A IGREJA E A SUDENE
Efetivamente a SUDENE foi criada pelo Presidente Juscelino Kubitschek em 15 de dezembro de 1959. Mas, para que isto acontecesse, é necessário recordar vários fatos significativos anteriores. Como nos atesta a história, a eleição de Juscelino ocorreu num período conturbado da política nacional. E a sua eleição provocou uma tentativa de golpe, liderado por Carlos Lacerda. Lacerda alegou que Juscelino não deveria tomar posse como Presidente, pois não atingira 50% dos votos. E, curiosamente, nesta época, Lacerda era muito amigo de Dom Helder Camara. Mas Dom Helder não concordou com Lacerda, e proclamou que Juscelino Kubitschek era o Presidente legitimamente eleito. Isto valeu para Juscelino um grande reconhecimento. E Juscelino jamais esqueceria este apoio de um bispo líder da Igreja Católica, apoiando a sua posse. Desta forma se estabeleceram relações muito estreitas, de confiança e de apoio, entre Juscelino e Dom Helder Câmara. Dali para frente, efetivamente, o Governo Federal apoiou as obras sociais de Dom Helder no Rio de Janeiro. Dom Helder, em diversas ocasiões já havia organizado encontros de bispos, para discutir caminhos para uma política de resgate de áreas deprimidas no Brasil. O primeiro encontro, mais importante, foi com os bispos da região amazônica. Deste encontro resultou a proposta ao Governo da Superintendência de Valorização da Amazônia. O Governo, apoiado pela ação da Igreja no campo social, se propôs então a desenvolver a área amazônica. O segundo encontro histórico, articulado pela Ação Católica, orientada por Dom Helder, reuniu os bispos do Nordeste, em Campina Grande, na Paraíba, de 21-26 de maio de 1956. Portanto, há 50 anos. Juscelino, já como Presidente, foi a este encontro dos bispos. Para que os bispos tivessem dados técnicos sobre a situação social do Nordeste, que servissem de base para seus debates e propostas, eles foram assessorados pelos técnicos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico. Juscelino se impressionou com estes dados, e os bispos continuaram a fornecer-lhe subsídios sobre a miséria no Nordeste. Deste encontro nasceu a chamada “Operação Nordeste”, propondo-se a resgatar o Nordeste da miséria. E em maio de 1959, houve o segundo encontro de bispos, em Natal, do qual nasceu a proposta definitiva da SUDENE, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. O primeiro plano efetivo de desenvolvimento da região. E, quando Juscelino oficializou a SUDENE, em seu discurso, disse: “Essa iniciativa do Governo Federal é devida, forçoso proclamar, à inspiração caridosa da Igreja, e ao desejo enérgico de salvar da miséria, tantos valorosos patrícios nossos, manifestada pelos pastores espirituais do Nordeste, desde o primeiro encontro em Campina Grande”. Neste projeto de “redenção social nordestina” houve tacitamente uma espécie de pacto em que a SUDENE assumia a parte de industrialização, a construção de hidrelétricas, de estradas, etc., e a Igreja era parceira na parte social: escolas, ambulatórios médicos, etc. Mais tarde a Igreja criticou a SUDENE por ter-se preocupado demasiadamente com a industrialização, em prejuízo da solução dos problemas do campo. Agravou-se a miséria no campo, e jamais se enfrentou seriamente a questão da reforma agrária.
E o que dizer da SUDENE recriada? Terá ela os nobres propósitos de superar a miséria no Nordeste? Ou se desvirtuará, em muitos de seus objetivos, como aconteceu com a primeira sudene? O tempo dirá. Em todo caso, nunca se deveria esquecer o que Juscelino disse em seu discurso ao criar a primeira SUDENE: a SUDENE nasceu pela inspiração caridosa de pastores espirituais do Nordeste, preocupados em resgatar valorosos patrícios de sua situação de miséria. Claro, os tempos mudaram, e a sociedade civil institucionalizada não trabalhará mais tão proximamente a instituições de Igreja. Mas os pastores espirituais (e humanitários!), preocupados com a dignidade humana, a exemplo de Dom Helder, ainda continuam indispensáveis hoje, como foram ontem.
Inácio Strieder é Professor de Filosofia - Recife/PE