Tolerância
TOLERÂNCIA
A impunidade nasce da excessiva tolerância que se tem com infratores, criminosos e corruptos. Há mais de cinqüenta anos eu escutava um desabafo de meu pai, que ao ouvir a narrativa de algum descalabro público, bradava: “E não vai ninguém preso!”. De lá para cá as coisas pioraram, involuiram ao invés de melhorar. O grande problema do nosso país é a impunidade, é o descaso com que se tratam os ilícitos, tanto privados como públicos. A onda de escândalos no meio público é tão notória que as noticias e as denúncias vêm em ondas, pois é impossível veicular todas ao mesmo tempo. Desta forma, o escândalo desta semana substitui o da semana passada, que perde força diante da atualização dos fatos.
Como todos sabem, teríamos uma ponderável gama de fatos a elencar aqui sob o título da tolerância social que nos corrói. Nem cabe – por falta de espaço – particularizar os eventos, mas apenas relacioná-los sob rótulos classificadores. Vamos ao primeiro. A “ficha limpa”. Já se falou disto ad nauseam e tudo ficou como dantes, adiado, sem providências moralizadoras. A quem não interessa a implantação da lei da ficha limpa? Ao corporativismo da classe política, favorecida com a omissão e a impunidade.
Agora, o Congresso está engendrando a instauração de uma coisa imoral chamada de “lei do sigilo” para as despe3sas com a Copa. Aí sim a coisa vai ficar como o diabo gosta. Se às escâncaras já existe fraude e corrupção com o dinheiro público, imaginem a ocorrência sob o manto tolerante de um sigilo que só interessa aos corruptos? A quem vai interessar esse elenco de medidas? A quem interessa o travamento da lei da ficha limpa? Aos que têm ficha suja! Não parece óbvio?
Outra tolerância patrocinada pelos nossos legisladores é o chamado “segredo de justiça”. Dependendo do caso, em geral do poder do réu ou do indiciado, a coisa corre, no Judiciário, por debaixo dos panos, para não afetar a credibilidade dos fautores do ilícito. Isto prejudica a transparência, indispensável em um regime democrático, e só favorece quem não merece favorecimentos. Se a ação é contra o “zeca diabo”, o processo corre aberto, mas se envolve o “doutor fulano” o manto da desfaçatez o protege.
Quem cria essas leis todas é o Congresso Nacional, que a gente se envergonha de haver eleito seus membros, uma vez que se tornou uma legítima “casa de tolerância”. O povo elege representantes que terminam, por atitudes incoerentes e malsãs, decidindo contra os clamores da maioria. É essa tolerância que cria o bandido, o corrupto, o sonegador, o motorista embriagado, o traficante, o mentiroso e o perverso.
Nossa paciência – esta intolerante – cambaleia diante da apatia do Congresso em discutir e reformular a “lei da anistia”. Argentina, Uruguai e Chile dão exemplos de modernidade e democracia, nesse sentido.
Filósofo, Escritor e Doutor em Teologia Moral