GUIA PRÁTICO DO PSEUDO-POLÍTICO BRASILEIRO
OU
OU
CURIOSIDADES (A)POLÍTICAS SOBRE A FORMAÇÃO DO BRASIL
Prof. Leonardo Lisbôa
“Intelectuais famosos nem sempre são geniais. Cometem besteiras em troca de dinheiro, adotam ideologias da moda que se revelam loucura em escrever coisas de que depois se arrependem.”
(Leandro Narloch)
À página 103 do livro ‘Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil’ do autor que prefacia esta análise diz isto.
E ao escrever esta introdução ao capítulo “Escritores” parece que ele próprio esqueceu-se de si mesmo. Pois inegável é ele também ser mais um a surfar nas ondas do atual modismo que se vê especialmente no Brasil em que jornalistas se metem no campo da historiografia.
Não se deve esquecer que Leandro Narloch foi repórter da revista Veja. Instrumento este que todo bom leitor de senso crítico conhece sua tendência política. Portanto, sua formação e atuação como repórter se marca pelas mesmas tendências e ele embarca, ou melhor, deixa sua prancha deslizar nesta onda de ser mais um a escrever ‘coisas’ sobre a História com um posicionamento de crítico à chamada “História Oficial”. O mesmo autor é ou foi editor das revistas ‘Aventuras na História’ e ‘Superinteressante’.
Historiadores, bacharéis e licenciados, se calarmos outros falaram por nós!
O interessante é que o autor quando faz a abordagem sobre nossos escritores ele mostra o lado humano, político e o contexto do tempo em que estes escritores viviam, além de tecer comentários sobre suas literaturas. Vamos lembrar que a Arte retrata o contexto histórico do artista ou antecipa tempos vindouros e olhá-los com os olhos de hoje é o pior tipo de anacronismo que uma pessoa pode cometer.
Podemos perceber que os escritores citados por Narloch refletem a cultura de suas épocas (desculpem-me a redundância, mas é necessário fazê-la para reforçar o princípio acima). Assim como foi com os consagrados Machado de Assis, José de Alencar, Gilberto Freyre e outros. Leandro Narloch não critica somente nomes de expressão de nossa literatura. Mas parece um emissário da internacionalização ou mesmo alguém que não se coloca ou mais um brasileiro que adora falar mal do que é a ‘brasilidade’. É um desmitificador que sente negativamente valores e princípios brasileiros e quer fazer barulho sendo mais um com seus gritos ao vento.
Assim ele se posiciona contra a figura de Santos Dumont e parece um advogado estadunidense querendo provar que a aviação deve seus primórdios à ação dos pioneiros neste campo daquela nação.
O autor não mede palavras (cita duas ou três vezes a possível homossexualidade do inventor de forma preconceituosa, jocosa para denegrir sua moral), desmerece aquele que ficou conhecido como o “Pai da Aviação”.
A mesma negatividade é expressa no transcorrer de sua explanação no capítulo sobre ‘Aleijadinho’.
No presente capítulo o autor do referido livro se mete mais uma vez no campo da literatura para desmitificar obra e a pessoa de Francisco Antônio Lisboa. Diz que ele teria sido criado como imagem e semelhança de Quasímodo de Vitor Hugo e outros seres da literatura romântica ao modo dos escritores deste estilo.
Para isto também se mete a crítico de arte se valendo de opiniões de europeus que na época passavam por Minas Gerais. Estes europeus viam com preconceito tudo o quê era produzido na América uma vez que tinham como referencial a arte e a cultura de suas origens (Europa).
O autor do livro, entretanto, utiliza os pareceres dos mesmos como referência também para criticar e levantar dúvidas sobre Aleijadinho e sua obra.
Ele se faz de onipotente, pois se mete a crítico de historicidade, de arte, e como juiz quando julga ações e intenções de escritores. Também é metido à diplomático, pois o próximo capítulo trata das questões das fronteiras do país ao abordar as questões sobre o Acre.
Sobre isto ele noticia relatos referentes à ocupação daquele Estado envolvendo brasileiros, bolivianos, espanhóis e interesses estadunidenses que sempre objetivaram a Internacionalização da Amazônia. Curioso é a nota que ele, o autor, sendo um paranaense traz: “Sempre aparece um gaúcho para resolver a história” (pensamos: o que vai nas entrelinhas desta frase?).
O autor contabiliza e traz a idéia de como o Acre custa caro à Federação Brasileira.
Perguntamos: Quais as razões que provocaram estas considerações deste autor sulista?
Ele próprio responde: “Se tivéssemos deixado o Acre e desfizéssemos de alguns Estados Nortistas e Nordestinos poderíamos aplicar mais dinheiro no Sudeste, especificadamente em São Paulo.”
É nítida a posição política e quase bairrista do autor em relação ao que se refere ao norte e nordeste do país.
Discordamos do autor citando um exemplo. Os Estados Unidos da América possui o congelado Alasca. Quanto o Alasca custa à Federação Estadunidense? Jamais os EUA pensariam em deixar o Alasca pelos possíveis gastos com aquela unidade da federação, porque o Estado da América do Norte enxerga possibilidades ali naquelas terras cobertas de gelo e que passa parte do ano no escuro (noite polar).
Vamos lembrar que propostas de desfragmentação da unidade brasileira sempre são movidas pelos Estados do sul do Brasil. Enquanto os Estados Unidos da América têm todo um interesse geopolítico na Amazônia e o Acre faz parte dela. A nação estadunidense enxerga possibilidades nesta área sul americana.
Quanto à Guerra do Paraguai (outro capítulo do livro), Narloch deixa claro os motivos pela sua aversão à História e acusa práticas de seus ex-professores do ensino médio e fundamental como causa de suas frustrações pela Ciência Humana.
Interessante que mesmo assim ele foi ou é editor de revistas voltadas para o conhecimento de História.
Seria como se eu tivesse ‘psicose’ matemática, porque em meu tempo de estudante decorava-se tabuada e todas aquelas coisas que se tem que saber de 'cor-ação' para resolver os complicados problemas exatos. Ou eu fosse ‘neurótico’ gramatiqueiro, porque tínhamos que decorar gramática e suas exceções, sobretudo infindáveis conjugações verbais.
Acho que nosso amigo deveria ter feito análise e não tentar escrever um guia político metido a rebelde que atira sem nenhum alvo acertar.
Leandro Narloch também dança ao discordar sobre o Samba.
Inicia o capítulo referente ao tema com um vislumbre à pinceladas rápidas sobre a origem do carnaval em Roma pagã. Transcorre pela Idade Média e chega-se à origem da festa no Brasil colonial e imperial, quando tal atividade era chamada de entrudo.
O autor se engana ao cometer um erro inadmissível em História. Esta Ciência não admite o estudo das possibilidades. Ela se preocupa com os processos que acontecem buscando o que ocorreu e não no que poderia ter acontecido. O campo das possibilidades, quando se usa a partícula ‘SE’ pertence a outras áreas.
É um erro entre os que não estudam o fazer histórico, seus métodos e sistemáticas embarcar nestas preocupações levantando possibilidades absurdas.
Mas como jornalista (ou como disse Marc Bloch, um mero plubiscista) e não como um historiador, ele pode se dar ao capricho dos enganos para referendar seu livro e ele o faz com a seguinte consideração: “mas suponha que, de repente, um ditador bem metódico, militar e fascista, um ditador italiano Benito Mussolini, aliado de Hitler na Segunda Guerra Mundial, tivesse o direito de regular essa bagunça para torná-la orgulho da nação. Como seria o Carnaval organizado por Mussolini?”(p.124)
Reforçamos, isto não é História. Pode ser TELEOLOGIA (não confundir com teologia).
Porém ele faz isto ao descrever a organização do carnaval e com os desfiles das Escolas de Samba, bem como com os desfiles do 7 de Setembro dizendo que tiveram origem no Estado Fascista de Getúlio Vargas.
Indo além, o autor procura demonstrar como se formou a identidade nacional brasileira. Ele viaja ao século 19 e 20 ressaltando as várias nuances que cooperaram para esta formação.
Ele é ácido em seus julgamentos procurando deixar claro que não está satisfeito com o estado de coisas que organizou nacionalmente o Brasil.
Preocupado em mais criticar do que mostrar satisfação, ele esquece de olhar outros exemplos de identidade nacional. No final do século 19, quando a Itália surgiu como identidade nacional, seus líderes afirmaram: “fizemos a Itália, agora temos que fazer os italianos.”
O autor do livro procura mais reclamar e apontar aspectos negativos do que propor, então, um caminho melhor ou mostrar um outro viés que a identidade brasileira pudesse ter sido feita.
Parece mais um destes brasileiros que com a visão colonizada se propõe a criticar as coisas internas pelo simples desejo de reclamar do país. Visão herdada da época colonial e embutida no inconsciente coletivo de que o quê é melhor é o quê é exógeno.
No capítulo intitulado “Os Negros” o autor se utiliza de gírias e termos que não vão bem em obras mais polidas. Por exemplo, ele escreve “O nome de Francisco, pura cascata (grifo nosso) de Décio Freitas, consta até hoje no Livro dos Heróis da Pátria da Presidência da República”. O nome de Zumbi não consta no rol dos heróis brasileiros na visão da corrente historiográfica positivista que perdurou no século 20. Nesta visão o nome maior era o da princesa Isabel, filha de D. Pedro II.
O nome de Zumbi ganhou maior notoriedade a partir do movimento que valoriza a cultura afro-brasileira, que comemora o dia da Consciência Negra a 20 de novembro em homenagem a Zumbi.
Nesta questão o livro mostra as inter-relações entre os negros consigo mesmos e como havia o papel de dominador e dominado entre eles, os negros (o que conseguia a sua liberdade, se lhe fosse possível e se tivesse meios, compravam escravos da própria etnia para lhes servirem).
O autor mostra a vantagem que a escrava alforriada tinha sobre a senhora branca. Pois esta vivia sob o mando da sociedade patriarcal devendo satisfação aos homens da família e à sociedade em geral. Aquela, como foi alforriada, podia ir e vir livremente e tomar atitudes peculiares.
O autor desmitifica a figura do negro sofredor e pobre coitado, vítima de seu destino. Mostra como sendo a maioria causava um certo constrangimento aos senhores brancos.
Leandro Narloch aborda o fato de que se os portugueses escravizavam negros, um forte fator para isto era que os negros escravizados eram conseguidos na África junto a coletividades negras que dominavam outras mais fracas. Vale a citação encontrada nas p. 87 e 88: “Se já estavam ricos com a venda de escravos aos árabes, os reinos africanos lucravam muito mais com o comércio pela costa do oceano Atlântico: trocando pessoas por armas, o reino Axante expandiu seu território. O rei Osei Kwame (1777 – 1801), graças aos escravos que vendia, tinha palácios luxuosos, além de estradas bem aparadas que ligavam as cidades de seu império centralizado. Outro exemplo bem documentado é o reino Daomé, atual Benin... No século 18, havia por lá um Estado com burocracia militar, estradas, pontes vigiadas por guardas e cidades com 28 mil pessoas.
Nessa região e em muitos outros reinos, eram os próprios africanos que operavam o comércio de estradas. A dominação européia se restringia a um forte no litoral de onde os europeus só podiam sair com a autorização dos funcionários estatais.”
Outra citação importante é a que se encontra na p.94 : “Se a Inglaterra conseguiu acabar com o tráfico pelo Atlântico, a escravidão durou muito mais em outros pontos da África. Em Serra Leoa, os escravos só foram libertos em 1928, e apenas em 1950 no Sudão. Na Mauritânia, república islâmica ao sul do Marrocos, seguiu até 1980. Ilegalmente, é praticada no país até hoje.”
Na linha da análise étnica, o autor dedica um capítulo aos índios.
Inicia-se falando sobre a ocupação indígena na América começando a explicar que tais grupos vieram de outras partes do globo. Na p. 46, ele escreve “Durante a caminhada de centenas de gerações, alguns deles perderam contato e se separaram. Uns dobraram à esquerda, rumo à península Ibérica, enquanto outros continuaram subindo (grifos nossos) pela Ásia.” Enquanto o correto seriam as expressões “para o oeste” e “indo para o norte”, respectivamente.
Adiante ele escreve: “Comprar aqueles artefatos com papagaios ou pau-brasil era um ótimo nnegócio”(p.48). Aqui o autor cometeu um anacronismo bárbaro. Ele usa termos da contemporaneidade em um tempo histórico diferente. Os indígenas estavam inseridos em um contexto de trocas (escambo) e não em um contexto capitalista de compra e venda.
À p. 54, ele continua “...quando os portugueses se mostraram interessados em pau-brasil, os índios derrubaram as árvores com gosto.” Com isto ele quis mostrar como os índios não gostavam das matas e florestas. Ele deixa de considerar outros fatores que levaram os indígenas a ceder pau-brasil aos portugueses. Os indígenas não tinham o senso de que estavam fazendo mal à natureza. O autor os vê como anti-ambientalistas.
O autor desconsidera o viés cultural que distingue os dois povos, índios e europeus. Uma posição simplista que se baseia no "criticismo" e não no crítico científico. Quando antropólogos e cientistas sociais afirmam que é preciso valorizar a cultura indígena, o fazem para nos lembrar que antes da cultura européia havia uma cultura primitiva aqui na América. O autor comete descuido em não perceber que os dois povos viviam tempos históricos diferentes.
O livro desmitifica a visão do índio bonzinho, inocente e que vivia em harmonia com a natureza. Faz-nos lembrar de como a sua prática da queimada (coivara) foi danosa para a floresta e é um mal que o brasileiro deu prosseguimento na prática da roça.
Se Leandro Narloch desmerece pessoas como José de Alencar, Machado de Assis, Gilberto Freyre, Francisco Antônio Lisboa, Santos Dumont, ele pinta Luís Carlos Prestes como a própria encarnação do mal.
Quanto à oposição ao regime militar no Brasil ele escreve “...é politicamente incorreto lembrar que os guerrilheiros comunistas estavam estupidamente errados...”(p.268). Mais um erro de anacronismo histórico que o autor comete, porque ele escreve esta sentença enxergando aquele processo com os olhos de hoje. Na época, o contexto histórico era outro. Era o que os guerrilheiros acreditavam e apontavam como alternativa contra o autoritarismo do regime.
Hoje após a queda do Socialismo Real e o fim da URSS fica fácil afirmar que eles estavam “estupidamente errados”. No capítulo, o autor mais uma vez pratica a sua teleologia fazendo suposições e comparações se os movimentos guerrilheiros tivessem derrubado o regime militar e implantado o socialismo. Vamos lembrar que contextos diferentes geram realidades diferentes e que História é a ciência que preza o que foi e o que é e não o que poderia ter sido.
Desdenhosamente à p. 280, o autor pede para que seus leitores pesquisem no GOOGLE o que vem a ser ‘Leninismo’ justificando que é muito chato explicar isto (desmerece, com certeza seus leitores e é uma forma ‘moderninha’ para não se dar ao trabalho e por isto desconsidera a capacidade de quem irá lê-lo). Por isso é que ele escreve superficialmente sobre o período do regime militar e a reação a esta ditadura. Percebe-se assim a atitude leviana e quase cheirando a rebeldia de estudante o modo como ele faz a sua explanação.
O autor destrói as bases da cidadania e identidade brasileira, mas nada propõe. Ou se propõe não deixa claro e não mostra onde quer chegar.
Enfim a introdução de seu livro é feita com uma atividade repleta de sofismas. Quem não tem ciência dos métodos e dinamismos históricos consegue ser ludibriado. Mas a História não se faz com simplismo como o autor quer demonstrar.
Ele quer aplicar uma regra como, por exemplo, se o ensino sobre a colonização enquanto processo ocorrido do século 15 ao 18 fosse passado como quem dá uma receita de bolo, uma fórmula de exatas, uma regra.
Porém, auto lá, a História das nações colonizadas se repete, porque o contexto aparentemente é o mesmo por estar inserido no colonialismo típico da transição do feudalismo para o capitalismo. Isto não pode ser criticado da forma simplista como Leandro Narloch quer fazer parecer.
A História é uma ciência, pois tem métodos e sistemáticas. O problema é que jornalistas se metem a escrever sobre historicidade sem perceber e desconhecer que ela tem várias vertentes, diversas correntes historiográficas e não é uma crônica, um simples relato jornalístico. A História não é Literatura.
Há de se ter cuidado para não se confundir espírito crítico com ‘criticismo’ a revelia.
Temos que ter cuidados e não como leigos que se metem a reecrever História e não são historiadores. São “escritores” que querem apenas vender livro por apresentar um discurso novo, rebelde e sem fundamento ou os torcem sem rigor científico.
São como charlatões que se metem no campo da medicina. Como ‘professores show’, aqueles que deixaram a cátedra e assumiram o palco ou o picadeiro com suas oratórias, retóricas, personagens para agradar adolescentes e vestibulandos. É claro que jovens têm atração e preferem o lúdico, o show que estes oferecem ao que os profissionais sérios têm a lhes ensinar e tratam com respeito a Ciência que professam.
Se algo acontece em um dado momento, o ocorrido será narrado de diferentes maneiras conforme o número, a vivência e formação de cada observador.
A História é a Ciência da dinâmica. Por isto se diz que ela é filha de seu tempo e é constantemente escrita e reescrita.
Não há verdade absoluta. Há verdades, porque a verdade é cultural. Não há fatos históricos, há processos históricos.
Ensina-se História para o desenvolvimento do raciocínio histórico, ou seja, para ensinar que experiências passadas influem no presente.
Não interessa à Ciência Histórica levantar heroísmos, mas formar valores e princípios.
Heróis não existem. Existem sujeitos históricos. Qual sejam, seres humanos com todos os seus sentimentos e idéias.
E isto o autor não mostra em seu guia que é mais um manual de insatisfação e frustrações de uma pessoa que não se encontrou como ser político (Opa! Se ele se encontrou, devemos refletir sobre seu extremismo – é neste ventre que são gerados figuras como Hitler, Stálin e Collor).
Qual é o povo, a nação que não se orgulha de suas raízes?
Narloch, porém faz jus ao título que nomeou seu manual: Guia Incorreto Politicamente.
Observação: Análise crítica da obra: NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. São Paulo: Leya – 2009.