O BRASIL DE ROCHA POMBO

Em tempos de crise a nossa razão se aguça para encontrar sinais e caminhos de superação das situações críticas. Nesta busca defrontei-me com as páginas de encerramento da "História do Brasil de Rocha Pombo, Edição do Centenário da Independência, volume IV". Ali o famoso historiador relata o impulso que a República soube imprimir nos sentimentos nacionais. O que, segundo ele, afetou admiravelmente a psicologia do povo. Os dois fatores, apontados por Rocha Pombo, que alimentavam tão maravilhosamente o espírito de Pátria e o sentimento nacional foram: o estreitamento de nosso convênio com outras nações, e a remodelação da capital do Rio de Janeiro, que se fez depressa extensiva a todo o país.

Em todo o país fazia-se sentir o otimismo, e operava-se como na capital. Dizia Rocha Pombo resumidamente: No Rio de Janeiro, além do completo saneamento da cidade, operou-se, como por milagre, uma transformação geral no seu aspecto e na sua vida. Abriram-se avenidas suntuosas; alargaram-se ruas; reformaram-se parques e jardins; melhorou-se o calçamento, a iluminação, o abastecimento de água, o serviço de bondes, tomando o tráfego urbano e a circulação geral exstraordinário incremento. Hoje (1922) o Rio de Janeiro é uma das cidades mais limpas e mais bem iluminadas do mundo, é uma grande metrópole, verdadeiramente monumental. Com a construção das docas, o porto do Rio de Janeiro é o de maior movimento, e o mais importante da América do Sul. Todo este trabalho extendeu-se pelos Estados.

Continuando com as palavras de Rocha Pombo: não há hoje (1922!) uma capital no Brasil que não seja uma cidade moderna, com todas as condições higiênicas - luz, água, calçamento, jardins, praças arborizadas, serviço de bondes - tudo se criou em poucos anos, ou se melhorou como por encanto. A maioria de nossas capitais de Estados poderiam ser capitais de nações. Rivalizam na sua fisionomia geral, no movimento urbano e na salubridade com as melhores metrópoles da América.

Tudo isto influiu naturalmente no espírito das populações. Pois, diz Rocha Pombo, não há grandeza de alma, nem coragem heroica, nem capacidade e amplitude de visão onde não há estímulos nem horizontes para a natureza moral do ser humano. Na desolação dos desertos, no tolhimento da miséria, na amofinação das doenças não há instinto heroico, nem poder ideal, nem confiança no destino que resistam. É nos centros de vida que se nutrem e fecundam as virtudes latentes.

Quando na novel República a política se normalizou, os novos estadistas começaram a se preocupar com os problemas da nossa economia interna. Com o desenvolvimento da viação férrea e da navegação marítima e fluvial, e com o impulso dado à lavoura e à pecuária, tomaram largo incremento todas as fontes de riqueza. A instrução pública tornou-se a causa suprema para todas as classes. Os governos regionais entraram num período de forte emulação, procurando cada qual exceder a solicitude dos outros num serviço que envolve toda sorte da nacionalidade. Em todos os Estados o ensino primário se amplia; a instrução preparatória e normal para o professorado se organiza em toda parte; o ensino superior e os institutos profissionais se espalham com grande proveito. A imprensa chegou a um grau de esforço e expansão como não há exempo em nenhum país da América. O movimento intelectual, em todos os Estados, é um fenômeno. Em numerosos núcleos de cultura se nutrem pela ciência e pela arte o sentimento da pátria e as aspirações da inteligência. A Academia Brasileira tornou-se uma instituição nacional, reunindo em seu seio o que há de mais notável em todos os círculos de nosa intelectualidade, e exercendo a maior influência em todo o país. As irradiações desta próspera e brilhante matriz espiritual se espalham por quase todas as capitais...

E Rocha Pombo conclui a sua obra de 4 volumes sobre a História do Brasil, afirmando que quis fixar esta realidade histórica, neste momento (1922!), porque o Brasil, ao comemorar o seu primeiro centenário de independência, é uma nação jovem, em perfeita comunhão moral com todas as suas coirmãs do continente, sentindo-se confiante nos princípios morais de que tem vivido, e caminhando segura para os seus destinos.

As considerações acima expressas foram feitas por um notável historiador exatamente há 88 anos. Dificilmente Rocha Pombo poderia fazer hoje as mesmas declarações otimistas em relação à situação brasileira, embora uma linha de políticos esteja iludindo o povo com um palavreado otimista irreal em relação à nossa realidade. Até podemos desconfiar que, mesmo em 1922, o historiador usasse lentes rosas, e seu entusiasmo tenha sido exagerado em relação às obras da República nas décadas de sua existência. Era, no entanto, de direito que Rocha Pombo enquadrasse o Brasil entre as nações sérias, que procuravam corresponder às esperanças de seu povo, de acordo com suas possibilidades. E o Brasil tem todas as possibilidades!

E qual é hoje a disposição psicológica de nosso povo? Já diz um provérbio salomônico de mil anos antes de Cristo: a esperança que tarda adoece o coarção. E como nossas esperanças estão tardando, sentimos o coração e a mente do povo brasileiro, neste momento, fraquejando. Poucos tem verdadeira consciência da miséria em que se encontra o povo brasileiro, pois existem milhares de favelas espalhadas pelo país, as greves por salários justos se espalham, os doentes não são atendidos adequadamente, as estradas estão esburacadas, a corrupção está solta, o povo está endividado... etc. etc. Mas, mesmo assim os brasileiros continuam votando nos mesmos políticos que os desgraçaram. Mas a esperança não pode morrer, e continuamos a perguntar por estadistas de respeito, por políticos cujo interesse primordial seja a nação; por um saneamento das cidades e do campo, infestadas pela dengue, e por outras doenças; pela superação da subnutrição, pelo cuidado com a saúde pública, por políticas de educação do povo, pela superação do analfabetismo vergonhoso, pelo ensino superior de qualidade, por escolas profissionalizantes; por estradas viáveis, por um trânsito humano em nossas cidades, por cidades limpas, pela segurança pública, pela diminuição da violência, por comportamentos éticos dos políticos, dos empresários e da população em geral; por salários dignos e justos. Enfim, estamos ansiosamente perguntando por uma Pátria, onde os brasileiros se possam sentir bem, e lutar pela realização de suas esperanças, em busca de uma vida mais digna, de acordo com os padrões humanitários do mundo civilizado.

Oxalá o elo quebrado entre o admirável Brasil de Rocha Pombo, e o Brasil de 2010, possa ser recuperado, para que a vida nacional reencontre os caminhos que o historiador imaginava serem as trilhas do destino de nossa Pátria.

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Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife/PE