CARAS PINTADAS DO EGITO
Se Alexandre o Grande foi o libertador do povo egípcio durante a última dinastia dos antigos faraós, o próprio povo egípcio fez o papel de Alexandre neste período longínquo em que Hosni Mubarak ficou a frente do Egito; três décadas reinando absoluto nas decisões da antiga terra dos faraós fez dele um dos governantes que mais mandou e agora, após sua queda, o povo comemora nas ruas junto a seus antigos protetores!
No dia primeiro de fevereiro, enquanto eu arrumava as malas para o Uruguai, o povão egípcio se movimentava no Cairo com um único intuito: tirar Mubarak do poder! Muitos acreditavam ser apenas um movimento simples de inconformados com a política de esquecimento das causas populares; outros pensaram que os islamitas estivessem apenas interessados em fazer romper qualquer laço com os Estados Unidos; mas o certo é que todos, ou quase 100% dos egípcios queriam mudanças já e para que isso ocorresse se fazia necessário que o ditador Mubarak saísse imediatamente do poder!
As notícias eu não preciso comentar; a pressão popular maciça acabou por deixar o 32º Faraó Hosni Mubarak em uma condição de saia justa; os únicos que o deram apoio, não absoluto, a autoridade dele, foi a polícia; porque até as forças armadas ficaram mais neutras do que outra coisa. Eu disse em minha última crônica que “as múmias deviam estar se revirando nos sarcófagos”; de um lado um egípcio militar que comandou o país por 3 décadas sem ao menos mostrar a seu povo um traço de bondade; do outro o povão, meros operários inundados em promessas que queriam apenas crescer; e no meio de tudo, as autoridades que precisavam conter os ânimos, mas também eram do povo. Ainda havia a pressão norte-americana e israelense para que os acordos de paz oportunistas fossem mantidos. Prevaleceu a pressão popular!
A Era de Aquários já é de fato a era da mudança; em todas as partes do mundo há provas concretas de que as transformações sacudiram a história recente, a começar pelo poderio inabalável que já não mais amedronta como antes. Se antes as Américas eram os focos dos holofotes, agora Ásia e África dão sinais claros de estarem vivas e o Egito é uma ligação geográfica e política entre estes dois continentes.
Mubarak quando se apoderou do domínio egípcio até pode imaginar que um futuro turbulento viria causar-lhe náuseas, como foram as dez pragas de Moisés narradas no Livro de Êxodos; rãs, sangue, piolhos, moscas, doenças, sarnas, fogo, gafanhotos e trevas; eu acredito que de tudo um pouco aconteceu nestes 30 anos de Mubarak a frente do Egito; apenas faltou-lhe provar a morte do primogênito para se concretizar uma dezena de desgraças.
Eu comparo o Egito a Venezuela; o Estado até possui uma tática capacidade de crescer e expandir seus domínios financeiros, mas está ligado a problemática política de seus comandantes e necessita de ajuda externa, sempre. Mubarak recebia mais de 12 bilhões de dólares americanos dos próprios fabricantes das verdinhas; tudo isso para manter as fronteiras entre África e Ásia sob controle, evitando desta maneira uma rota perigosa que ligasse os inimigos de Israel até a Terra Santa; talvez tenha sido este fator a gota d’água que fizera transbordar o volumoso copo de pretensões populares do Egito.
As Pirâmides de Gisé, as múmias e todos os outros circuitos arquitetônicos da época dos faraós espelhavam a grandeza do país como um gigante do turismo internacional; o Delta do Nilo sempre forneceu o sustento interno e o petróleo complementava a riqueza do país; mas de nada adiantava ter dinheiro, pois a maior parte dele sempre foi investida em exércitos para a defesa e o que restava, segundo fontes do país, era transformado em luxo e riquezas de seu comandante, Hosni Mubarak; para isso, nem “Jó” teria tanta resignação de suportar e o povão não teve; exigiu a saída do Presidente; se viu mais uma vez sendo enganado; persistiu com as manifestações e finalmente teve aquilo que sempre desejou; Mubarak fugiu...
Prepotência ou fatídica ignorância? Talvez ambas! A completa treva de sapiência, associada a ganância, talvez fizeram com que Mubarak sucumbisse tão desastrosamente a vontade do povo; logo ele que se sentiu um Deus; uma divindade infinita do universo no predominante esquema mitológico moderno, deu ênfase a uma das mais lindas passagens populares da atualidade; e desta epopéia moderníssima que o extraiu do Poder, nem Osíris saberia explicar como aconteceu!
Eu fico imaginando o que deve ter passado pela cabeça do ex-faraó Mubarak durante os últimos dias de intensos protestos; o sujeito passou 30 anos mandando e da noite para o dia se vê diante de uma possibilidade de ter seu domínio paralisado, ou ainda, de ver seu palácio invadido e seus antigos aliados, agora congregados do povo, porque também são do povo!
É como se percebesse que o tempo não passou e que tudo havia ficado intensamente sem graça; que o Egito havia enfim se dividido entre dois mundos; o primeiro mundo, o da tirania e do absolutismo, que alimentou a ira divina de quem pode fazer e promover mudanças e este, o da mudança, já é sinônimo de um segundo mundo completamente desigual; paralelamente andando junto com o primeiro.
Mergulhando na mitologia egípcia este episódio me fez lembrar MUT, que gerou as estrelas; que foi antiga deusa primordial venerada nos arredores de Tebas, tornou-se a esposa de Amon. Seu nome significa, literalmente, "mãe". Seu símbolo sagrado é o abutre, e ela representa o amor maternal. Por vezes assume o aspecto leonino da deusa Sekhmet e da deusa-abutre Nekhbet, antiga deusa protetora da realeza do Alto Egito e da coroa real; dizem alguns sites daquelas bandas que Mubarak tinha em um de seus palácios várias imagens de Mut; será que ele, islâmico por assunção, imaginou ser o protegido da antiga Deusa? Um jornal norte-americano classificou Hosni Mubarak como sendo o novo Seth; se assim o for, o povo e seus anseios seria uma espécie de Horus, que se vingou!
O novo Egito, que ainda traz traços do antigo, agora quer abrir a caixa preta de Mubarak e provar que ele desviara milhões de dólares dos cofres públicos ao longo de três décadas. O que antes nem se falava, como a Corte Penal do Cairo, agora se mobiliza para desvendar antigos esquemas e colocar na cadeia quem tenha participado e usufruído das mamatas. Estão passando a limpo a terra dos faraós!
Os militares, ex-aliados de Mubarak, dissolveram o Parlamento; deram garantias populares que farão uma transição de Governo em muito breve e afirmaram que somente os civis poderão disputar o pleito. Agora, Muhammad Hosni Said Mubarak, que foi o 4º Presidente do Egito e considerado o último Faraó, deverá tentar curtir sua fortuna estimada em R$ 140 bilhões aos 82 anos.
Resumindo a história do Egito e de Mubarak em seis etapas, podemos dizer que ele era Vice-Presidente em 1981 e foi eleito presidente após matarem Anuar El-Sadate; reeleito através de plebiscito em 87 com firme controle da oposição; ainda conseguiria, da mesma forma, outras três reeleições que até hoje são contestadas; o homem polêmico foi alvo de diversos atentados e sobreviveu a todos; em 2000 foi chamado de “O Guarda do Oriente Médio” por estar próximo dos EUA, palestina e Israel; categoricamente se viu encurralado e foi obrigado a fazer reformas política e permitir mais avanços dos mulçumanos; por último, após a Tunísia iniciar uma onda de protestos contra seu Governo, o povo foi às ruas do Cairo e exigiu a renúncia de Mubarak, o que ocorreu com a revolução que matou centenas e comoveu o mundo, e culminou com a abdicação dele!
Agora o mundo quer saber se virá outro faraó, um fardado, um civil ou um mulá!
Pobre e massacrado Egito!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
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