A Imprensa e o Caso Dreyfus
CONTEXTUALIZAÇÃO POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
O Segundo Império terminou com a derrota na guerra franco-prussiana (1870-1871), a prisão e o exílio de Napoleão III. A reorganização política do país caminhava para a restauração monárquica, mas o Conde de Chambord disse que entraria em Paris sem condições e com a bandeira monárquica absolutista com a flor-de-lis. A extrema-esquerda organizara a Comuna de Paris (com a bandeira vermelha) que acabou esmagada pelo general Mac-Mahon. Diante da tensão política e dos extremismos, a Assembléia votou pela institucionalização da Terceira República com a bandeira tricolor.
Em 1873, o general Mac-Mahon foi eleito para um longo mandato de sete anos (o chamado setênio presidencial) para evitar que as paixões monárquicas entre orleanistas e legitimistas (ver o quadro explicativo no final do livro A Luta de Classes na França e a não Institucionalização da Segunda República) voltassem a ocorrer na Terceira República.
Após o longo mandato presidencial de Mac-Mahon, as paixões políticas monárquicas voltaram, em meados da década de 1880, com o ministro da Guerra, Georges Boulanger, cujo apoio à restauração monárquica chegou a tal ponto que a Câmara dos Deputados foi obrigada a votar o banimento da linha masculina da família real a fim de pacificar de uma vez por todas o tema.
No final da década de 1880, a construção do canal do Panamá gerou um grande escândalo financeiro por envolver um prejuízo de 1 bilhão de francos aos acionistas o que colocou em descrédito o Parlamento que não acompanhara com a devida atenção a gigantesca obra, além de gerar um antissemitismo na sociedade francesa.
No início da década de 1890, a tensão política elevou-se com as ameaças anarquistas que resultaram no assassinato do presidente Sadi Carnot em 24 de junho de 1894. Jean Casimir-Périer foi eleito para substituí-lo, mas renunciou em 15 de janeiro de 1895 (já em meio à turbulência do Caso Dreyfus). Durante quatro anos foi presidente Félix Faure, que veio a falecer em 16 de fevereiro de 1899, sendo sucedido por Émile Loubet. Em meio a essas mudanças políticas, o Caso Dreyfus sacudiu a sociedade francesa na virada para o século XX.
O CASO DREYFUS
Alfred Dreyfus (1859-1935) nasceu na Alsácia-Lorena (províncias que a França perdeu o controle após a derrota na guerra para a Prússia em 1870) e que passara ao controle alemão, em 1871, com o surgimento do Império Germânico. O ressentimento francês contra a Alemanha incitava nacionalistas extremados a desejar a guerra. A reivindicação francesa para reaver a região fazia com que a grande maioria do país julgasse a guerra inevitável e só a vitória restabeleceria o controle sobre a Alsácia-Lorena.
Os chefes militares franceses tinham enorme prestígio e a febre de espionagem (para obter planos estratégicos e informações sobre armamentos franceses) inflamava a opinião pública cada vez que um espião era preso. Aliado a isto, havia o sentimento de xenofobia latente. O antissemitismo era alimentado pelos diários impressos como La Libre Parole (A Palavra Livre) publicado por Édouard Drumont (1844-1917), autor do livro La France Juive (A França Judia) que atacava o papel dos judeus na França e era a favor da sua exclusão da sociedade, sendo que seu jornal defendia a mesma opinião.
Em setembro de 1894, um incidente desencadeou o chamado Caso Dreyfus. O adido militar alemão em Paris, Coronel Schwartzkoppen, recrutou agentes para preparar relatórios e enviar ao Estado-Maior alemão sem o conhecimento do embaixador Von Munster. Entretanto, a contra-espionagem francesa organizada pelo coronel Sandherr descobriu na embaixada alemã e obteve uma carta não assinada dirigida a Schwartzkoppen que ficou conhecida como borderô por enumerar informações relativas à defesa nacional da França. Esta carta descrevia e prometia uma série de notas sobre assuntos militares confidenciais que apenas oficiais do Estado-Maior tinham acesso.
As suspeitas recaíram sobre o capitão Alfred Dreyfus cuja caligrafia mostrava espantosa semelhança com o borderô. O tenente-coronel d’Aboville declarou em 06 de outubro de 1894 que reconhecia a caligrafia do capitão Alfred Dreyfus (oficial de artilharia) no borderô. Entretanto, o melhor especialista em grafologia, Gobert, do Banco da França mostrou-se cético em relação a esta afirmação (e por isso acabou dispensado de apresentar seu parecer sobre a caligrafia do borderô).
Dreyfus era um rico judeu, originário de uma família de industriais da Alsácia-Lorena que pertencera à França, mas passara ao controle da Prússia (agora Alemanha). O capitão Dreyfus foi o primeiro judeu a ser promovido para o Quartel General do Exército Francês, pelo seu alto aproveitamento na Escola de Guerra, e teve que enfrentar uma forte oposição antissemita de seus superiores devido a sua origem. Seu caráter introvertido, sua inteligência e sua curiosidade profissional, mas ao mesmo tempo distanciamento também contribuiu para provocar o rancor de seus colegas.
Apesar do contraditório inicial que havia em relação à caligrafia do borderô, o general Mercier (ministro da Guerra) ordenou a prisão do capitão Dreyfus em 15 de outubro de 1894. O comandante Du Paty conduziu o interrogatório de Dreyfus e depois vasculhou a casa do acusado na presença da esposa de Dreyfus, mas nada encontrou que sustentasse a tese de traição. Durante os preparativos para a corte marcial, um perito chegou à teoria da autofalsificação do borderô para explicar ao mesmo tempo as semelhanças e as diferenças entre a caligrafia do capitão Dreyfus e a caligrafia do borderô.
No início de novembro, a corte marcial reuniu-se em Paris sob violenta e intensa pressão da imprensa nacionalista. O general Mercier colocou à disposição dos juízes militares “autos secretos” organizados para provar a existência de relações entre Dreyfus e o adido militar alemão, mas a defesa não teve acesso aos autos, o que era claramente ilegal. Dreyfus foi condenado à prisão perpétua numa fortaleza militar. Em 05 de janeiro de 1895, em sombria cerimônia de degradação no pátio da Escola Militar, Dreyfus foi despojado de sua farda, teve sua espada quebrada e foi enviado para a ilha do Diabo, na costa da Guiana Francesa.
O caso poderia ter terminado ali. Os antissemitas e os nacionalistas estavam exultantes e aplaudiram a decisão. Os moderados também concordaram que havia sido feito justiça, apenas os socialistas lamentaram que Dreyfus não tivesse sido fuzilado como julgavam que teria acontecido com um soldado raso e não um oficial. Os próprios judeus não tinham muitas dúvidas sobre sua culpa e temiam as conseqüências que recairiam sobre a comunidade judaica na França. Apenas a esposa de Dreyfus, seu irmão Mathieu Dreyfus e um círculo restrito de amigos acreditavam em sua inocência.
A causa pela reabilitação do capitão Dreyfus parecia perdida, mas no começo de 1896 um acaso mudou o Caso Dreyfus. Após a morte do coronel Sandherr, a chefia do serviço de contra-espionagem passou a ser exercida pelo tenente-coronel Picquart. Em abril daquele ano, a contra-espionagem dentro da embaixada alemã conseguiu obter o rascunho de uma carta do adido militar Schwartzkoppen endereçada ao major Esterhazy do 74º Regimento de Infantaria. Esta carta chamada de petit bleu provava que ao menos outro oficial tivera contato como adido militar alemão.
Em meados de 1896, o inquérito do tenente-coronel Picquart demonstrou que o comandante Esterhazy estava, ou tinha estado, em contato com Schwartzkoppen. O inquérito mostrava que a caligrafia de Esterhazy era idêntica à caligrafia do borderô. O novo chefe da contra-espionagem levou suas conclusões aos altos escalões do Estado-Maior.
O general Boisdeffre e o general Gonse – chefe e vice-chefe do Estado-Maior – não concordavam com a reabertura do processo, pois havia o obstáculo dos autos secretos terem sido ilegalmente encaminhados aos juízes militares. O caso foi levado ao conhecimento do general Billot, sucessor de Mercier no ministério da Guerra, que hesitou durante longo tempo em torno das duas posições antagônicas, pois caberia um novo debate grafotécnico em torno da autoria do borderô. A condenação de Esterhazy implicaria inevitavelmente a revisão do processo que condenara Dreyfus.
A cúpula do Estado-Maior não aceitava substituir Dreyfus por Esterhazy, pois isso seria admitir um erro judiciário no julgamento da corte marcial. As relações entre Picquart e seus superiores deterioraram-se e ele foi transferido para a Tunísia no norte da África. Em junho de 1897, Picquart estava de licença em Paris e procurou o advogado Leblois, seu amigo pessoal, e revelou-lhe que estava convencido da inocência de Dreyfus e da culpa de Esterhazy. Picquart pediu que Leblois guardasse segredo e apenas revelasse caso acontecesse alguma coisa consigo no norte da África.
Leblois não conseguiu guardar segredo ao pensar que um homem inocente tinha sido condenado e cumpria pena de prisão perpétua na Ilha do Diabo. Ele então decidiu procurar o vice-presidente do Senado, Scheurer-Kestner, a quem revelou todos os detalhes. O vice-presidente do Senado procurou o Ministro da Guerra, general Billot, e tentou em vão persuadi-lo a reabrir o caso.
No final de 1897, quando já se completara três anos da prisão do capitão Dreyfus, seu irmão Mathieu Dreyfus denunciou o comandante Esterhazy como o verdadeiro autor do borderô, no momento em que o Sr. Scheurer-Kestner apresentava, no ministério da Justiça, um pedido de revisão do processo. Um novo inquérito e uma nova corte marcial tornaram-se inevitáveis. A imprensa nacionalista provocou, entretanto, violentas paixões ao afirmar que a honra do Exército seria ultrajada. Enquanto isso, os revisionistas trabalhavam para demonstrar a traição de Esterhazy.
A corte marcial, em 10 de janeiro de 1898, durou apenas dois dias. Esterhazy foi absolvido por unanimidade. Os três peritos em caligrafia convocados não se dispuseram a contradizer seus colegas da corte marcial de 1894. O grande público estava convencido da culpa de Dreyfus e de que as provas contra ele não poderiam ser tornadas públicas por problemas diplomáticos internacionais que poderiam levar à guerra com a Alemanha. A pressão contra os revisionistas era enorme, a tal ponto que, em dezembro de 1897, a Câmara dos Deputados tinha aprovado uma moção “condenando os líderes dessa odiosa campanha com o objetivo de perturbar a consciência nacional”. Os dreyfusards (aqueles que acreditavam na inocência de Dreyfus) eram acusados de formar um “sindicato” apoiado pelo ouro dos judeus, pelas “finanças internacionais” e pelo “mundo dos bancos”.
O contra-ataque dos revisionistas ocorreu em 12 de janeiro de 1898, um dia após a absolvição de Esterhazy, quando o novelista Émile Zola passou o dia redigindo um longo texto contra as duas cortes marciais e as pessoas envolvidas nelas por irregularidades nos dois processos.
A carta aberta ao Presidente da República intitulada J'Accuse (Eu acuso) foi publicada, no dia seguinte, na primeira página do jornal L’Aurore, de Georges Benjamin Clemenceau, com tiragem de trezentos mil exemplares. A carta causou enorme sensação: um exame cuidadoso do borderô apontava que se tratava de um oficial de infantaria e não um oficial de artilharia; mostrou como foi possível o erro judiciário e como este nasceu das maquinações do comandante Du Paty; e, por último, como os generais Mercier, Boisdeffre e Gonse deixaram-se levar, comprometendo aos poucos sua responsabilidade ao encobrir o caso. A carta causou tal impacto que levou professores, escritores e artistas a apresentarem uma petição à Câmara dos Deputados em apoio à carta do escritor Émile Zola.
O final da carta (J’accuse) de Émile Zola é memorável e até hoje muito impactante:
Eu acuso o tenente-coronel Du Paty de ter sido o artífice diabólico do erro judiciário – erro inconsciente, quero crer – e de ter a seguir defendido sua obra nefasta, durante três anos, pelas maquinações mais extravagantes e mais culpáveis.
Eu acuso o general Mercier de ter-se tornado cúmplice, pelo menos por fraqueza de espírito, de uma das maiores iniqüidades do século.
Eu acuso o general Billot de ter tido nas mãos as provas certas da inocência de Dreyfus e de tê-las abafado, de ter-se tornado culpado desse crime de lesa-humanidade e de lesa-justiça, com um objetivo político e para salvar o Estado-Maior comprometido.
Eu acuso o general Boisdeffre e o general Gonse de terem se tornado cúmplices do mesmo crime, um certamente por paixão clerical, o outro talvez por esse espírito de corporação que faz dos departamentos do ministério da Guerra a arca sagrada, inatacável.
Eu acuso o general Pellieux e o comandante Ravary de terem feito um inquérito criminoso, querendo dizer com isso um inquérito da mais monstruosa parcialidade, do qual o relatório do segundo é um imperecível monumento de ingênua audácia.
Eu acuso os três peritos em caligrafia, Belhomme, Varinard e Couard, de terem feito relatórios mentirosos e fraudulentos, a menos que um exame médico os declare acometidos de uma doença de vista e de julgamento.
Eu acuso o ministério da Guerra de ter conduzido na imprensa, particularmente no L’Eclair e no L’Echo de Paris, uma campanha abominável para desencaminhar a opinião pública e encobrir seu próprio erro.
Eu acuso a primeira corte marcial de ter desrespeitado a lei, condenando um réu tendo como provas documentos que permaneceram secretos e eu acuso a segunda corte marcial de ter encoberto esta ilegalidade, cometendo, por sua vez, um crime judicial, absolvendo uma pessoa culpada.
Ao fazer essas acusações, não ignoro que me submeto aos artigos 30 e 31 da lei de imprensa de 29 de julho de 1881, que pune os delitos de difamação. E é voluntariamente que me exponho.
Quanto às pessoas que acuso, não as conheço, nunca as vi, não tenho contra elas nem rancor nem ódio. São para mim apenas entidades, espíritos de maleficência social. E o ato que realizo aqui não é senão um meio revolucionário de apressar a eclosão da verdade e da justiça.
Minha questão é somente uma, a da luz, em nome da humanidade que tanto sofreu e que tem direito à felicidade. Meu protesto inflamado não é senão o grito da minha alma. Que ousem, portanto, levar-me ao tribunal, e que o inquérito se realize em plena luz!
Eu aguardo. Queira aceitar, sr. Presidente, a certeza do meu profundo respeito.
A REVIRAVOLTA NO CASO DREYFUS
A enorme pressão sobre o Estado-Maior levou à decisão do ministro da Guerra, general Billot, em processar Émile Zola por difamação, limitando-se ao trecho da carta que dizia que os juízes indicados para julgar Esterhazy haviam-no absolvido “sob ordens”. Após turbulentas sessões no tribunal, as audiências concluíram pela condenação de Zola que partiu para o exílio na Inglaterra. Entretanto, o objetivo de Zola havia sido obtido no longo prazo para os revisionistas ao demonstrar: que os autos secretos haviam sido encaminhados ilegalmente aos juízes militares em 1894; que Picquart tinha tentado em vão reparar o erro; e que Esterhazy, apesar de sua absolvição, não deixava de continuar suspeito. Além disso, os generais Boisdeffre e Pellieux que instruíram o inquérito foram obrigados a confirmar a existência do documento que citava literalmente Dreyfus, que havia sido incorporado aos autos secretos pelo major Henry (vice-chefe do serviço secreto). Pressionado, o general Boisdeffre chegou a criar o falso dilema: revisão do processo versus a segurança do Estado.
Em junho de 1898, o novo ministro da guerra, Godefroy Cavaignac, resolveu dar uma solução final ao Caso Dreyfus e, assim, evitar o tratamento hesitante dado pelo general Billot. Cavaignac estava determinado a condenar Picquart por indisciplina, demitir Esterhazy por conduta desabonadora e processar os líderes do movimento revisionista por conspiração contra o Estado. O plano de Cavaignac passava por uma ampla revisão dos autos secretos. Confiante, Cavaignac fez um longo discurso na Câmara dos Deputados e não hesitou em citar vários documentos dos autos secretos. Seu discurso foi enorme sucesso, sendo aprovado por 572 votos contra 2. Entretanto, Cavaignac cometeu um erro fatal ao citar o documento incorporado pelo major Henry aos autos secretos. Isso arruinou a carreira de Cavaignac e tornou a revisão inevitável.
O tenente-coronel Picquart declarou que podia provar que o documento tratava-se de uma fraude feita pelo major Henry e, por isso, não restou alternativa ao ministro da Guerra a não ser interrogar o major Henry que não resistiu e confessou o crime. Em 31 de agosto, o major Henry suicidou-se na prisão de Mont Valérien onde estava encarcerado. O suicídio de Henry provocou um enorme impacto e uma reviravolta no caso. Cavaignac renunciou e seu sucessor como ministro da guerra, o general Boisdeffre, também renunciou. Os altos escalões estavam envolvidos no acobertamento das irregularidades cometidas e nas manobras para evitar o esclarecimento do caso.
Durante meses a Corte de Cassação investigou a documentação sob enorme pressão da imprensa para evitar a revisão do caso. Após violentos debates, a Corte de Cassação anulou o veredito e determinou que Dreyfus voltasse à França para uma nova corte marcial.
A nova corte marcial que durou um mês, começou em 07 de agosto de 1899, acabou por dar um veredito contraditório: condenou Dreyfus a 10 anos de prisão com circunstâncias atenuantes. Os amigos mais próximos que acompanharam seu sofrimento o aconselharam a aceitar o indulto oferecido pelo novo presidente da República e assim encerrar o caso, embora o grupo mais “político” (com Picquart e Clemenceau) queria continuar até a absolvição.
O país estava muito dividido e agitado com o Caso Dreyfus e para pacificar o país foi votada e aprovada uma lei de anistia para ambos os lados para encerrar o caso, sob a enorme discordância de Émile Zola que continuou escrevendo contra essa ignomínia. A coalizão anti-revisionista formada pelos monarquistas, militares e o clero acabou alijada do poder e a política de esquerda de defesa da República e reforço do poder civil acabou triunfando e consolidando a agitada vida da Terceira República na França.
O caso parecia esquecido e apenas um fato “novo” poderia reavivá-lo. Eis que em 1904, o novo ministro da Guerra, Louis André, ao consultar arquivos no seu ministério, descobriu alguns documentos falsificados dos autos secretos cuja natureza fraudulenta tinha escapado aos juízes da corte marcial de 1899. Diante das novas evidências, a Corte de Cassação reuniu-se e anulou o veredito da corte marcial. Em 21 de janeiro de 1906, Alfred Dreyfus foi reintegrado ao Exército no pátio da Escola Militar de Paris de onde ele tinha sido expulso doze anos antes. O capitão Dreyfus participou da Primeira Guerra Mundial e foi promovido a tenente-coronel e, em 1918, recebeu a Legião de Honra. Depois de reformado, ele viveu em Paris onde morreu em 12 de julho de 1935, sendo que seu féretro passou pela Praça de La Concorde durante o feriado nacional de 14 de julho (Tomada da Bastilha) até o cemitério Montparnasse.
O caso Dreyfus dividiu o país e escandalizou o mundo: a acusação de alta traição causou sensação internacional, pois estava em jogo a França como Nação e as suas Forças Armadas. As “razões de Estado” fizeram os julgamentos sucessivos manterem a condenação devido à pressão da opinião pública. Inocentar Dreyfus seria condenar o Exército. Um país com suas instituições desmoralizadas causariam enorme instabilidade política, por isso a Segurança Nacional falou mais alto naquele momento.
O caso Dreyfus se ligou profundamente ao problema do antissemitismo, então em efervescência na Europa. Havia duas Franças inconciliáveis: uma, de tradição clerical, monarquista, conservadora; outra, a que venceu, republicana e laica – a dos partidários de Dreyfus.
A imprensa teve um papel muito importante ao insuflar as paixões políticas, acirrar os ânimos e exaltar as opiniões extremadas. Émile Zola ao publicar sua carta “J’accuse” atraiu toda a fúria da imprensa contra ele mesmo, mas forçou a volta de Dreyfus e um novo julgamento. A imprensa teve papel fundamental na formação como na deformação dos fatos e influenciou decisivamente a opinião pública nos momentos chaves do Caso Dreyfus.
Émile Zola perseguiu por tantos anos o sonho de tornar-se membro da Academia Francesa. No momento decisivo, em que a conjuntura possibilitaria sua eleição, Émile Zola abriu mão para abraçar uma causa maior que era a defesa de um inocente condenado injustamente sem acesso às provas que o levaram à prisão perpétua. A morte de Émile Zola, em 1902, em circunstâncias suspeitas (o bloqueio da ventilação da chaminé no telhado levou-o a morrer asfixiado por monóxido de carbono) impediu-o de ver a reabilitação de Dreyfus em 1906. Entretanto, suas virtudes republicanas fizeram com que seus restos mortais fossem transladados do cemitério Montmartre para o Panteão de Paris em 1908. Durante esta cerimônia, um jornalista antissemita tentou matar Alfred Dreyfus a tiros.
A profunda divisão da política francesa entre a esquerda e a direita é bem marcada por sua história desde a Revolução Francesa e acentuada a partir do Caso Dreyfus.