CAPISTRANO E O BRASIL INDEPENDENTE

A história registra que Tiradentes foi executado há mais de 200 anos. E quando se recorda Tiradentes associamos a ele a idéia da independêmcia. E poder se considerar independente é um sentimento agradável para qualquer ser humano que alguma vez se sentiu oprimido. Felizmente, como cidadãos brasileiros, nos podemos considerar independentes, pois não estamos mais sendo colonizados e restringidos em nossa liberdade por poderes políticos estranhos. Desde a declaração de independência em 1822 fomenta-se no Brasil o orgulho nacional. No Hino Nacional cantamos nossa disposição de morrer pela pátria. Com esta emoção lembramos a Inconfidência Mineira e o Sete de Setembro de 1822. Estes são os marcos maiores de nossa independência.

Capistrano de Abreu, em um artigo de jornal em 1875, explica o verdadeiro significado de nossa independência política, a partir da superação da emoção de nossa inferioridade em relação a Portugal. Segundo Capistrano, durante o Brasil Colônia, a metrópole alimentava os brasileiros com uma política de dependência econômica, moral e mental, e, sobretudo, com a emoção de inferioridade. Mas, com o tempo, começou a germinar no Brasil o sentimento de fraternidade. Contos populares surgiram, inspirados pelo desdém do opressor. Pouco a pouco a emoção de inferioridade foi desaparecendo, dando lugar à emoção de superioridade. E, segundo o mesmo Capistrano, em 1822 esta consciência de superioridade esteve madura para que chegássemos à independência política em relação a Portugal. O Sete de Setembro não criou, mas consagrou uma nova realidade para o Brasil. Por isto a independência não pode ser atribuída simplesmente ao "grito" de D. Pedro I ou ao beneplácito de José Bonifácio. Ela foi a mentalidade do povo que se impôs. Mas, a emancipação de 1822 foi apenas um acontecimento de nível político, que modificou nossas relações com outros Estados, e a nossa condição de governados. Porém, nada se modificou em nossa estrutura social. Até a escravidão continuou sem alteração. É verdade, o Sete de Setembro transformou a Colônia em um povo soberano, mas não aboliu nossas dependências mais profundas: a industrial, mental, moral e social.

Mesmo que, da boca para fora, hoje proclamemos nossa independência, praticamente contudo, continuamos nos julgando inferiores a muitos países do mundo. E não só de países da Europa, como no século XIX julgava Capistrano de Abreu. Hoje são inúmeros os países que atraem brasileiros em busca de coisas melhores: Estados Unidos, Europa, Japão; até o Paraguai acolhe levas de brasiguaios, em busca de negócios melhores do que no Brasil. Além disto, muitos intelectuais não valorizam o que é produzido e pensado pelos brasileios. Considera-se melhor o que é produzido por firmas estrangeiras; teses de filosofia e sociologia somente são aceitas quando analisam autores estrangeiros. Não confiamos em que nós somos capazes de produzir e pensar; sempre achamos que os outros produzem e pensam melhor do que nós. Isto não é a continuidade da emoção de inferioridade?

Quando, enfim, superaremos nosso sentimento de inferioridade em relação a tantos outros países, e assumiremos uma consciência de País Independente? Capistrano de Abreu não nos dá a receita, mas nos acena com a esperança. Concretizar esta esperança de que chegaremos lá é tarefa de cada geração. E esta tarefa pressupõe projetos políticos a curto, médio e longo prazos. Projetos políticos, naturalmente, são fruto de opções políticas, que implicam em mudança de mentalidade e de estratégia de ação. Lamentavelmente, no Brasil continua profunda a emoção de inferioridade e de servilismo. Às vezes é de ficar basbaque frente às atitudes de servilismo e de inferioridade dos brasileiros, inclusive de muitos intelectuais. Por exemplo, algumas revistas científicas brasileiras são publicadas exclusivamente em inglês, com total desprezo da língua nacional. Congressos são organizados em que se fala exlusivamente o ingçlês. Alguns deles, inclusive, com apoio de dinheiros públicos. Como dizia antes, é de ficar basbaque ante tanto servilismo e emoção de inferioridade. Neste sentido, até foi bom que o nosso Presidente apenas falasse português. Assim, em suas viagens internacionais, alguns países descobriram que no Brasil se fala português. Mas não é só isto. Pois vejam, os preços dos nossos produtos de exportação: açúcar, café, soja, matérias-primas, etc. não são fixados pelo Brasil, mas pelas cotações das bolsas de Chicago, New York, Frankfurt, Londres, Paris, Tóquio... Por que o próprio Brasil não fixa os preços de seus produtos? Melhor seria não vendê-los do que sujeitar-se a preços vis, para depois ter que mendigar dinheiro emprestado a juros extorsivos. Cadê a dignidade e o sentimento de independência?

Em muitos níveis já poderíamos ser independentes, mas para isto seria necessária vontade política e amor ao Brasil. Bastaria declarar nossa superioridade onde somos verdadeiramente superiores. Sem dúvida, somos superiores, à maioria dos países, em extensão territorial e em terras férteis; somos superiores em muitas matérias-primas, em produção de diversos tipos de grãos, em clima e potencial turístico. A nossa superioridade também existe em relação a tradições culturais e tolerância racial. Claro, as nossas inferioridades ainda são muitas: lamentavelmente acusam-se recordes de analfabetismo, de injustiças sociais, de criminalidade, de violência, de baixos salários, de corrupção, de sonegação de impostos, de falta de consciência política. Tudo isto motiva a eleição de políticos sem gabarito para seus cargos. Temos ainda recordes em doenças, em falta de assistência previdenciária, em abusos de poder, em deficiência de tecnologia nacional; falta saneamento para a maioria da população... Tudo isto poderia ser minimizado se crescesse no Brasil a vontade política de buscar uma independência consistente. Infelizmente constatamos, ainda neste momento histórico, um encaminhamento mais profundo em direção à nossa dependência. O País continua dependente da especulação financeira imposta pelo exterior. Ainda somos espoliados em nossas matérias-primas. Em relação a tudo isto a política se demonstra superficial. E devemos continuar nos perguntando, onde fica nossa emoção e consciência de nação livre e independente? Segundo a esperança de Capistrano de Abreu, em 1875, um dia chegaremos lá. Potencial para isto, certamente, não falta ao Brasil e aos brasileiros.

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Inácio Strieder é professor de Filosofia - Recife/PE