CHAGAS DA DEMOCRACIA

Entende-se por democracia o governo do povo, o governo da maioria, ou um sistema em que o poder é exercido com a participação e o controle da sociedade. Os problemas aparecem quando se analisam as formas concretas e históricas de democracia. Pois os sujeitos participantes são de diversas categorias, e sua participação assume formas diversificadas. É fundamental que se saiba se, numa determinada democracia, todos os cidadãos participam como iguais perante a Lei, com sufrágio universal; se a participação é direta ou representativa; se o sistema é liberal ou socializante. Em que níveis de poder e administração é possível a participação e o controle da sociedade: no 1º. escalão? no 2º. escalão? no 3º. escalão?

Com os quase 200 milhões de habitantes no Brasil é evidente não ser possível uma democracia com participação direta como era o modelo da democracia nas antigas cidades gregas. Mesmo em relação a estas democracias nas cidades-estado gregas o filósofo Platão tinha sérias reservas. Considerava que o poder nos sistemas democráticos, com demasiada participação popular, se pervertia em demagogia e, posteriormente, em anarquia. Mas, esta opinião do filósofo Platão já não é a nossa. Pois a democracia é um valor que deve ser defendido e aperfeiçoado como o sistema mais apropriado à natureza humana de liberdade, igualdade e solidariedade. Por isto, a humanidade, na medida em que se civiliza, o processo de democratização deve ser seu horizonte. Este processo de democratização exige que os valores da democracia sejam cada vez mais assegurados e aperfeiçoados para o bem de todos os cidadãos. E quais são alguns destes valores? O poder deve ser exercido em nome do povo, e para o bem de todo o povo; o povo deve possuir meios para participar, controlar e fiscalizar o exercício do poder em todas as suas instâncias. Para que isto seja respeitado, é fundamental a transparência no exercício dos poderes. Somente assim se saberá se as ações dos governantes, representantes do povo, seguem as leis constitucionais, que são o fundamento do pacto social democrático. É justamente a partir desta questão que se pode medir o nível de qualquer governo, que se alega democrático. A partir destas exigências, vejamos alguns aspectos da democracia brasileira.

Os representantes do povo democrático, se realmente são democratas, deveriam ser os mais observantes da Lei, os mais honestos, os mais transparentes, os mais preocupados e praticantes da liberdade, igualdade e solidariedade. Pois eles são o retrato e o modelo de quem representam. E o que acontece? Os tribunais do país estão abarrotados com milhões de processos contra os Governos: federal, estaduais e municipais. É lamentável, em nossa democracia, que os próprios legisladores sejam os que menos observam as leis. Isto começa com o Presidente da República, que neste período pré-eleitoral, já foi multado seis vezes por não observar a Lei Eleitoral. Em vista disto, que farão as outras instâncias eleitorais? Alguns governadores, deputados, secretários, prefeitos e vereadores envolvidos em “n” falcatruas. Alguns condenados, outros ”absolvidos” nas caladas da noite com “acordos escusos de cavalheiros”, camaradas e companheiros. E o que acontece por detrás das portas de gabinetes, cerrados ao público, e nas caladas da noite, tudo isto fica envolto em densa escuridão. Cadê a transparência, a Controladoria Geral da União, as Ouvidorias, as Corregedorias, as fiscalizações, os Ministérios Públicos, a Justiça? Belas leis são gestadas nas Câmaras, mas cadê sua eficácia? Exemplificando, a Lei do Nepotismo, que deveria valer para todos os escalões do serviço público. Certo, alguma coisa se fez no 1º. Escalão. E os outros escalões, onde, através das seleções simplificadas, sem transparência de qualificação dos candidatos, entra no serviço público uma penca de apaniguados políticos? Isto também ocorreu vergonhosamente no nosso meio, justamente nestas últimas seleções, antes do período eleitoral, em que políticos corruptos empurraram para dentro de organizações governamentais uma série de apadrinhados e parentes sem qualificação, prejudicando outros cidadãos dispostos a trabalhar para o bem comum no serviço público. Isto é democracia? No mínimo é uma das chagas de nossa democracia brasileira.

Inácio Strieder é professor de filosofia- Recife-PE