Recomeçar para além de restart
Estranhem o que não for estranho. Tomem por inexplicável o habitual. Sintam-se perplexos ante o cotidiano. Tratem de achar um remédio para o abuso. Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.
(Bertold Brecht: “A excessão e a regra”).
Vivemos numa época bem diferente daquela dos anos oitenta. Se comparadas, podemos dizer que naquele tempo vivíamos um momento em que tentávamos virar as páginas sombrias de um período negro da história do país, onde passamos da condição de charrete que perdeu o condutor, (como cantava Raul Seixas), diga-se, que perdeu a ingerência da mão forte da ditadura militar à condição de um estado de liberdade política. Então, aquela geração assumiu o compromisso de construir no Brasil uma sociedade livre, quer dizer, democrática. O que mudou em tão pouco tempo, o que resta, hoje, no pós muro de Berlim e no pós utopia de Fukuyama? Para resumir: massificação e idiotia. O capitalismo liberal, com as suas inúmeras mazelas sócio-democratas, pretende que a história tenha acabado e que tudo tenha se resolvido em uma espécie de hedonismo zen sintetizado em um "consuma, assista e não se preocupe, pois as rodas da engrenagem se movimentam por si só". As amarras são fortes em torno deste programa de massas. E a implantação deste ideário segue cursos tão sutís quanto eficazes que, ao final, acabamos por achar que não existe o inimigo. Mas, a verdade nua e crua é que ele existe e se se aperfeiçoou na esteira da pregação do fim das ideologias e nós, os velhos revolucionários vencidos e ultrapassados, não aprendemos ainda a ler esta triste realidade, quer dizer, não aprendemos a entender a sua lógica intrínseca estagnante para, consequentemente, agir para além do ressentimento que é o outro nome da indignação impotente. Será que para isso não teremos que redefinir os problemas? Bom é ter vivido os anos oitenta para comparar e perceber o que mudou. Temos, então, que mostar para a moçada que é preciso crescer a partir da crise e recomeçar buscando saídas viáveis, que ironia, para além de "restart". Não é por que ainda não temos a resposta que não devemos fazer ou refazer insistentemente a pergunta: seremos ainda capazes de forjar alternativas radicais ou, continuaremos proletários, quer dizer, indivíduos desprovidos ou destituídos de qualquer forma subjetiva de substância, vodus mortos-vivos, puras formas do cógito cartesiano, vivendo submetidos às mesmices dos reformismos conservadores? Chega um tempo em que até a covardia se torna monótona. Por isso, já se tornou insuficiente esperar pela grande crise, antes, é preciso antecipá-la e revolucionar. Para além da fase de interpretar o mundo é preciso novamente mudá-lo. O que sempre me fascinou foi querer saber o que há depois do horizonte, sobretudo, quando se trata deste horizonte que reflete um presente podre ao qual podemos denominar de miragens ilusórias da eterna fênix do capitalismo.
Abenon menegassi