A FARSA DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Certa feita um professor nos disse que estudar as leis de um país não faz com que o enxerguemos como ele de fato é.

Como assim?

É isso mesmo. Ler a Constituição da República Federativa do Brasil não é o mesmo que olhar para um retrato desta nação. As leis que estão escritas na constituição são isso: palavras retoricamente colocadas ali com finalidade de organizar um Estado.

Como dizem alguns manuais de direito, as leis são um dever-ser. Isso quer dizer que não são o que devem ser. O professor nos pediu para que estudássemos uma forma de Estado que poderia ser qualquer uma, tanto do passado como do presente.

Pensamos então no que seria mais excitante e proveitoso do que estudar o Estado brasileiro de nossos dias?

Então vamos saber exatamente o que é isso, o Estado brasileiro da atualidade?

O ESTADO BRASILEIRO. SETEMBRO DE 2010

Ficamos sabendo, por uma dica do mesmo professor, que havia um filme chamado: Capitalismo; uma história de amor, do cineasta norte-americano Michael Moore. Então fomos assistir ao filme para saber como a tal história de amor se desenrolava.

Logo de cara, o filme começa fazendo um paralelo entre os Estados Unidos da atualidade e a Roma antiga. O cineasta quis mostrar que muitas práticas utilizadas no império romano são hoje muito usadas pelo estadunidense.

Salta imediatamente aos olhos a política do panis et circenses romana e seu largo emprego até os nossos dias. Assim como os antigos romanos, somos iludidos por um pouco de pão e por uma overdose de espetáculo.

Para isso basta olhar o quanto se desperdiça tempo assistindo televisão, e pior, de forma acrítica, aceitando e tomando como valores pessoais as ideias difundidas irrefletidamente por nossas maravilhosas celebridades.

O filme, feito em 2009, quer mostrar os malefícios que o capitalismo tem provocado nos Estados Unidos e no Mundo. E o cineasta consegue convencer.

Pelo menos nós estamos convencidos de que o capitalismo é um sistema autofágico, como disse Chris Hughes, ele tem necessidade de sempre mais, sempre mais, numa fome de recursos sem precedentes. Contudo, há o pequeno problema destes recursos serem esgotáveis.

Ou seja, o exaurimento dos recursos da Terra está iminente.

E fora a questão ambiental que é a mais grave de todas, e entre tantos outros absurdos produzidos por este sistema econômico nefasto, outro “ponto alto” do filme é o memorando do Citybank que este redigiu aos seus clientes afirmando que os Estados Unidos é uma plutocracia.

Plutocracia? O que é isso? Tem haver com o cachorro do Walt Disney?

Não! Plutocracia é o governo exercido pelos mais ricos, é o poder da riqueza que governa.

Então a tão propagada democracia norte-americana é uma farsa?

Sim, a democracia estadunidense cantada em verso e prosa pelos seus maravilhosos artistas; que inclusive é artigo de exportação e que os seus defensores querem espalhar por todo o mundo, mesmo que todo o mundo não a queira, é um recurso retórico utilizado para ludibriar esse país de caipiras.

Caipiras!

Os nossos pobres brothers lá do norte são chamados assim pelas suas tão importantes empresas. Caipiras!

Aliás, há no filme uma comparação interessante. Dizem que os pobres norte-americanos são como os burros que tem uma cenoura em sua frente. Ou seja, suportam a imoralidade da riqueza de pouquíssimos, os plutocratas, porque acreditam que um dia vão alcançar a “cenoura”.

Ora, então se a democracia norte-americana é uma farsa a nossa democracia brasileira pode também ser uma farsa?

Há quem diga que não existe democracia no Brasil.

É o caso do professor J. Vasconcelos em seu livro “Democracia Pura”. O professor Vasconcelos não vai tão longe quanto os americanos que dizem viver numa plutocracia; diz ele que vivemos numa oligarquia moderada.

Oligarquia é o governo de poucos.

E se refletirmos um pouco, nós da plebe brasileira, de fato temos pouca ou nenhuma participação nas instâncias de poder. O que é participar de um governo apenas uma vez a cada dois anos com um voto?

Uma manifestação de vontade de que alguém nos represente, quando não há de fato como esse alguém efetivamente nos representar.

Temos poder de voz dentro das Câmaras brasileiras? Poder de vocalização de nossos interesses, como diz o professor?

NÃO!

O poder tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil é algo exercido por poucos. Grupos econômicos fortíssimos como bancos, construtoras, grandes empresas, grandes produtores rurais; estes sim possuem poder de vocalização de seus interesses.

Nós, os idiotas que vão às urnas a cada dois anos, acreditamos que com este ato insignificante estamos participando da “democracia” brasileira. Já é tempo de deixarmos de acreditar nas histórias da carochinha.

Segundo o professor Vasconcelos, a democracia representativa não cumpre o seu papel. Não há como, mesmo que o representante quisesse, representar aqueles que nele depositaram sua confiança. E na maioria das vezes, o representante não tem muito interesse em representar aqueles que acreditaram em suas falácias.

Normalmente, o representante representa apenas a si mesmo, quando muito ajuda a alguns parentes e àqueles que trabalharam mais de perto para que seu mandato se efetivasse.

Portanto, há uma falência da democracia representativa. Aliás, não há nem que se falar em falência, pois a democracia representativa já nasceu morta. Ou seja, nunca cumpriu seu papel de representar, já no seu nascedouro desviou-se de sua missão.

Mas se então é tão nítida a ineficácia da democracia representativa, por que acreditamos e apostamos ainda nela? Por que se acredita que há democracia no Brasil?

Somos um país de tradição autoritária. Passamos por diversas ditaduras explícitas. Desta vez, a ditadura é implícita. Acreditamos que pelo fato de votarmos periodicamente, porque há partidos políticos, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e a decisão sobre quem governará ser da maioria, somos um país democrático.

Contudo, o fato de se votar periodicamente não significa que aqueles que são escolhidos irão representar aqueles que votaram. Isso porque não há um vínculo jurídico que ligue o eleito e o eleitor, ou seja, não há documento assinado em que o representante se comprometa em cumprir aquilo que prometeu ao eleitor. Portanto o candidato eleito poderá fazer o que quiser e está tudo bem.

Junto a isso, os candidatos são eleitos por milhões de pessoas. Não há como realizar os desejos de cada um que votou num determinado candidato. E aqui se configura uma impossibilidade real de representação, não há possibilidade matemática de representar tanta gente assim.

Os candidatos não têm nada de cândidos.

Muito pelo contrário, eles mesmos prevêem sua reeleição nas leis que votam nas Câmaras. Assim, é freqüente serem sempre os mesmos candidatos que estão disputando e exercendo o poder, sem dar muita chance a novos candidatos.

Desta forma, as eleições periódicas perdem sua eficácia e aqueles que estão no poder ficam vitaliciamente representando a eles mesmos.

No que diz respeito aos partidos políticos, a própria palavra já diz: partido é aquilo que está fragmentado, rachado, dividido.

No Brasil os partidos são agremiações que estão em busca de alcançar o poder e exercê-lo enquanto for possível, só isso.

São sempre os mesmos caciques que comandam os partidos, são sempre estes líderes que escolhem a dedo aqueles que irão ser os candidatos. E não pensemos que há diferenças substanciais entre os partidos A, B ou C, pois eles mostram que depois de conquistarem o poder, um comunista poderá ser o mais reacionário membro da direita que esta jamais teve e vice e versa.

Afora o fato de que as ideologias partidárias que ilustram seus estatutos não passarem de floreios retóricos. Na prática tendo o partido A ou B no poder as cartas são sempre as mesmas, já estão de antemão dadas.

Liberdade de expressão e liberdade de imprensa. Será que isso existe?

Houve um tempo em que se queimavam livros e que jornalistas eram assassinados por contestarem o poder. Hoje tudo mudou. Você pode falar o que quiser, mas quem disse que alguém te cederá espaço para você falar o que quiser?

Quem é que se dará ao trabalho de ler artigos de opinião na Internet e que impacto estes artigos “revolucionários” causarão de fato?

Nenhum!

Vivemos uma imobilidade e uma alienação sem par em nossa história. As pessoas estão mais interessadas nos espetáculos piegas das tardes de domingo e nas nádegas grandes das garotas que aparecem nestes mesmos programas.

A imprensa livre não passa de meia dúzia de empresas controladas por meia dúzia de pessoas com interesses bem definidos e ligados àqueles que representarem melhor seus interesses.

Este é um caso em que a representação funciona, pois os apadrinhados pela mídia têm o dever de pagar pela sua eleição votando projetos de interesse destas grandes empresas.

O que funciona da mesma forma para os bancos, construtoras, grandes empresas e todo aquele que tiver uma boa grana.

Como já foi dito, mesmo decidindo quem irá governar o país pelas urnas, estes governantes não têm compromisso com seus eleitores. Seu compromisso maior é com aqueles caras legais que financiaram suas campanhas milionárias.

Não importa quem governe o país, se é Z ou X, pois sendo X ou sendo Z este deverá compor alianças que permitirão que ele consiga governar e aprovar projetos de seu interesse, sem esse tipo de acordo não há como exercer um governo, simplesmente não há.

É o caso do presidente Lula que de radical socialista passou para “Lulinha paz e amor” neoliberalista, pois para ele conseguir chegar ao palácio do planalto e depois governar com razoável tranqüilidade, só faltou fazer aliança com satanás, se é que não o fez.

Tudo isso prova que essas palavras lindas ditas nos jornais todos os dias, palavras como eleições, voto, partidos políticos, democracia, liberdade de expressão etc, são apenas elementos retóricos para convencer a massa de que toma decisões e participa efetivamente dessa farsa chamada democracia brasileira.

Tudo isso não é, digamos, uma boa nova, não é um evangelho do Senhor, mas para quem saiu recentemente donde não se podia dizer nada já é um avanço.

Contudo, este avanço não constitui a conquista de um poder popular. O povo de fato está bem longe das decisões. Este está ocupado com sua sobrevivência mirrada, está dependurado nos coletivos e nos trens.

A população está nas filas dos hospitais esperando por atendimento, mas mesmo assim está deslumbrada com o acesso ao consumo que agora possui, mesmo estando completamente endividada. Está em frente à televisão vendo como a atriz A ou B cortou seu cabelo e coisas deste gênero.

Em suma, o povo não está nem um pouco preocupado com essa história de democracia ou não. Hoje temos carro zero e celular de terceira geração. Assim, mesmo com alguns problemas crônicos de nosso país, a população parece que finalmente alcançou a cenoura.

Tudo bem que a cenoura brasileira não é a mesma norte-americana. Para um povo que nunca teve nada, qualquer porção de legume seja ela como for e custe o que custar, é uma porção de legume!

Legume este que mesmo pequenino e pouco nutritivo, nunca foi experimentado por tão grande número de pessoas. Daí a razão de o povo que tem quase nada nas mãos acreditar que vive numa democracia e que esta vai muito bem.

Resumindo toda essa história, o povo brasileiro, após décadas de privações e de vivencia sob regimes autoritários, vive um momento no qual o pouco que conseguiu já representa um avanço muito grande.

Diferentemente dos estadunidenses, nossas necessidades ainda são pequenas, comparadas as deles, amém!

Daí a aceitação de problemas inaceitáveis como uma saúde mais que precária e uma educação menos que satisfatória.

Acreditamos que, assim como em Roma deu-se pão e circo ao povo, esse acesso ao consumo, as facilidades de crédito, o crescimento econômico e toda a onda de otimismo e popularidade do presidente são também pão e circo, pois mascaram problemas profundos como os já citados saúde e educação e, ainda mais, o povo não participa das decisões.

Como os Estados Unidos, em que os caipiras esperam alcançar sua cenoura, essa cenoura que agora roemos e cuspimos suas cascas no chão, nos levará a outro problema de enormes proporções.

É que o acesso ao consumo, a proliferação indiscriminada de automóveis, o crescimento econômico e tudo o que essa miraculosa economia brasileira está conseguindo, assim como nos EUA, causa impactos irreversíveis em nossa casa, ou seja, nosso meio ambiente.

A sujeira que a cenoura de poucos nutrientes está causando nos levará a impossibilidade de continuar desfrutando de sua insipidez. Ou seja, abestalhados com a farra consumista, como nossos brothers da américa do norte, estamos desprezando nosso bem maior.

Daqui a pouco as estrelas vão começar a cair, como disse um profeta, o pior é que não haverá para onde fugir.

CONCLUSÃO

Concluímos, junto com o professor J. Vasconcelos, que o Estado Brasileiro, atual é uma oligarquia que em muitos casos se aproxima da plutocracia norte-americana.

Não há democracia, pois na democracia representativa não há condições de que o representante aja da forma como querem seus representados, nem se este quisesse representar alguém que não seja ele mesmo.

O povo está fora das decisões importantes e também das não importantes. Há de fato uma alienação sem precedentes na história, alimentada pelos bons frutos da economia, e por uma imobilidade geral.

Não há movimentos populares que consigam empolgar a grande maioria da população, ao contrário, estes são taxados de vagabundos e de baderneiros; não há intelectuais com um engajamento substancial, não há um mínimo de força e empolgação do movimento estudantil, mas pelo contrário, há movimentos midiáticos de espetacularização e banalização da política, da sociedade, da cultura e de tudo quanto for possível esculhambar para nos convencer de que este nosso Estado brasileiro é isso mesmo: uma enorme esculhambação.

Em suma, tudo no Brasil é passível de banalização. O Estado brasileiro é a maior representação da banalidade e da trivialidade, a começar pelo chefe do executivo federal e a terminar no povo que está feliz com seu celular de última geração.

O pão e o circo distribuídos pelo governo têm cumprido muito bem o seu papel.

O Estado brasileiro descrito na constituição é apenas uma abstração, é somente uma teoria idealizada, é somente um dever-ser que precisamos aprender para sermos bem sucedidos na nossa matéria de direito constitucional.

Ou seja, temos uma forma democrática, um ideal democrático descritos na constituição. A matéria, a substância, o mundo dos fatos, o mundo do ser, o Estado brasileiro de fato não é democrático, mas como já foi dito, é um Estado controlado por elites que detém o poder político e o econômico.

Por fim, fazendo uma correção no texto constitucional em seu artigo 1°, parágrafo único:

Parágrafo único: Todo poder emana dos bancos, das construtoras e das grandes empresas, tudo sob a batuta dos seus queridos representantes.

O bem comum, ao qual a constituição também faz menção em seu texto, não é a finalidade do Estado, mas é o bem de apenas uma casta de poucos privilegiados, as outras castas conformam-se com suas quinquilharias, seus celulares de última geração e seus carros com motores de 1000 cilindradas.

Haveria muito mais o que dizer sobre o Estado brasileiro efetivo. O Estado brasileiro real, da vida fática, não o idealizado pela constituição, contudo não há como neste pequeno trabalho alcançar a profundidade que o assunto exige.

BIBLIOGRAFIA e FILMOGRAFIA

Moore, Michael. Capitalismo; Uma história de amor. EUA. Paramount Films. 2009

Vasconcelos, J. Democracia Pura. São Paulo. Nobel. 2007

Figueiredo, Ricardo Vergueiro (organização). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo. Rideel. 2010

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 09/12/2010
Código do texto: T2662359
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