Reformulação discursiva da Ética Kantiana através da Ética do Discurso de Habermas
1.Introdução
A preocupação evidente que os primeiros filósofos tinham referente à ética, surgira do seu próprio cotidiano em suas ações diante da natureza e dos outros, o que até então se evidenciava pela busca da arché. Assim, conhecer o fundamento era pré-requisito para se construir uma legitimidade para o agir do homem. A reflexão voltada ao próprio homem deixava claro que eram as atitudes dele de forma geral orientadas pela consciência, ou seja, aquilo o qual ele entendia como fundamento de uma existência boa. Logo, para ser boa e considerada moral uma ação, o agente desta deveria ter consciência do que era bom e mau, pois a boa ação neste contexto seria aquela que estivesse de acordo com o modelo de uma comunidade ou de um grupo que até então se baseava na idéia do fundamento essencial de sua própria existência. Agindo em conformidade ao modelo grupal o sujeito estaria assim, inserido na idéia de bem ou de bom. Em contrapartida, toda e qualquer ação que levasse determinado sujeito a distanciar-se deste modelo de ação teria então, o seu agir classificado como algo inadequado tido logo como “mal”.
“Daqui a possibilidade para a ação, dentro do fato fundamental que é a própria comunidade ética, de se qualificar eticamente como má ou em oposição à lei”. (VAZ, 1998. p.18)
Com a análise destas práticas e noção do que era bem ou mal, é que emerge então a Ética, sendo ela a discussão da moral e um dos principais debates dentro da esfera filosófica atualmente. Segundo Manfredo de Oliveira •, a ética nasce como um movimento da própria filosofia e tem seu inicio na Grécia, pois é exatamente na polis que o ambiente de discussão vai propiciar debates acerca das práticas coletivas e individuais e toda sua legitimidade.
“É este cuidado do homem consigo, que se explicita numa práxis, que se deixa fundamentar e questionar pelo logos, que propriamente constitui o nascimento do ocidente enquanto processo civilizatório”. (OLIVEIRA, 1993, p.15)
Com isto, historicamente a ética constitui-se como campo de reflexão das práticas, em que as mais variadas filosofias fizeram suas análises por meio de distintos paradigmas que são determinados pelo fundamento que trazem consigo. Impreterivelmente, estes variados sistemas filosóficos postularam as éticas de forma distintas, ou seja, criaram diferentes concepções éticas.•.
Na filosofia clássica a moral tem como marca a vinculação da ação a princípios de ordem externa, tidos como padrões de conduta sendo elementos que eram justificados numa realidade exterior aos seres humanos. Havia certa ênfase nas questões da vida moral em geral, por exemplo; em Aristóteles enfatizava-se a “vida boa”, a “felicidade” ou então na idade média, o “bem comum” para Tomás de Aquino. A modernidade, por sua vez, fundamentará as suas diversas formulações éticas no próprio homem. Esta, com seus ideais de valorização do homem que então possuíra o conhecimento em várias esferas de seu domínio, está na tentativa também de superação de resquícios sobrenaturais do passado. Pois agora, não será mais a comunidade ou a coletividade, nem também a instituição religiosa que postulará critérios de definição de bem ou mal, mas sim estará atribuída ao próprio indivíduo a tarefa de ser essência emergente de tal definição. Mais precisamente com o advento do Renascimento, as concepções teológico-religiosas e todas as cosmovisões do grande período medieval aos poucos começaram a perder terreno, dando-se ênfase então a racionalidade. Assim, três esferas preponderantes então passaram a ser sustentadas por esta racionalidade sendo elas: a ciência, a moral e a estética.
No período renascentista, ocorre uma imensa ruptura com o passado e não se aceita o que este traz em propostas, ou seja, o rompimento com laços do período clássico e medieval são evidentes, pois agora o homem autonomamente é senhor de si. Pois a modernidade apresenta uma tendência geral de valorização do homem, que além da sua racionalidade, há possibilidade a partir dela de uma realidade material menos depreciativa do que a tradição de outrora. A busca do homem pela sua independência contra toda “restrição” religiosa é evidente, e com isto, tem-se inúmeros pensadores e artistas que tiveram seu destaque no presente período, no campo da arte-música e filosofia. Também uma nova forma de encarar o mundo sensível apresenta-se como uma das estratégias de afirmação do sujeito, tendo uma nova ótica acerca da matéria que até então era desprezada. Segundo A.Vasquez; “O homem adquire um valor pessoal, não só como ser espiritual, mas também com ser corpóreo sensível...” (1980, p.54).
Immanuel Kant inserido neste contexto percebe então o desejo dos homens por autonomia, realiza então no campo ético, sua proposta moral que também terá por base a razão. E, como o homem deste período queria realmente esta autonomia logo, a responsabilidade das ações deveria ser assumida também por ele. Na sua obra, Fundamentação da Metafísica dos Costumes o pensador de Königsberg expõe seu ideal de moral a ser refletido como paradigma para os seres racionais, e também em caráter prático em outra obra chamada Critica da Razão Prática. Kant coerentemente em sua proposta moral entrega ao homem toda a responsabilidade do agir, já que este de certa forma queria superar os sistemas clássicos e medievais religiosos.
Ele não nega, porém enfatiza que (1960.p.33): “tudo na natureza age segundo leis” e estas leis são necessárias e causais. Já o ser racional age segundo a representação das leis segundo princípios, pois é possuidor de uma vontade. E para que ele aja em obediência à lei é necessário haver razão, ao ponto que a vontade sendo determinada por esta razão, tendo em vista que as ações além de objetivas são também subjetivas e necessárias, pois a vontade nada mais é do que a capacidade de escolher o que é permitido exatamente pela razão independente de inclinações. Nas palavras de Kant. (2002. P.34):
“A regra prática é sempre um produto da razão, por que ela prescreve como visada a ação enquanto meio para um efeito. Mas para um ente cuja razão não é total e exclusivamente o fundamento determinante da vontade, essa regra constitui um imperativo, isto é, uma regra que é caracterizada por um dever ser, o qual expressa a necessidade objetiva da ação e significa que, inevitavelmente segundo essa regra. Portanto os imperativos valem objetivamente e diferem totalmente das máximas, enquanto proposições fundamentais subjetivas. Mas aqueles ou determinam as condições da causalidade do ente racional enquanto causa operante, simplesmente com vistas ao efeito e ao que é suficiente para mesmo, ou determinam somente à vontade, quer seja suficiente ou não para o efeito”.
O princípio é o que obriga a vontade a agir retamente e esse princípio se chama imperativo, que se manifesta através do verbo dever . O imperativo diz o que é bom e determina a vontade através da razão, ou seja, a vontade é constrangida por ela a obedecer este imperativo. Assim podem-se distinguir duas classes de imperativos, os hipotéticos e os categóricos. O primeiro imperativo é o que visa algum beneficio e por isto a ação deve ser tida em função dele, isto é, contém em seu enunciado uma condição para alcançar um fim, que em si mesmo não é obrigatório, pois se queres X deve fazer Y em outras palavras, se não quer a punição, não mate. (grifo nosso). Já os categóricos exigem que o ser racional aja por dever desinteressadamente, isto é, sem visar fim algum ou beneficio algum a si próprio, sendo que sua ação será tão somente coagida por sua consciência de ser autônomo e racional. Logo, suas ações deverão ser universalizadas e este ser e autor destas ações deve querer que suas ações sejam transformadas em leis universais.
O imperativo por então aparecer como princípio e não apenas como simples efeito inspirará respeito, pois a vontade é objeto de respeito e em razão disto fica claro que o exterior não determinará a vontade e nem o material definirá as leis morais, porque a lei moral não possui condicionamento externo proveniente de experiência alguma. Deste modo, a lei universal das ações será: “Devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal.” (KANT. 1960.p.33) Com isto entende-se que o princípio que determina a vontade deve ser universal e não pode possuir contingência, pois será obra da razão, logo, a máxima se submeterá a esta lei universal. O imperativo diz o que é bom e determina a vontade através da razão, ou seja, a vontade é constrangida por ela a obedecer este imperativo. Logo, suas ações deverão ser universalizadas e este ser e autor destas ações deve querer que suas ações sejam transformadas em leis universais.
Os imperativos categóricos são fins em si mesmos e operam como um princípio prático constituindo assim o verdadeiro imperativo da moralidade. Destarte, este imperativo é o único que mostrará a ação como objetivamente necessária por si, e não possuidora de outra finalidade e não como um simples meio para se atingir um fim, constituindo-se assim como um principio prático. Cabe neste momento retomar o exemplo daquele sujeito que faz a promessa quando se encontra em apuros, mas sabendo que não poderá cumpri-la, e assim questiona-se sobre a possibilidade de transformar em lei universal esta promessa que já possui uma intenção negativa. Tendo em vista que o imperativo categórico deve valer formalmente e universalmente o indivíduo então deve desejar que sua ação torne-se lei universal, desta forma a universalidade que permitisse cada um prometer o que intencionalmente não cumpriria tornaria impossível esta promessa de ser universalizada, pois se contradiria. Portanto, estes atos não podem ser universalizados, só podem servir como base de imperativos hipotéticos e jamais categóricos. Este exemplo utilizado deixa evidente a formalidade do imperativo categórico ao mesmo tempo demonstra a contradição existente de quem não orienta a sua máxima pela lei universal.
É objetivo de Kant que o imperativo seja vivido pelos indivíduos para assim as ações serem praticadas retamente e que também sirva de orientação para a vida. Neste sentido, Kant apresentará a fórmula deste imperativo que rege a ação moral, porém, faz-se necessário saber sobre a possibilidade de existência desse imperativo.
Contudo, a possibilidade de uma lei moral a priori deverá ser um princípio que livre de toda contingência, também livre de fundamentações empíricas o que Kant considera não somente fatores inúteis, mas também altamente prejudicial à própria pureza dos costumes, e assim ele coloca a seguinte questão: “É ou não é uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar sempre as suas ações por máximas tais que eles possam querer que devam servir de leis universais?” (KANT. 1960.p.66)
Assim, pretensão é demonstrar que na filosofia prática o importante é determinar o que deve acontecer e isto com relação da vontade determinada somente pela razão. A vontade determinará ao ser racional a agir em conformidade com a representação de determinadas leis, pois a lei moral é independente de toda e qualquer experiência e, consequentemente, à boa vontade ela mesma se autodetermina não recorrendo à móbil empírico algum não levando em consideração os sentimentos resultantes da ação. Deve-se levar em conta que o homem enquanto pessoa existe como fim em si mesmo, desta forma, sempre deverá ser um fim e nunca como meio, justamente isto que estabelecerá a distinção entre o homem enquanto racional e os seres irracionais, pois: “A natureza racional existe como um fim em si.” (KANT. 1960.p.69) Neste sentido, o homem possui dignidade por se encontrar na condição humana e enquanto humano respeitará seu semelhante nunca o considerando também como meio, e sim como fim em si mesmo. Noutras palavras, depois de feita a análise do conceito de um ser racional, Kant analisa também a sua existência: o ser racional existe como fim em si, com um valor absoluto, e não relativo (meio para outros fins), do que se deduz a segunda formulação do imperativo categórico: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” (KANT. 1960.p.69. grifo do autor).
Com isto o homem deverá ser tratado sempre como fim em si mesmo e consequentemente ele será o autor de sua própria lei, pois somente um ser racional se subordinará a lei que ele próprio regerá e assim porá um fim para si mesmo.
“Eis o que Kant chama de princípio da autonomia da vontade. Ele faculta compreender por que a nossa obediência à lei se funda na busca de um interesse qualquer é obedecermos à lei porque somos nós mesmos que nos damos à lei”. (PASCAL, 2005. P.120)
No pensar kantiano que é extremamente coerente ao seu tempo, emerge então um refletir acerca desta moral como proposta de autonomia ou emancipação do homem no que tange a sua ação prática. A universidade da razão prática assenta numa racionalidade previamente partilhada, inscrita na constituição humana, portanto, que não pode ser fruto de uma anuência contingente. Seguir a razão é a única forma possível de liberdade. A razão prescreve um campo de atuação, o espaço da liberdade, pois o homem só é livre quando segue a razão e por isso não há outra opção senão cumprir a lei moral. Isto é, Kant pensa o homem como um ser realmente autônomo capaz de fazer imposições a si mesmo, pois nem Deus, nem a natureza, menos ainda as outras pessoas poderão determinar seu agir moral. Assim, Kant recusa que a ética seja heterônoma e também a interpretação bíblico-teológica acerca da vontade tirânica de Deus agindo sobre o homem. Pois, “a moralidade radica na liberdade, que se auto-legisla e que, independentemente de determinações estranhas, é libertação racional da vontade”
De fato, o homem se diferencia de todos os outros seres por meio da capacidade de escolha racional de suas ações e se por ventura, Deus, a natureza, ou então as outras pessoas lhe impetram requisitos para ações morais contra nossa vontade, logo, ficará comprometida nossa liberdade. E, ainda que as decisões fossem somente impostas aos seres racionais, estes por sua vez estariam isentos de toda e qualquer responsabilidade das ações praticadas. Neste sentido, segundo o pensamento kantiano, a condição fundamental para a ação moral é a autonomia, que nada mais é do que a capacidade que cada ser racional possui de impor restrições morais a si.
Assim, fica notório que Kant forneceu uma bela concepção acerca da idéia de autonomia. Com a idéia de liberdade, estar na moral kantiana assegurada à dignidade humana, uma vez que os seres racionais não deverão obedecer a nenhuma outra lei a não ser aquele que ele mesmo se dá. Neste sentido, esta lei não permitirá nenhum ser racional tratar o outro como mero meio. “Age de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua pessoa, como na de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio” (KANT. 1960.p.69. grifo do autor)
Todavia, todo este ideal moral kantiano sofre sem dúvida nenhuma, severas criticas de grandes pensadores posteriores como, por exemplo; Friedrich Hegel e Friedrich Nietzsche.
Pode-se dizer que foi Friedrich Hegel quem fez a primeira grande crítica a moral kantiana.
A crítica de Hegel a Kant ocorre quanto à formalidade do sistema moral kantiano, pois em sua concepção, o imperativo categórico exige que haja abstração dos conteúdos particulares das máximas de dever e conduta, pois para ele a filosofia não pode ser abordada de forma exterior ou através de momentos abstratos. Além disso, Hegel percebe que o universalismo abstrato da ética kantiana exige que no imperativo categórico seja separado o geral do particular, isto é, os juízos válidos tornam-se indiferente diante da particularidade. Ou seja, para Hegel na moralidade kantiana há uma dicotomia clara entre a ética formal e as situações concretas, além de que esta ética nos leva a impotência do mero dever, pois separa Dever e Ser. Logo, para Hegel o imperativo categórico não pode ser tido como principio que informe como as perspectivas morais possam resultar em prática de fato, pois na sua concepção o simples “dever pelo dever” é uma noção extremamente abstrata, é sem dúvida importante, mas, ainda é insuficiente para determinar o agir que acaba exigindo um fim determinado.
O dever incondicionado por causa da sua imediatez não contém como já visto a determinação da vontade particular, mas, só a determinação da identidade, porém, sem conteúdo. Neste sentido diz Hegel:
“É de ressaltar que autodeterminação da vontade é a raiz do dever. Por seu intermédio o conhecimento da vontade alcançou na filosofia kantiana, pela primeira vez, um fundamento e um ponto de partida firme com o pensamento de autonomia infinita. Mas na mesma medida, o permanecer no mero ponto de vista moral, sem passar do conceito de eticidade converte aquele mérito em um vazio formalismo e a ciência moral em uma retórica acerca do dever pelo dever mesmo.” (HEGEL. 1975.p.166)
Logo, para Hegel só há possibilidade de conhecer o meu dever e o que deve fazer em contextos concretos.
Mas, sobretudo o crítico de Kant mais contemporâneo que é Friedrich Nietzsche, não economizou palavras para criticar não somente a moral kantiana, mas sim a todo o sistema filosófico existente até então. Mas quanto a Kant e sua moral, Nietzsche através de um trabalho genealógico, em que busca as origens da moral tradicional, concebe este pensar como elevação da razão iniciada pela tradição socrática. Em realidade, Nietzsche não focou sua critica a um único pensador, mas a todo um sistema ético, mas tece com maior ênfase suas críticas a noção de valor estabelecida pela tradição ocidental.
No entanto, para este pensador a moral de Kant tenta sustentar o argumento da autonomia contra qualquer força ou tutela com a conclusão de uma “suposta” razão poderosíssima. Com isto, espera-se que o indivíduo alcance a maioridade e a liberdade, iludindo-se de ter realmente se “libertado” do dogmatismo metafísico da tradição. Sendo que isto para Nietzsche está longe de promover o humano e sim, a exaltação apenas de uma de suas extensões seria tão somente negar o humano. E, negar instintos, desejos e inclinações seria negar a vida. Ao exigir sublimação dos desejos e pulsões humanas e supervalorizar a sua razão, Kant acaba reduzindo o homem somente á razão, o que está longe de ser o único aspecto que institui o próprio homem.
“E não poderíamos acrescentar que no fundo esse mundo jamais perdeu inteiramente um certo odor de sangue e tortura? Nem mesmo o velho Kant: o imperativo categórico cheira a crueldade. Foi igualmente aí que pela primeira vez se efetuou este sinistro, talvez indissolúvel entrelaçamento de idéias, culpa e sofrimento”.(NIETZSCHE.1998.p.55 grifo do autor)
Na obra Genealogia da Moral, é onde Nietzsche desferiu criticas a legislação kantiana dos valores morais trabalhados por ele, procurando assim, desfazer qualquer possibilidade de fundamentação transcendental dos valores, o que quebra a espinha dorsal do sistema kantiano. De fato a crítica de Nietzsche é tida como “demolidora” e alimenta uma corrente de filósofos que produzirão posteriormente reflexões no campo ético no século XX, suscitando sintomas consideráveis para a contemporaneidade, justamente a implosão interna o qual ele se referia que podemos verificar atualmente.
Em realidade, tanto Hegel quanto Nietzsche criticou veementemente o projeto moral kantiano e seu imperativo categórico, que por ele fora refletido como fundamental ao ser racional enquanto ser autônomo e fim em si mesmo. Estas críticas refletem na atualidade, onde, nos grandes centros de filosofia há certo repúdio à proposta moral elaborada pelo pensador de Königsberg, exatamente pelas grandes críticas sofridas. Contudo, é necessário lembrar que esta moralidade uma vez ou outra é relembrada por muitos, mas que caíra no descrédito de tantos outros devido à suposta “demolição” que sofrera dos contemporâneos. Assim, ficam as indagações:
 Frente a esta avalanche de atos desprovidos de princípios que são evidenciados na realidade dia à dia proposta moral kantiana ainda seria algo do passado e inviável ou podemos repensá-la para hoje num outro viés?
 Seria interessante pensar a proposta de Kant atualmente de outra maneira? Ou não? Se for possível, como seria?
2. Reformulação discursiva de Habermas.
A resposta a estas e outras questões se dará no desenvolver do pensamento atual de Jürgen Habermas. Pois depois da breve exposição acerca da formulação da moral de Kant, e as propensas e ferrenhas criticas ocorrida após, cabe pensar agora se há possibilidade de refletir aquela moral atualmente, se há como olhá-la num outro viés que seja então pertinente com a atualidade. Seria isto possível? A resposta é provinda do pensar ético elaborado pelo contemporâneo Jürgem Habermas.
Pois, quando se olha para a atualidade, vê-se um mundo contemporâneo que é resultado de grandes transformações do conhecimento, e que a cada dia coloca a humanidade diante de uma situação paradoxal. A necessidade que há atualmente de uma ética universal/obrigatória para toda a humanidade deixa-nos inquietos, nos faz parar e pensar como e de que forma refletiremos acerca de tal ética propicia ao nosso tempo. De fato a sociedade humana hodierna, possui uma geração resultante de avanços técnico-científico que vive uma falta de ética considerável, pois, de um lado se tem um grande descrédito nas propostas éticas que outrora foram formuladas, que se tornou fruto de chacota e ironias dos “pós-modernos”. De outro lado, surge à tarefa de fundamentar racionalmente uma ética de caráter universal pela filosofia, tarefa esta das mais difíceis. A falta de perspectiva desta sociedade ocidental é fruto também da descrença no projeto iluminista, o que tornou esta uma sociedade mergulhada na crise, sendo uma crise de perda de confiança em si mesma, fruto de um racionalismo irracional, isto é, a racionalidade que predomina é a técnica-instrumental em detrimento das áreas humanas, pois investir-se em tecnologia é mais rentável do que refletir acerca da vida e “condutas humanas”.
Em meio a estas crises, num ambiente totalmente propicio Jürgen Habermas aparece com a proposta de mudança de paradigmas, e apresenta sua teoria moral através da ética do discurso. Esta ética discursiva de Habermas amplia então os parâmetros da teoria moral kantiana. Como advindo da geração de Frankfurt, este atual pensador não dispensa suas críticas a modernidade e a instrumentalização da razão, alienação das massas e grandiosa exaltação da técnica alienante. Habermas, longe da aprovação de um “desejoso” e “empolgante” desenvolvimento pós-iluminista, acredita, porém em sua continuidade, ou seja, numa releitura deste de forma profunda e ao mesmo tempo universal. São várias as abordagens éticas que se inscrevem na tradição kantiana na atualidade, dentre as quais estão a de; Kurt Baier, Marcus Georg Singer, John Rawls,Paul Lorenzen,Ernst Tugendhat e Karl-Otto Apel,embora não tenham ainda sido desenvolvidas de maneira mais detalhada. Destarte, consideram a ética do discurso como a “abordagem mais promissora da atualidade” por isso a desenvolvem, porém, divergindo em alguns critérios procedimentais de fundamentação. Certamente foi Karl-Otto Apel o primeiro a formular a Ética do Discurso ao lançar em 1973 o seu “A priori da Comunidade de Comunicação ”, mostrando que se deve partir da constatação de que todo indivíduo enquanto falante de uma língua, pertence necessariamente à uma comunidade de comunicação.
Habermas por sua vez, propôs o principio ideal de fala como via que possibilita a comunidade de comunicação, de modo que os sujeitos ao assumirem implicitamente a validade desses princípios se comprometam a segui-lo. Por isso, quando os sujeitos usam a linguagem para se comunicarem entre si, se envolvem num compromisso ético.
A ética do discurso leva em conta a tradição ética do iluminismo, principalmente a tradição kantiana. Habermas defende que normas morais podem ser fundamentadas racionalmente e por isso, possuem teor cognitivo. Mesmo com o pensamento apeliano surgido anteriormente, é na versão de Habermas que se concentrará o estudo. Tendo ele sempre a consciência de que sua versão é uma tentativa de esboço, sendo que a ética discursiva constitui um projeto ainda não concluído, pois é uma construção em vias de realização.
Quanto à moral de Kant, Habermas não ignora de forma alguma as críticas realizadas a ela e as leva em consideração, fato que lhe faz repensá-la de forma atual ao seu contexto. No entanto, não há como negar que ele herda a razão prática kantiana e percebe que a moral/ética ainda possui as mesmas especificidades que foram apontadas por Kant. Ele percebe que o imperativo categórico kantiano é insuficiente para fundamentar e justificar juízos morais, pois mesmo colocando em jogo a noção de humanidade elegem normas que só atuará internamente em cada indivíduo.
“É mais provável que Kant tenha errado no encurtamento individualista de um conceito de autonomia de cunho intersubjetivo do que em uma distinção insuficiente entre os questionamentos ético e pragmático”. (HABERMAS. 2007.p.48)
Habermas é ciente do grande preço pago por Kant em estabelecer um conceito de moral autônoma pós-metafísica, e analisará este conceito de forma propícia voltada à atualidade. Neste sentido, ele trabalha em caráter reformulante o conceito moral de Kant no âmbito do discurso.
Por isto, é necessário realmente repensar esta moral, a tal modo que ela seja tida como uma proposta coerente para atualidade, levando em consideração as peculiaridades existentes nos seres humanos. É justamente aí, que o trabalho se voltará a Jürgem Habermas, que reformula a ética de Kant e a tornará propícia através do discurso, algo interessante a ser pensado hoje. Neste sentido, este breve trabalho deixa aberto para reflexão de formular-se uma obra sobre o pensamento ético de Habermas para a contemporaneidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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___________________. Notas pragmáticas para a fundamentação de uma Ética do Discurso “In.Consciência Moral e Agir Comunicativo.Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro,2003.
HEGEL, George Wilhelm Friedrich - Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. Lisboa: Guimarães Editores, 1990.
KANT, Immanuel. Critica da Razão Prática. São Paulo. Martins Fontes, 2002.
¬_______________. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70,1960.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 2003.
OLIVEIRA, Manfredo de.Racionalidade Moderna.São Paulo:Edições Loyola,1993.
__________________________Ética e sociabilidade.São Paulo:Loyola,1993.
VASQUÉZ, A. Ética. São Paulo: Edições Loyola, 1980.