AS MÃOS DE EURIDES

Semelhança e distinção sugerem coincidência. A peça de teatro  escrita por Pedro Bloch é um monólogo cuja personagem é Eurídice. A Caixa de Pandora, tragicomédia levada a palco e cenário políticos de Brasília, conta com grande elenco para uma sequência de atos dos quais se destaca o protagonizado por Eurides Brito. Quase homônimos, a eufonia dos dois nomes sutilmente os distingue pela grafia. As mãos de Eurídice se diferem das mãos de Eurides. Aquelas, - como as jóias que lhe dera o marido -, erguem-se magistralmente à luz dos refletores. Estas, porque sujas, movem-se à luz difusa, a portas fechadas, para que não lhes percebam os gestos. Só uma câmera indiscreta capta-lhe o ato. Eurídice, - a do monólogo -, torrou a fortuna do marido, levando-o à falência. Eurides,- a deputada -, pôs as mãos no dinheiro público, encheu a bolsa e locupletou-se.

Foram meses em cartaz o segundo enredo. Dura na queda, confiante na grande influência que sempre exerceu estando ou não no poder, Eurides Brito não quis renunciar ao mandato como fizeram dois dos seus parceiros de legislatura e mensalões. Confiava nos conchavos arquitetados desde as gestões de Joaquim Roriz, que a introduziu na política como Secretária de Educação em dois mandatos quando  então governador. Depois, elegendo-se deputada distrital, aliou-se a Cristóvam Buarque a quem convenceu a trazer para reger a Orquestra Sinfônica de Brasília a cubana Elena Herrera. Esta, desconhecendo qualquer preceito democrático, usou de todo autoritarismo do país de Fidel para histericamente gritar, constranger, humilhar e expulsar músicos durante os ensaios. Nada se podia fazer contra a protegida de Eurides Brito. Cristóvam importara a “companheira”, indicada pela deputada.

A eleição de José Roberto Arruda para governador contou evidentemente com o influente apoio de Eurides que, àquela altura, tendo já rompido com Roriz e Cristóvam, exigiu de Arruda que demitisse o Maestro Sílvio Barbato (sucessor de Herrera), e nomeasse Ira Levin, maestro americano e genro da deputada Eurides Brito. Esse gringo norte-americano não fez menos que a cubana. Sem qualquer preocupação em falar nosso idioma demonstrava total desprezo pelo Brasil, ofendia os músicos falando inglês. As pouquíssimas  palavras que eventualmente lhe vinham à boca eram propositamente mal articuladas. Mas em menos de quatro anos aqui no Brasil esse americano construiu uma mansão no Lago, bairro dos mais nobres de Brasília.

Numa investigação que fez parte da mesma operação Caixa de Pandora, descobriu-se que Eurides Brito, (conforme CPI da Câmara Distrital) fundou uma Associação Pró Orquestra, em nome da qual desviou mais de dez milhões de reais, incluindo aí o salário de 40 mil reais para o maestro e seu genro Iran Levin. Afastada a deputada para não atrapalhar as investigações, afastaram também o maestro e genro dela. Esses episódios quase não vão a público também por pressões políticas. Mas ontem, talvez pela aproximação do pleito eleitoral, os distritais se reuniram para decidirem sobre o futuro político da influente deputada que, sempre dura na queda, ainda conseguiu que fosse secreta a votação. Mas este ato chegou ao fim. Cassaram-lhe o mandato, e as mãos de Eurides já não podem colocar na bolsa vultosos pacotes de dinheiro público. Nem pra ela nem para o genro, o gringo Ira Levin.


LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 23/06/2010
Reeditado em 12/09/2012
Código do texto: T2336481
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