Política e Linguagem
I
"É sempre uma questão de provar o real através do imaginário, de provar a verdade pelo escândalo, de provar o trabalho por intermédio da greve, de provar o capital pela revolução" (BAUDRILLARD). Na esfera cultural, o que Baudrillard chama de simulacro, fragmenta os atos do indivíduo, constituindo e produzindo sua subjetividade no descentramento. Assim, o simulacro produz a crença de sujeitos descentrados, que se (re)fazem na medida que (re)fazem o mundo ao seu redor: é como se o mundo fosse uma “massa” móvel e fluída sempre adquirindo formas provisórias, dispostas a se enquadrar ao desejo autônomo do indivíduo. Mas, devido ao acúmulo de imagens e simulações, estes indivíduos são pobres em experiência. A vida simulada tomou conta da cultura: simulamos um jogo de futebol (videogame) ao invés de jogá-lo; assistimos um filme pornô ao invés de fazer sexo; queremos café sem cafeína, chocolate diet, etc. Como nos mostrou Adorno, Debord, Benjamin, e tantos outros teóricos, vivemos na sociedade dominada pela imagem, "a alucinação desestabilizada e estetizada da realidade" (BAUDRILLARD).
II
Para Debord, a expropriação das forças produtivas no capitalismo resulta na perda da comunicação direta entre os produtores. A expropriação da atividade autônoma no trabalho e a expropriação da linguagem comunicativa se refletem. Para ele, o capitalismo se caracteriza por uma mesma expropriação do diálogo e da atividade autônoma, condição e conseqüência da universalização de relações sociais mediadas pela lei do valor-de-troca. Para Adorno e Horkheimer, a Indústria Cultural dessubstancializa a linguagem devido aos desígnos da autoconservação. Assim, a linguagem é funcionalizada, servindo como mero instrumento, sendo despotencializada. A Indústria Cultural transforma a linguagem em um sistema de signos arbitrários, falsa identidade do universal com o particular.
III
Hannah Arendt considera que a idéia de política e da coisa pública surge pela primeira vez na pólis grega. Ela é o berço da democracia. E é nos gregos que Arendt busca seu conceito de política, em especial, em Aristóteles. Assim, a política tem como base a sociabilidade: organizar e regular o convívio dos diferentes. "A política, assim aprendemos, é algo como uma necessidade imperiosa para a vida humana e, na verdade, tanto para a vida do indivíduo maior para a sociedade. Como o homem não é autárquico, porém depende de outros em sua existência, precisa haver um provimento da vida relativo a todos, sem o qual não seria possível justamente o convívio. Tarefa e objetivo da política é a garantia da vida no sentido mais amplo" (ARENDT). Por isto, o fazer político está muito acima da política institucionalizada. Ela invade nosso cotidiano, como capacidade de diálogo e respeito (interação e consideração) diante da pluralidade. A maioria das nossas decisões são políticas, em sentindo amplo, por estarmos sempre fazendo escolhas sociais. A omissão significa abrir mão do poder (como potência ou como ato) para outros deliberarem por você. A linguagem é potencialmente importante, por ser o elemento mediador.
IV
No domínio da política, os simulacros da sociedade hipermoderna ganham grandes contornos. A política “simulou-se”. Os políticos abandonam por alguns instantes preconceitos mais íntimos, a publicidade esconde os seus defeitos e tenta transformá-lo num objeto ideal freudiano. A favela é visitada com eufuria, o discurso (dessubstancializado) apresenta um programa sem programa. O público, não é cego nem surdo, mas as vezes fica mudo, e até aplaude a "originalidade" do espetáculo. No campo da política não-institucional o deserto não é menor. O pragmatismo transforma a política em apatia. A linguagem é utilizada, em sua potência, para produzir discursos vazios, sem substância. O que vale é o rótulo. Signo arbitrário. Política sem política.
V
Após a derrocada da experiência houve vários deslocamentos no campo da linguagem. Ela, agora, almeja ser pura convencionalidade, por estar condição de instrumento para os desígnios da técnica, da publicidade, e do “capitalismo de marcas”. A linguagem, sem substância, têm no império do signo sua força. A força está na construção socio-histórica da palavra; na imagem, pouco dialetizada, constituída do símbolo sem substância. Na Política, a linguagem é o instrumento utilizado para tornar o discurso hegemônico. Os discursos são cuidadosamente construídos e estrategicamente defendidos.
VI
Os recentes acontecimentos no Equador, envolvendo policiais e o presidente, Rafael Correa, são sintomáticos. Nas redes virtuais vimos de IMEDIATO (reparem a falta de mediação, sem por isso achar que tudo precise ser mediado) um apoio inconteste para o presidente Correa. Pergunto-me, quantos de nós, que prestamos nossas solidariedades sabíamos alguma coisa sobre o que se passava no Equador. Efetivamente, praticamente nenhuma pessoa, ou pelo menos, quase ninguém, sabia do que estava falando. Mas a solidariedade parecia nas primeiras horas muito clara, afinal, eram duas instituições do aparelho coercitivo do Estado contra um presidente, que sempre imaginávamos ser da mais digna “esquerda”. A associação da palavra foi imediata. Poderiamos até desenhar num quadro um esquema simplista: Presidente de Esquerda e Popular x Forças consevadoras da polícia e do exército. Mas, o que não imaginávamos, e não sei ainda se a maioria das pessoas fizeram este esforço de reflexão, era que a situação era bem mais complexa. Correa vinha sendo acusado a tempos pelos movimentos indígenas e por setores trabalhadores e populares por não respeitar seus direitos, as razões que o levaram a isso são as de sempre. Este era um dado que não imaginávamos. No nosso imaginário, Correa estava identificado como um presidente de esquerda, que se aliou a Chávez, Evo e Cuba. E o nosso sentimento não-sectário exigia a imediata solidariedade, mesmo que acriticamente. Acontece que ao tomar conhecimento de alguns poucos fatos, logo, vimos nossa simplista e pouca dialética identificação do signo “Correa” cair. Policiais e tropas protestavam contra a perda de direitos trabalhistas, e outras categorias ja tinham feito o mesmo dias antes. Obviamente, a direita utilizou-se deste fato, e também é claro que as forças policiais e do exército que tentaram uma rebelião não eram pessoas comprometidas com mudanças profundas à esquerda do presidente. Mas, não se pode deixar de levar em conta o cárater sindical da manifestação. E o mais importante: a tentação pelo imediato, ou seja, que na maioria dos casos nos deixamos levar por uma identidade corroída, que esconde mais do que revela. Essa maneira pouco crítica de tratar nossos problemas, baseada em rótulos imediatos e pouco refletidos, têm levado à esquerda a fanatismos. Adorno e Horkheimer recomendavam que era dever do pensamento dialético devolver substancialidade à linguagem. Nesse sentido, a linguagem é "entendida como espaço de recuperação do sujeito como ser histórico, social e cultural" (SOLANGE JOBIM).
VII
Em épocas de eleições é hora de falar (para inflamar) com os militantes, a alta cúpula petista, que de noite, em leilões de ternos presidenciais, festeja com Eike Batista, convoca sua militância de esquerda para atacar a “mídia golpista”, a “direitona neoliberal e conservadora”, e a “esquerda udenista que faz o jogo da direita”. Os bordões são conhecidos. Mas pouco refletidos. Pouco importa o passado. O desprezo pela memória é sintomático. Se Joaquim Francisco, Renan Calheiros, José Sarney, foram conservadores um dia, o que importa hoje é que “eles estão do nosso lado”. A esquerda petista antenada com o pensamento dialético não sistemático, reflete sobre essas identidades, assim, reflete sobre a própria condição do partido. Quem é detentor do poder da palavra? Quem produz o discurso? A quem interessa a hegemonia do discurso?