REINTEGRAÇÃO SOCIAL: Dificuldades e Possibilidades
*Valentina Luzia de Jesus
O retorno à sociedade dos “esquecidos” por haverem descumprido regras, leis e valores é um problema de adaptação bastante dolorosa, principalmente para quem internalizou o fenômeno da “prisionização” e, que, não recebendo um tratamento penitenciário adequado, não reconhece essa sociedade.
A soma de seus atos é o que faz o indivíduo construir a própria realidade social, como mostrou Freud, citado por Alvino de Sá (1998): "a realidade social transforma-se em suporte da realidade psíquica, o outro é ao mesmo tempo um modelo, um objeto, uma sustentação ou um adversário". A constituição de todo ser humano enquanto sujeito passa por uma relação poliforme com o outro. É através dessa relação que ele se constitui, se reconhece, sente prazer e sofrimento; satisfaz ou não seus desejos e suas pulsões.
O ser humano aparece assim com seu cortejo entre racionalidade e irracionalidade que se encaixa ao mesmo tempo na vida interior e no mundo externo. Lugar por excelência do imaginário, do inconsciente, de defesas, de processos de identificação, a vida psíquica exerce um papel fundamental no comportamento humano, de ordem individual ou coletiva e não dá importância a essa realidade é condenar-se a uma visão incompleta do homem que pode conduzir a conseqüências patológicas cujos exemplos podem ser encontrados na história social.
Durkeim (1963) descreve o fato social que o indivíduo experimenta como “coerção social”, isto é, a força que o fato exerce sobre ele, levando-o a conformar-se às regras da sociedade onde vive independente de sua vontade ou escolha. Essa força coercitiva é evidenciada pelas “sanções legais” ou “espontâneas”, é o que o indivíduo esta sujeito ao rebelar-se contra ela.
“Legais” são as sanções prescritas pela sociedade, sob forma de leis, nas quais se define a infração e se estabelece a penalidade. Quando este indivíduo pratica algo por pulsão, por defesa, por irracionalidade até mesmo de forma racional ele é expulso do paraíso (a sociedade) para ser encarcerado no inferno (a prisão). E o mais preocupante que estes indivíduos são selecionados para sofrer as sanções impostas pela sociedade, na sua maioria, pobres e negros e, ao retornarem, estarão sofrendo a reação negativa por ter rompido valores e princípios. Nessa assertiva é que a Criminologia Clínica Radical preconiza: quem deve ser transformada é a sociedade; não, o indivíduo.
A Sociologia nos mostra que em todo sistema social, o ser humano dispõe de um grau de liberdade, sabe o que pode atingir e que preço estará disposto a pagar para consegui-lo no plano social, principalmente em uma sociedade capitalista como a nossa, onde as pessoas se identificam com aquilo que possuem ou ostentam e o perfil social desses criminosos reforça a dificuldade de reintegração.
Como tais indivíduos se regenerarão, regidos no cárcere por um Direito Penal gerador de dificuldades, e, consequentemente, impossibilitado por conflitos repletos de desigualdades numa sociedade organizada em função da capacidade de possuir? Eis o atestado de moralidade dessa sociedade: a capacidade de adquirir coisas.
Rousseau critica a sociedade (Contrato Social) ao afirmar que a base social estava no interesse comum e no consentimento unânime dos homens em renunciar às suas vontades particulares em favor da coletividade. Sempre procurou desvendar a origem das desigualdades sociais e grande partidário de uma sociedade igualitária, cuja organização política tivesse uma base livre e contratual, quanto às conseqüências: “o homem perde através do Contrato Social sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que tenta e pode alcançar; o que vem a ganhar é a liberdade civil e a propriedade de tudo que passou”.
Enfim para a manutenção da harmonia na sociedade, o Estado impôs regras de conduta aos membros do grupo e previu sanções para aqueles que descumprissem as normas. E mais essa sociedade faz com que esses indivíduos se tornem vulneráveis às punições que lhes foram impostas face as transgressões das normas imposta por ela e segundo Zaffaroni, (1991, p.24)
As pessoas que caem na malhas da lei e são atingidas pelas penas nela previstas são pessoas vulneráveis a todo esse processo de criminalização vigente por força do sistema penal. São “pessoas deterioradas ”, são os oprimidos, a vulnerabilidade de personalidade dos condenados é a consciência de um estado deterioração de econômica, social e cultural, o que os coloca em situação de bons candidatos para a criminalização”.
Portanto, uma pessoa arruinada, corrompida, perde o direito fundamental humano: o direito de nascer para a sociedade e de crescer, dessa forma, os programas de ressocialização não deveria centrar no preso, mas sim na relação entre ele e o meio, entre ele e a sociedade, pois nessa relação pode-se compreender a sua conduta desviada.
Citando Baratta, (1990, p.141) que diz: reintegração social é todo um processo de abertura do cárcere para a sociedade e de abertura da sociedade para o cárcere e de tornar o cárcere cada vez menos cárcere, na qual a sociedade tem um compromisso, um papel ativo e fundamental.”
A reintegração social do preso se dará através da sua aproximação com essa sociedade, sem preconceitos, sem discriminação, onde o cárcere e a sociedade se encontrem de forma mútua. Esse processo de reintegração é um grande desafio, pois perpassa por todas as questões prisionais. O sistema defende a sociedade daqueles que praticam crime devendo então propiciar a autoreflexão do apenado, sua recuperação e a sua reinserção de forma produtiva, no convívio normal dos cidadãos (se assim são considerados), porém não cumpre o seu papel, pois na defesa da sociedade a prisão serve de base organizacional para o crime contra essa mesma sociedade, na recuperação do apenado não atende efetivamente, pois as falhas existentes, não preparam o preso para o seu retorno ao convívio social, sofrendo então, negativamente a esses processos, principalmente a falta de respeito a sua dignidade humana e consequentemente a sua volta seria difícil. Daí, Rolim, (2003, p. 9) declara: "Tendo o presente desafio pressupostos pela própria idéia de reintegração social, sustento que é possível revolucionar a instituição prisional se tivermos coragem para tanto, e, sobretudo, uma política definida. Seria preciso ver os internos e condenados, primeiramente, como seres humanos, e, portanto, como sujeitos portadores de direitos, reconhecendo o fenômeno da cidadania".
Como foi visto, reintegrar um individuo que sofreu o processo da “prisionização” e às suas conseqüências, passa a ser um processo doloroso, pois o aspecto negativo da vida no cárcere deixa marca, estigmatiza o apenado, que não mais se reconhece como cidadão, impossibilitando a reflexão de como pode proceder na sociedade para a sua nova integração, se o processo de ressocialização efetivamente não aconteceu.
(*)Valentina Luzia de Jesus é Pedagoga, com especialização em Psicopedagogia Clinica/Institucional e Gestão Educacional. Agente penitenciária com pós graduação em Gestão Prisional, além de estudante de Direito e gestora municipal de Ensino.