A Ideologia Do Determinismo Coletivo
Segundo Karl Marx a consciência humana é sempre histórica e social, isto é, é determinada pelas condições concretas de nossa existência. Isso não significa, porém, que nossas idéias representem a realidade tal como esta é em si mesma. Se assim fosse, seria incompreensível que os seres humanos conhecendo as causas da exploração, da dominação, da miséria e da injustiça, nada fizessem contra elas.
Nossas idéias, historicamente determinadas, têm a peculiaridade de nascer a partir de nossas experiência social direta (vivência). A marca da experiência social é oferecer-se como uma explicação da aparência das coisas, como se essa (aparência), fosse a essência de si mesma. Não só isso.
As aparências, ou o aparecer social à consciência, são aparências justamente porque nos oferecem o mundo de cabeça para baixo: o que é causa parece ser efeito, o que é efeito parece ser causa. Isto quer dizer que numa formação social temos dois níveis de realidade: um de essência e outro de aparência, ou seja, um não visível e outro fenomênico.
E para compreender a existência desses dois níveis, vamos acompanhar a análise que Marx faz do salário. No nível da aparência o salário apresenta-se como pagamento de um trabalho realizado. Nesse nível a relação de trabalho é uma troca entre indivíduos iguais e livres. Supostamente iguais porque todos são donos de uma mercadoria, e portanto, podem estabelecer uma troca: uns vendem seu trabalho e outros o compram.
No entanto, se sairmos do nível da circulação de bens (aparência), e passarmos para o da produção (essência), veremos que não há uma troca igualitária e que o operário não vende seu trabalho, mas sua força de trabalho.
O salário, ao aparecer como o pagamento do trabalho e não da força de trabalho, apaga a distinção entre tempo de trabalho necessário (para produzir mercadorias e/ou serviços), e tempo não-pago, fazendo das relações de trabalho, no nível aparente, uma troca igualitária. Isso mostra que o capitalismo engendra formas que mascaram sua essência, pois, se não houvesse apropriação (indébita) do valor gerado pelo trabalho não-pago, não haveria capital.
Isso denota que no nível fenomênico (aparência), a realidade põe-se invertida. O que no nível profundo (essência), são relações de exploração (apropriação do valor gerado por um trabalho não pago), aparece como se fosse uma troca: a opressão com a aparência de igualdade; a sujeição como se fosse liberdade.
A esse conjunto de idéias, a essas representações que servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens, é o que comumente se chama ideologia. E esta é constituída pela realidade.
A realidade financeira e econômica, determina o mais das vezes o que são e o que serão as pessoas. A falta de grana para fazer um curso. O excdesso de trabalho que não permite ao pai de família fazer outra coisda exceto se cansar em busca do salário no fim do mês.
A ideologia não é um conjunto de idéias que surgem do nada, ou da mente privilegiada de alguns pensadores. A ideologia explica muitas tragédias pessoais e coletivas. Quantas pessoas sentem-se cerceadas a fazer a vida progredir, ir em frente, por causa da excessiva exploração de suas forças de trabalho.
Quantos países são invadidos para que os industriais das armas fiquem mais ricos. Quantas guerras são fomentadas para que, ao serem trucidadas milhares, por vezes, milhões de pessoas, governos e empresas (complexo industrial-militar) se capitalizem com suas mortes. Os sacrifícios de sangue aparentemente tão remotos, paleolíticos, são tão comuns entre os colarinhos brancos e fardados do século XXI. E existe uma ideologia a justificar o injustificável.
Por isso diz-se que ela, ideologia, é determinada, em última instância, pelo nível econômico. Essa determinação não poucas vezes bloqueia os caminhos, pessoal e coletivo do que poderia começar a se chamar, com pertinência, de civilização.