A Violência Nazista Do "Conselho De Etitica "
É usual definir violência apenas quando associada à integridade física das pessoas. Violência essa em sentido restrito. Esquece-se amiúde que a pior de todas as formas de violência é a violência contra a moral e seus fundamentos: a ética. Esse é o pior tipo de tirania. A opressão contra os valores e princípios sem os quais inexiste respeito por si mesmo, pelo outro, pelos grupos que formam a sociedade e pela sociedade enquanto um todo. Sem ética não existe lei nem agrupamentos respeitáveis de pessoas nem a possibilidade do exercício de cidadania.
Sem ética a sociedade é um bando de gente desassociada por interesses conflitantes entre os quais vale-tudo. Essa privação de uma lógica diretiva de comportamento abre caminhos para os mais diversos tipos de criminalidade. O ato físico é apenas a dimensão mais radical da violência provocada pela interdição arbitrária do direito de respeitar a cidadania do outro. Dos outros.
O que o país presenciou com o arquivamento sumário das denúncias contra o presidente da Casa Grande Senado, o imperador do Maranhão, foi uma arbitrariedade proporcional ao tamanho daquelas que foram praticadas a partir da vigência política do arbítrio nazista na Alemanha da década de trinta e quarenta do século passado. Um grupo político se apoderou das instituições do poder público e, incentivado pela própria soberba e impunidade, assim como pela falta de substância moral das instituições, tomou primeiro a Alemanha, depois quis tomar o mundo para sua causa bélica. E conseguiu.
O grupo do Kayser do Maranhão com ramificações em todos os poderes da República, está mantendo o jornal O ESTADO DE SÃO PAULO sob censura há 45 dias. Os arquivamentos das denúncias contra ele no “Conselho de Etitica” do Senado foi um dos maiores atos de violência contra os eleitores daqueles que seriam seus mais legítimos representantes: os 81 senadores.
Seus eleitores ficaram simplesmente sem pai nem mãe políticos. Órfãos de todo mínimo valor político. Moral. Ninguém para representar os interesses do país. E quase todos se curvaram à patologia desvairada do poder pelo poder. Do poder que alimenta antropofagicamente a si mesmo. Como se Caetés estivessem no exercício do Parlamento devorando arbitrariamente os valores de 180 milhões de brasileiros brasileiros. Sem ninguém para representá-los de modo pertinente a seus interesses de cidadania na Casa Grande Senado.
O resto do país simplesmente desconsiderado em sua vontade popular de fazer valer a cidadania dos eleitores perplexos com a mostra de arbítrio e tirania como poucas vezes os eleitores viram acontecer.
A imprensa nacional e internacional faz protestos sem que os representantes dos poderes se sensibilizem no sentido de fazer valer o respeito à opinião dos brasileiros brasileiros que ainda não se deram por vencidos e desejam que o Kaiser do Maranhão pelos menos saia da presidência do Senado. Desde que o corporativismo na Casa Grande Parlamentar é tão avassalador que todos se curvaram à evidência do discurso de Sarney dizendo que ele era igual a todos. E quase todos aceitaram a afirmação. Quem cala consente.
Não li nenhum artigo de senador que fizesse um protesto indignado contra esse nivelamento por baixo no dizer do presidente da Casa Grande de que “todos aqui são iguais a mim. Nenhum é diferente”. Então, conclui-se de que todos os senadores estão imersos na mesma intencionalidade nefasta de fazer valer seus poderes de arbítrio diante de todo o país. Esse tipo de criminalidade institucional incentiva todas as outras espécies de criminalidade país adentro país afora.
A lógica é simples: “Ora se o Parlamento está dando esse exemplo, então que estamos esperando para nos assaltar uns aos outros e praticar todo tipo de atentado às leis? Se aqueles que estão no Senado para fazer valer o respeito a essas leis são aqueles que promovem esse exemplo soberbo de tirania e criminalidade institucional?”
Se não há respeito às leis na Casa Grande Congresso, uma enorme quantidade de marginais podem sentirem-se incentivados a fazer valer um raciocínio elementar: “Ora se esses caras fornecem esse exemplo de arbítrio e tirania (isentando-se de punição por seus crimes de nepotismo, corrupção passiva e ativa, entre outros) então estamos todos por conta do salve-se quem puder, como quiser. Se eles podem rasgar a Constituição, nós podemos desafiar as leis do código civil e burlar o código penal com muito mais convicção e virulência a partir desse exemplo vindo de uma instituição que se quer superior às demais instituições do Legislativo. Com o aval do Judiciário”.
Esse raciocínio conduz à ideia de que se o exemplo de impunidade vem do alto da Praça dos Três Poderes, então seus advogados (de todos os criminosos) podem reivindicar, com plena propriedade de interesses escusos, a impunidade para seus crimes ditos menores, desde que não são praticados contra a Constituição.
Não poucos historiadores acusam o povo judeu de se ter entregue aos desmandos de uma patologia pessoal e social sem reação. Isso não é inteiramente verdade. O genocídio judeu se afirmou a partir de um Estado que deveria ser de direito. E as pessoas nunca estão preparadas para desacreditar nas instituições do Estado enquanto modelos civilizados de representatividade popular, social.
Que poderia a maior parte do povo judeu fazer para se livrar do genocídio? Se esse genocídio era promovido por um Estado supostamente de direito que tinha por dever e obrigação moral proteger a todos os que estivessem sob a prevalência de suas leis? Pagando pacificamente seus impostos. Aquele estado tirânico e arbitrário simplesmente anulou, a partir da patologia degenerada de um grupo que se transformou em unanimidade nacional, os direitos das pessoas, extinguindo os sujeitos da cidadania a partir do que Adorno e Horkheimer denominam de "ofuscamento da humanidade" destes sujeitos. Esses e aqueles sujeitos da cidadania traída, tiveram suas vidas roubadas pela razão instrumental de um grupo de criminosos que se apossou arbitrariamente das instituições públicas tornando-as extensões de seus interesses privados.
Famintos de justiça social há muito tempo, há muito mais de 45 dias, estão os eleitores brasileiros brasileiros na medida em que aqueles que seriam seus principais defensores, se configuram a si mesmos (a seus interesses pessoais) e à instituição que representam, como opressores de seus eleitores, cidadãos brasileiros brasileiros. Querem mostrar com isso que o poder se desvinculou completamente daqueles que lhes legaram a representatividade: seus eleitores.
Toda espécie de fenômenos mórbidos sociais podem advir dessa mostra categórica de tirania institucional. O comportamento antiético da Casa Grande Senado agride os valores supostamente institucionais e abre espaço para toda uma série de distorções conjunturais obcecando grandes parcelas da população, sugerindo às mesmas à prática de uma subjetividade contra os direitos das demais pessoas em sociedade. Desde que esses direitos são claramente ignorados pelas instâncias superiores das instituições que deveriam fornecer o exemplo de afirmá-los institucionalmente.
O olhar hipnótico, perverso e supostamente indiferente dos representantes dos brasileiros brasileiros na Casa Grande Senado, ainda segundo a avaliação teórica de Adorno e Horkheimer, mostra ao país como a sociedade deve agir (confiante na passividade mórbida de seus representantes) segundo os atributos usurpados por aqueles que atentam contra os princípios constitucionais a partir de uma compulsão mórbida no exercício do poder pelo poder. Elles se julgam onipotentes, regridem à formas de narcisismo político tipo a afirmação de Luis XIV: “O Estado somos nós”, como diriam aqueles que arquivaram as denúncias contra o Kayser do Maranhão. Tendo por avalista o político analfabeto que confunde a presidência da República com uma monarquia absolutista do século XVIII.
Os interesses políticos, econômicos, financeiros arbitrários desse grupo que se apoderou da Casa Grande Parlamentar são trabalhados de modo que a ordem e o progresso lema da bandeira nacional sejam a ordem e o progresso da subversão que elles agenciam com atos secretos, e outros, assegurada a impunidade com votações secretas que lhes privilegiam o Foro da corrupção institucional. E o país fica vendo esses escândalos contínuos promovidos pela sociedade do Espetáculo mórbido da Casa Grande Senado legislando em proveito próprio, enquanto a Senzala agoniza com todos os tipos possíveis de necessidade social.
Se essas excelências investissem um décimo da riqueza pública que canalizam para suas contas bancárias particulares, e a educação teria uma face menos pervertida. E o país teria uma oportunidade de ter um futuro menos deletério.
Essa violência institucional é a mãe e o pai de todas as outras violências nacionais. As escolas públicas de ensino fundamental, médio e acadêmico são o modelo do que seriam as escolas se houvesse escolas nos campos de concentração tipo Auschwitz. Essas excelências com certeza não desconhecem o descontentamento de professores e alunos nessas instituições ditas educacionais que subordinam os docentes e discentes a uma realidade do faz de conta que eu ensino, faça de conta que você aprende.
A razão instrumental determina as sentenças jurídicas. Está aí, segundo Max Weber, o processo kafkiano que elimina os eleitores da participatividade na elaboração das leis nos julgamentos com jurisprudência ditada pelos interesses privados e raramente pela lei. Essas excelências negam os direitos e a humanidade dos brasileiros brasileiros desde que suas sentenças são ditadas sem a disponibilidade dos conceitos éticos mais elementares. Tal como aconteceu, no Legislativo, com o arquivamento sumário das denúncias contra o grupo chefiado pelo Kayser do Maranhão.
Entre os juízes das cortes supremas difícil uma relação entre EU-Sociedade. Há uma relação entre Eu-intérprete todo poderoso da lei, à revelia das expectativas de cidadania dos eleitores. Como se os brasileiros brasileiros fossem coisas, negando-lhes a legitimidade da cidadania. Negando-lhes seus direitos a um comportamento moral.
As pessoas e as instituições, segundo Buber, constituem a própria respeitabilidade, pessoal e social, a partir das relações com o Outro. Ou com os Outros. Com os eleitores e a sociedade de eleitores que elegem seus representantes nas urnas para que eles os representem moralmente e não passem grande parte no exercício de palanque de seus mandatos envergonhando-os.
Nessa indisponibilidade dos poderes para o encontro dialógico com a sociedade reside o germe de todas as violências, de possivelmente 90% da criminalidade social: a real e a virtual. As relações das excelências com a sociedade estão “reificadas”. Transformadas em coisas. Desumanizadas. Coisificadas.
Todos sabemos que não há cidadania quando as leis privilegiam aqueles que vão permanecer na impunidade, enquanto a Responsabilidade Ética por essa flagrante desigualdade (política, jurídica, social) não é assumida por ninguém. Nenhuma autoridade entre os poderes republicanos. As excelências do judiciário raramente punem os criminosos do colarinho branco. Quando há punição as sentenças são soberbamente brandas. Risíveis.
Os eleitores brasileiros brasileiros, desesperados com essa situação de insolvência moral renunciam às responsabilidades de agirem moralmente em suas famílias, em seus empregos, no exercício de suas profissões. As vítimas da violência se multiplicam todos os dias, os promotores dessa violência institucional se isentam de culpa e ainda se julgam acima dos padrões sociais deletérios que eles mesmos disseminam. No exercício de suas cátedras. Nas academias dos Três Poderes.
Buber desconhece a plenitude que não seja a plenitude da exigência e da responsabilidade cidadã. A crise da Casa Grande Senado é moral. As excelências quando ouvem essa palavra ética, devem sorrir ironicamente dos 180 milhões de brasileiros brasileiros, maior parte dos quais ignora o que significa direitos e cidadania. E os que lutam para fazer valer esses conceitos constitucionais, são frequentemente defenestrados pelas autoridades que não reconhecem sua humanidade e sua cidadania.
Sem ética será impossível a criação da possibilidade de ação institucional em prol da cidadania.