Democracia versus Oligarquia
O ESTADO DE SÃO PAULO marcou presença decisiva nos eventos do impeachment do ex-presidente Collor, na queda do ex-presidente do Senado, Renan Babá, na divulgação dos atos secretos e do nepotismo do imperador do Maranhão. Três personagens ressentidas com o papel democrático imprescindível da imprensa livre de São Paulo representado pelo jornal O ESTADO DE SÃO PAULO. Esses três Quasímodos querem se vingar do jornal, não importando que esse ato primário de mentalidade regressiva, lance o país numa vergonhosa maratona globalizada de mostra de poder oligárquico sobre a vontade popular e a letra da Constituição.
O papel representado pelo presidente Lulla na permanência do imperador do Maranhão na presidência do Senado mostra que elle não possui consciência de que suas falas devem ter um mínimo de coerência. Ou seja: de relação harmônica entre o que elle diz e o que elle faz. Do jeito que o Presidente está a se contradizer entre o que fala em seus discursos e as ações que contradizem os mesmos, conduz seus eleitores a acreditar que ou elle anda sempre muito ébrio, ou não possui controle sobre os significados de suas falas e a oposição a elas no exercício da presidência.
Senão vejamos: Em março de 2003 elle disse: “Vocês estão lembrados de que diziam assim. O Lulla não vai conseguir trabalhar com o Congresso Nacional. Vai ser muito difícil trabalhar com o Congresso Nacional porque ele não tem maioria. Nós fizemos o presidente da Câmara e o presidente do Senado”. Em 2009 elle não cansou de, em seus pronunciamentos, influenciar os membros da bancada de seu partido no Senado, instando-os de todos os modos, e em pronunciamentos públicos, a segurar a múmia no esquife.
Em outra de suas falas em outubro de 2007: “Não deve ter os presidentes da Câmara e do Senado feitos pelo presidente da República. Todo mundo sabe que a lógica do Congresso Nacional funciona assim: quando um partido tem a presidência da Câmara outro partido tem a presidência do Senado. O PT em a presidência da Câmara. O PMDB como maior partido do Senado tem o direito de ter a presidência do Senado. Isso é um problema dos senadores. Não haverá hipótese alguma de ingerência do presidente da República na disputa do que vai acontecer no Senado.”
Sabemos que o PMDB é a base do governo juntamente com o PT e outros partidos. Se o PT tem a presidência da Câmara e o PMDB a do Senado, então o governo possui as duas presidências. Ora, se elle afirmou e confirmou que não haveria em hipótese alguma ingerência do presidente da República na disputa do que vai acontecer no Senado, então, como explicar aos eleitores brasileiros que elle tenha, de uma forma tão publicamente ostensiva, via mídias, instado sua bancada a votar conforme os interesses da amizade pessoal que se configura entre elle e o presidente do Senado?
A fala de um Presidente precisa manter coerência e coesão oral, textual sem negá-las em seus atos públicos. A conformidade entre discurso, ações, fatos e ideias é um imperativo categórico da ética do cargo político de presidente da República. Elas se devem confirmar mutuamente, obrigatoriamente. Um chefe de Governo precisa ser alguém em quem os brasileiros brasileiros possam confiar. Seus eleitores estão sempre a verificar divergências no despropósito entre o que elle diz e a prática do cargo. Seus eleitores estão sempre a verificar que elle está tirando um sarro do eleitorado. Não respeitando minimamente a conexão moral que deve existir entre fala e ação.
Lulla tinha uma história política que o diferenciava da prática da corrupção em que os parlamentares de seu partido foram pegos uma quantidade enorme de vezes. A exemplo do mensalão e cuecões cheios de dólares. Seu partido era uma esperança de mudança na prática política dos outros partidos políticos. Agora, elle faz questão de mostrar que o nivelamento por baixo de suas atitudes, a última das quais a serviço do imperador do Maranhão, mantendo-o a qualquer custo na presidência do Senado, é a normalidade de seu modo de proceder. Suas intenções são deliberadamente aéticas. Seu discurso fala uma coisa, suas atitudes, configuram outras. Lembra seu antecessor no Palácio do Planalto.
Em julho de 2007: “Eu vou passar para a história do Brasil como o presidente que fez a maior política social, como o presidente que mais construiu universidades públicas no Brasil e, ao mesmo tempo, como o presidente que levou mais benefícios para os pequenos agricultores nas regiões mais pobres do país”. Ora, ora. Elle quer passar para a história com um programa social, o Bolsa Família, que é uma continuidade do programa social do governo FHC.
Lulla realmente não sabe discernir a diferença entre quantidade e qualidade. Isto é ótimo para a estratégia perversa, maquiavélica, de dominação social da Casa Grande sobre a Senzalla. A primeira se acastelou em beneficiar-se e apenas a ela. O Bolsa Família é um mínimo a fazer. A dívida social das “elites” é imensa. Mais difícil de pagar do que a dívida externa que elle diz ter pago e se vangloria e ufana disso. É apenas a obrigação política de seu governo. Não tem de se ufanar. A dívida social começará a ser paga quando houver investimentos reais, não apenas aparentes, em educação.
Construir universidades públicas sem que essas possam garantir um mínimo dos mínimos de qualidade curricular docente, é uma falácia política das mais perversas. Com os atuais salários de professores do ensino fundamental, médio e dito superior, é simplesmente impossível ensinar mais do que a analfabetização de seus alunos. Adaptando-os a uma farsa de ensino público tipo faz de conta que eu ensino e você, aluno, faça de conta que aprende.
Sem uma infraestrutura de reciclagem conceitual desses docentes, a situação vai continuar na base da quantidade. Discentes diplomados em prostituição e sacanagem. Por não ter diploma acadêmico, o Presidente certamente não possui as ferramentas educacionais mínimas que o permita discernir entre uma coisa e outra. Entre as categorias de produção de programas, serviços e métodos de controle de atividades desenvolvidas na qualidade da formação de pessoas interessadas na aquisição acadêmica de conhecimentos e não na obtenção de um diploma. Apenas.
È fácil para um político ser demagogo. É sua tarefa nesse país de analfabetos reais, virtuais, funcionais. Beneficiar os pequenos, médios e grandes agricultores... Vossa excelência está na presidência para fazer muitíssimo mais que apenas isso. Sem nenhum mínimo favor. É atribuição do cargo de Presidente.
Em março de 2004: “...A imprensa é muito importante para garantir o processo democrático de uma nação”. Se V. Exa. acredita mesmo em sua afirmação, então, como explicar que, após 370 dias (até 05/08/10)de pano de boca jurídico ao ESTADÃO, o presidente da República não tenha manifestado publicamente seu mais veemente repúdio à censura feita ao jornal O ESTADO DE SÃO PAULO por seu protegido presidente da Casa Grande Senado, José Romão Sarney?
A imprensa mundial edita todos os dias matéria sobre essa demonstração pessoal de poder oligárquico de seu protegido no Senado, o presidente da Casa Grande e imperador do Maranhão. Sem a intervenção pessoal de Lulla L O S T, Romão Sarney já teria ido vestir o pijama e o cuecão da aposentadoria. Para citar apenas alguns poucos exemplos:
Em reportagem sobre a censura ao jornal O ESTADO DE SÃO PAULO o The New York Times denunciou o retrocesso da liberdade de imprensa na América Latina. Impedido que está de editar reportagens envolvendo o filho do senador Sarney, este, presidente do Senado, sobre flagrantes da operação Boi Barrica.
O jornalista do diário americano enfatiza que "para a família de José Sarney, presidente do Senado brasileiro, as reportagens diárias sobre nepotismo e corrupção envolvendo seu nome estavam por demais incômodas". O THE NYT descreve o bloqueio das reportagens do jornal, um dos símbolos nacionais da liberdade de imprensa. Na reportagem "Jornalistas latino-americanos enfrentam nova oposição".
O autor Alexey Barrionuevo redigiu um texto no qual denuncia que jornalistas latino-americanos estão sendo impedidos de exercer com liberdade e responsabilidade a profissão. Pressionados por governos populistas, os jornalistas estão sendo impedidos de exercer a liberdade de imprensa sem a qual nenhum país pode ser considerado uma democracia, com o aval de juízes que se curvam à vontade e à determinação política de poderosos com os quais se mostram coniventes à revelia do texto Constitucional. No Brasil o exemplo citado é o do desembargador Dácio Vieira íntimo dos interesses políticos da família Sarney.
O THE NYT cita o cerco político-jurídico à liberdade de imprensa na Venezuela e em outras partes da América Latina. No Brasil o jornal americano entrevistou Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado. Nela, reportagem, ele afirma: "As gravações mostram um senador com seu filho e parentes próximos negociando empregos e benefícios como se o Senado fosse uma empresa privada, uma propriedade da família". Quando os princípios constitucionais são descartados, como se fossem matéria relegada a segundo plano, será exagero afirmar que vivemos numa “democracia totalitária”?
Orwell há muito previu esses acontecimentos antidemocráticos nefastos ao escrever “1984”. Em “A Revolução dos Bichos” ele satirizou a ditadura estalinista quando os soviéticos eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo nazifascista. A sátira vale para qualquer atitude jurídica e/ou política que configure a preponderância de interesses políticos (públicos e/ou privados) sobre o texto Constitucional.
A alegoria orwelliana denuncia a corrosão dos valores e princípios sem os quais qualquer sistema de governo não pode nem deve ser considerado democrático. Não são poucos os autores que chamam a atenção de seus leitores para situações conjunturais nas quais os interesses de poucos fazem de tudo para se fazerem prevalecer por sobre as leis e a Constituição. Dos antigos filósofos gregos aos autores Jonathan Swift, as fábulas de Esopo, Huxley, Kafka, Kundera, Soljenitzin, Hosseini, Cony, Saramago, Francis, Coetzee, Veríssimo, Arendt, e outros.
Nesses dias de globalização do analfabetismo, oligarquias regionais compostas de corporações de interesses privados, constroem a história do totalitarismo democrático. Esses interesses são cada vez mais abertamente defendidos por políticos com ramificações de interesses pessoais e oligárquicos nos três poderes republicanos. A garantia da impunidade faz com que a corrupção nas instituições se generalize. E essas instituições que deveriam ter por princípio a defesa da cidadania, tem por princípio roubar a memória cidadã das pessoas transformando-as em crianças indefesas esperando das instituições um exemplo de conduta ética que nunca chega.
Os eleitores sem educação pertinente, transformados em crianças de collo por seus representantes parlamentares, perdem a consciência da própria identidade cidadã que não chegou a ser construída de maneira pertinente nas escolas e academias dedicadas ao fornecimento de diplomas e nunca ao fornecimento de conhecimento afirmativo de cidadania. Uma vez eleitos, resta aos políticos transformar em crianças de fácil manipulação política, os eleitores que desejam ver o cumprimento das promessas de campanha. E manter a grande creche Brasil sem educação, saúde e liberdade de imprensa. Tudo no mais perfeito conchavo do faz de conta que essa conjuntura não tem nada a ver com “totalitarismo democrático”.
Está cada dia mais difícil ao cidadão que se quer partícipe de uma sociedade livre, democrática, alertar os outros dos perigos da opressão institucional à liberdade. Essa coisa conjuntural de interesses pessoais localizados, que cala a voz representativa da imprensa livre no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, não é exatamente produto do que se poderia denominar de regime democrático.
Enquanto isso o Judiciário está ameaçando criar uma jurisprudência que favorece não à liberdade de expressão característica das democracias, mas aos chefões das oligarquias regionais privilegiando seus interesses inconstitucionais. Inexiste democracia sem imprensa livre.