ÉTICA NO SETOR PÚBLICO TOCANTINENSE
Você é, aqui e agora, o que você faz.
André Comte-Sponville
O que os tocantinenses testemunhamos, em tão pouco tempo, no que toca a coisa pública, é revoltante. Indignação consciente, portanto, há de ser nossa postura.
Não existe esfera do estado isenta do pior tipo de terror: a corrupção. Rigor moral parece flanar bem longe de certos cidadãos, inclusive, de alguns pagos para vigilância do mesmo. Os perfumes importados de dados servidores, com toda produção de honestidade e virtude, não passam de odores podres de pequis pútridos.
Um termo podemos aplicar a esse quadro: dissimulação. Diante de indícios e provas, o acusado não titubeia: “que mal fiz eu”? O rosário de deslizes, chantagens e extorsões é naturalizado num repetir constante, cínico, que inveja causaria a Mirabeau, Brissot e Barère. Óculos, bicicletas, sentenças, computadores, livros didáticos, pedofilia, concursos etc. Tudo, amigo, pode se explicar, se a inteligência for acocorada.
Uma espécie sarcástica de ateísmo moral fundamenta práticas dilapidadoras que se renovam e inovam a perder de vista. À semelhança de Giges, os anéis do poder revelam as verdades. Na pele de pastor, habita, sim, a canalhice e um moralismo à André Comte-Sponville. O espetáculo não é tão invisível. No dizer do mestre, essa gente até se encontra em regra com a sociedade; o diabo é que não há moral, ou seja, a grande exigência é a regra consigo mesmo.
Para além de preceitos constitucionais, legais e prescritivos de todo gênero, como seres racionais, nossa consciência carrega princípios morais constitutivos de nossa identidade. O segredo, podemos dizer, consiste no motivo gerador da ação. De modo que, ante a esse sistema de valores destrutivos, o imperativo categórico kantiano nos serve como paradigma. Não basta temer proibições, afinal, quem só viva para si, adverte Comte-Sponville, que importa o universal?
A ética pública outra coisa não pode ser senão humana no que ela tem de inteligência. Ora, somos convocados a entender, pensar e interpretar o mundo. Agir bem fazendo o menor mal é tão intolerável quanto proceder por medo. Ou a moral é necessária ou esbarramos num tipo de “imperativo hipotético” profundamente contingencial. Não importa o querer, se queres x, então faças y. A lição do mestre de konigsberg é válida: a essência da lei moral é o dever. Destarte, o que acontece se todos agirem assim? O princípio subjuntivo kantiano é incontestável: “Aja somente sempre segundo uma máxima que você possa querer que se torne uma lei universal da natureza”.
Essas profanações do público são ecos de virtudes enviesadas denegatórias de nosso processo civilizacional. Legitimam a barbárie, mandando às favas dignidade, respeito, temor e dever. A ética pública ideal tem como balança e bússola o agir consciente, sem nada temer, nada mais esperando por ela, salvo o dever.
Resgatemos, enfim, o humano. Se for o caso, punamos, com cadeia, corruptores e corruptos. Até quando abusarão de nós com essa pobreza moral? Até quando engoliremos que não há receitas na construção de um mundo moral? A superação dessas condições patogênicas, sem dúvida, passa pela vontade política também. Afinal, Ser moral não nasce do nada, ele é fruto de uma sociedade que luta, amiúde, neste sentido. No mais, estou com Montaigne: “Não há nada mais belo e legítimo do que fazer bem o homem, e devidamente”.