Eleições à José Saramago e o fenômeno Tiririca
Em seu romance Ensaio sobre a lucidez, José Saramago narra um fato ocorrido em uma cidade fictícia em plenas eleições. O dia dos eleitores manifestarem seu voto nas urnas transcorreu normalmente, até que no momento da apuração constatou-se que; mais de 80% da população votara em branco, evidenciando assim a escolha por nenhum dos governantes que estavam à disposição.
No decorrer da trama, o governo tenta a todo o momento justificar o ocorrido defendendo que estavam diante de um golpe. Entretanto não havia o menor indicio de grupos subversivos incitando tal golpe, nem sequer comentários da população sobre o ocorrido. É estabelecida uma nova eleição, porém o resultando é o mesmo. Não tendo mais como se justificar, e pela forma de governo a vigorar ser uma democracia onde a maioria decide, o governo deixa a cidade para que esta se autogoverne, sem polícia, hospitais, escolas. Somente a população.
Com a ausência do governo, incrivelmente na cidade não ocorrem roubos, confusões coletivas, nada daquilo que os chefes de estado previam que fosse ocorrer por não estarem mais no controle. Agora a cegueira, ou melhor, lucidez branca coloca a população livre da exploração por parte daqueles que agora estão longe.
Saramago busca através deste romance fazer com que a população levante da inércia na qual se encontra e perceba que é possível mudar o quadro político por mais lastimável que seja. É certo que no livro optou-se por governo nenhum, mas isso porque o autor não viveu o bastante para ver o fenômeno Tiririca. Fica a questão: essa é uma forma de protesto lúcida, onde também não se está satisfeito com nenhum candidato, chegando ao ponto de eleger um candidato que não sabe nem que função desempenhará, ou isso prova de uma vez por todas que o povo não tem o menos discernimento?
Um ótimo comediante não deve ser visto necessariamente como um político promissor. Uma grande característica dos humoristas é fazer graça até mesmo em momentos críticos. Fará Tiririca piadas diante dos anseios da população? Podem até surgir risos, mas logo viram o silêncio e provavelmente o arrependimento por ter feito tão mau uso de um direito duramente conquistado que é o voto.
Será realmente uma forma de protesto, eleger Tiririca? A obra de Saramago é fictícia, no entanto a nossa realidade é fato. Ela leva-nos a pensar como o nosso eleito: “pior do que está não fica!”. Tenho minhas dúvidas.