O PODER DAS MÃOS INVISÍVEIS

Embora a Presidente Dilma, em seu discurso de posse, tenha falado em sonhos, a sua filosofia mais se caracteriza como pragmática. Orienta-se por uma política de resultados. Demonstra conhecer os problemas brasileiros, e promete enfrentá-los vigorosamente. Sem dúvida, também sabe que estes problemas são apenas fenômenos, isto é, manifestações objetivas de causas que nem sempre se mostram com clareza e transparência. Estas causas podem ser históricas, culturais e/ou biológicas, e ter sua raiz em atitudes humanas e/ou leis naturais. Às vezes são intencionais, outras casuais. Muitas vezes gostaríamos de entender a realidade fenomênica para nos situarmos adequadamente em relação a ela, e resolver os problemas pragmaticamente de forma imediata, com a convicção de que sua solução é simples. Mas aí se constata que, por detrás dos fenômenos, existem forças, poderes, amarrações, nós difíceis de entender e desatar. A consciência destes poderes, por detrás do mundo fenomênico, é muito antiga. Nos tempos míticos, quem conduzia a história, e governava a natureza, eram anjos, demônios, entidades, dominações, potestades, os espíritos de cada século, a força do destino, deuses. O monoteísmo tentou expurgar das mentes humanas todas estas forças supersticiosas e ocultas, e colocar nas mãos do único Deus a Providência por tudo que acontecia entre os homens e na natureza. A nossa vida e os fenômenos naturais estavam nas “mãos de Deus”, a Divina Providência.

Com a ampliação da consciência de autonomia do homem crítico, da observação dos fenômenos naturais e dos conhecimentos das leis da natureza, principalmente a partir do séc. XVIII, alguns intelectuais começaram a rever as explicações do passado sobre as causas ocultas, muitas vezes imprevisíveis e inexplicáveis, por detrás de muitos dos acontecimentos no mundo fenomênico. Neste sentido, Mandeville foi o primeiro a escrever um livro muito interessante ( A Fábula das Abelhas), sobre a existência de uma “inteligência coletiva” entre as abelhas. Nas colmeias, cada abelha, individualmente (de forma egoística) cumpria um trabalho que, somado ao total, gerava uma organização precisa e correta. A “inteligência coletiva” era como que uma “mão invisível” que manipulava (=organizar com as mãos!) e autoregulava a atividade individual de cada abelha em função do objetivo coletivo. Assim nasceu a ideia de um equilíbrio global de interrelacionamentos. No mesmo séc. XVIII, Adam Smith aproveitou a ideia de Mandeville, e em seu livro, A Riqueza das Nações, formulou a teoria da “mão invisível” que conduz e organiza o mercado. A confiança nesta “mão invisível” de Adam Smith está por detrás de todos os liberalismos econômicos (capitalismos) modernos, das políticas liberais dos governos mínimos, de ideologias da exploração capitalista do homem pelo homem, da permissão escandalosa da especulação financeira, da falta de presença do Estado em políticas de justiça social. E muitos Estados continuam submetendo suas políticas ao poder desta “mão invisível do mercado”. A verdade é que a fé nesta “mão invisível” é um terrível mito que já levou a humanidade a guerras, à bancarrota (exemplo, o krach de 1929), a inflações pecuniárias, a empobrecimentos populacionais, a ditaduras, etc. E nós, mesmo sabendo que é um mito, no nosso dia-a-dia nos sentimos entregues aos que manipulam esta “mão invisível do mercado”.

Outra “mão invisível” (nem tão invisível!), que nenhum Governo pode desconsiderar, é o punho de ferro das polícias, do exército, e de todos que detêm armas em suas mãos (também os bandidos!).

Até aqui constatamos fundamentalmente que três poderosas “mãos invisíveis” podem manipular a política dos países: a “mão religiosa”, a “mão do mercado(do capital)” e a “mão armada”. Assim encontramos teocracias, plutocracias e regimes militares. O espírito democrático de hoje deve relativizar em seus países o poder (mítico) de cada uma destas “mãos”. Mas, hoje, nenhum país pode ignorar o poder político de uma quarta “mão invisível”, que deve tornar-se cada vez mais visível aos cidadãos: “a mão do mundo”. O Presidente Lula, com as suas centenas de viagens pelo mundo, aparentemente desnecessárias, intuiu de forma genial a força desta “mão do mundo”, que hoje nos domina. Reflexo desta mão é o aquecimento global, o movimento ecológico mundial, o mercado internacional, os capitais e investimentos internacionais, a consciência de solidariedade entre os povos, a ciência e a tecnologia no mundo inteiro, as exigências mundiais de educação, saúde, direitos humanos e justiça para todos. Os povos que hoje em dia não organizam sua política a partir desta “mão do mundo” permanecem atrasados, e o índice de humanidade e civilização de seu povo se degrada. Penso que, na medida em que a “mão do mundo” for o norte das decisões políticas brasileiras, o índice de nosso desenvolvimento crescerá. O sucesso na política de hoje depende de sua sujeição ao poder da “mão do mundo”.

Inácio Strieder é professor de filosofia.- Recife-PE.