação Boi Barrica: a decisão do Superior Tribunal de Justiça foi um absurdo, pelo amor de Deus! É isso que gera a impunidade. O Brasil é o pais da impunidade.
Ministros de tribunais superiores também são influenciados por interesses pessoais e pressões políticas?
Não sei. Mas que estão julgando mal, estão. Não sei se os ministros atendem a interesses espúrios, não posso fazer tal afirmação. Mas que estão julgando mal, isso estão.